Analisando a história da medicina, vemos como tudo poderia parecer um jogo de apostas. Seguindo sua própria lógica de acordo com que se acreditava em determinados períodos, tratar de doenças era torcer pelo melhor. Entre erros e acertos, algumas descobertas foram fundamentais para a evolução e o estudo da saúde do corpo humano.
Infelizmente, entretanto, houveram muitos erros. E uma boa dose de charlatanice também.
Hoje, quando lemos livros como Medicina Macabra, damos um pouco de risada das situações esdrúxulas que nossos antepassados passaram. Um homem que engolia pedaços de vidro — e comeu bastante repolho para se curar —; um garoto que se engasgou com um ganso; um jovem sonâmbulo que acabou entrando em um duelo; fumaça de cachimbo soprada no ânus de um Conde falecido… entre tantos outros casos no mínimo curiosos que o livro de Thomas Morris nos apresentou.
Agora, entretanto, vamos nos voltar às tentativas de cura mais bizarras da medicina. Em Medicina Macabra 2, Lydia Kang e Nate Pedersen nos relatam algumas das curas mais improváveis — e pouco funcionais — dos últimos séculos. Entre drogas pesadas usadas como remédios e animais sugadores de sangue sendo usados na pele de doentes, a medicina já teve alguns momentos bem interessantes — e até nojentos.
O livro, lançamento da DarkSide no selo Macabra, é um deleite. Separado em cinco capítulos, cobre uma grande área de curas — ou o que vocês preferirem chamar — aterrorizantes.
Selecionamos cinco desses casos para dar um gostinho especial aos leitores mais macabros de nossa fazenda.
Arsênico
A essa altura do campeonato vocês já devem ter ouvido falar nesse veneno. Se você é um fã de romances policiais, deve conhecer o arsênico como uma potência de assassinatos. Nos livros de Agatha Christie, por exemplo, oito personagens já foram assassinados com a substância, em quatro livros e quatro contos da autora — uma informação que você encontra no livro Dicionário Agatha Christie de Venenos, de Kathryn Harkup.
A questão é que nem sempre o arsênico foi usado só como veneno, ele também era usado para cura. Mesmo que fosse um dos venenos mais conhecidos por todos, desde a antiguidade, a substância era utilizada também como remédio. Nos idos do século XIX, quase tudo continha arsênico, de tônicos para saúde até um coquetel que misturava arsênico, vinagre e giz para provocar anemia — a anemia, por sua vez, provocava palidez, que nossos amigos vitorianos consideravam uma característica muito atraente e aristocrática.
E, o detalhe especial, é que o arsênico também era utilizado em algumas tinturas. O “Verde de Scheele” ou “Verde Parisiense”, como ficou conhecido, era usado em tecidos e papéis de parede. Diversas pessoas morreram graças a lascas de parede soltas. Uma das possíveis vítimas dessa cruel substância foi Napoleão Bonaparte. Ao longo dos anos muitas possibilidades foram atribuídas a sua morte e, entre elas, está a do arsênico, pela grande quantidade de veneno encontrado em seu cabelo.
Digamos que o arsênico foi pau para toda obra.
Cocaína
Sim. A cocaína já foi muito utilizada como um remédio — principalmente como estimulante —, e isso data de pelo menos 3000 a.C. As folhas da coca eram mascadas por Incas no Peru, e logo foi descoberta como uma excelente fonte de estímulos — e de renda. Levada até a Europa pelos colonizadores, logo a planta começou a ser estudada e se tornou extremamente popular entre os cientistas, estudiosos, escritores, intelectuais e afins. Mesmo Freud se tornou um viciado no poder da cocaína.
Não só como estimulante, a cocaína também funcionava como um anestésico muito potente, e passou a ser utilizado na Alemanha e, depois, nos Estados Unidos. Mas, claro, hoje sabemos que a substância também causa uma dependência terrível.
Agora, uma história interessante: John Pemberton, um tenente confederado que foi severamente atingido em uma das batalhas da Guerra Civil norte-americana — quando a Guerra já havia terminado, mas ele e suas tropas não sabiam disso ainda — se tornou viciado em morfina, junto de outros soldados. Mas o vício pela morfina é bastante complicado. Então, como era um farmacêutico em sua vida civil, Pemberton resolveu fazer diversas experiências e patentear diversos remédios.
Sua intenção era criar um analgésico menos danoso que a morfina. Então, ele trabalhou extraindo cocaína das folhas de coca — algo que já era feito há anos na América do Sul, e estava sendo feito na França, como um estimulante, através de um vinho. Mas Pemberton não queria o vinho francês, ele queria uma alternativa. Então criou uma bebida gaseificada, inicialmente alcoólica, e a patenteou. A bebida? Coca-Cola.
Anestesia
A luta contra a dor é quase tão antiga quanto a própria sensação de dor. Se você já teve uma enxaqueca, uma dor de dentes, uma pedra nos rins, sabe a necessidade de um analgésico. Agora, imaginem fazer uma cirurgia sem uma anestesia? Isso sim é um filme de terror em uma frase.
De pancadas na cabeça até muito álcool para derrubar um paciente, várias foram as tentativas de se criar uma solução para esse problema. Henry Hill Hickman fazia seus experimentos com filhotes de animais e dióxido de carbono, mas, apesar de sempre anotar os resultados positivos, o processo poderia levar à morte; já James Young Simpson utilizou o clorofórmio como uma espécie de lança perfume com seus amigos e percebeu que a substância poderia funcionar, mas não demorou muito para que levasse diversas pessoas também à morte.
Os experimentos continuaram por diversos gases — do gás do riso ao hidrogênio. Hoje temos uma anestesia (quase) 100% eficaz, mas isso depois de muitos testes e experimentos.
Sanguessugas
Você já deve ter se deparado com a cena, em alguns filmes, em que médicos aplicam sanguessugas em seus pacientes. Pode, inclusive, ter se perguntado para que, afinal de contas, eles estavam fazendo isso. Bom, sanguessugas eram usadas para quase tudo antigamente, de amídalas inflamadas a humores descontrolados.
A questão é que as sanguessugas — ou outros tipos de sangria — funcionavam com um propósito semelhante: descongestionar o sangue, ou as inflamações. Então, se você pensar que acreditava-se que muitas doenças eram frutos de problemas sanguíneos e inflamações, deve ter uma noção de quantas sanguessugas foram usadas nesse período. Claro que essas sanguessugas não surgiam do nada. Havia uma pessoa que as caçava e capturava com seu próprio corpo, para que elas servissem ao nobre propósito da medicina. Podemos ter a certeza que caçador de sanguessugas não era um trabalho divertido.
A prática, que se iniciou no Egito Antigo, sempre fez muito sucesso, principalmente porque a saliva da sanguessuga ajuda no trabalho. Graças a ela, o paciente desafortunado sente pouca ou nenhuma dor quando é mordido — diferente de lâminas para sangria, por exemplo —, além de serem muito mais precisas. Isso, claro, porque elas podiam passear dentro do corpo humano. É, tudo que é ruim pode piorar. Não basta uma sanguessuga grudada no seu braço, pense em uma na sua garganta.
Saudável.
Luz
Bom, a gente sabe que viver 100% na penumbra e no breu não faz bem para ninguém. Mas quando citamos luz neste texto não estamos falando da luz solar. Isso seria muito fácil. Estamos falando de um raio de luz azul. Exatamente.
O grande descobridor dessa possibilidade foi o Brigadeiro-General Augustus J. Pleasonton. O homem passava muito tempo olhando para os céus e, de repente, teve o genial pensamento de que a luz azul deveria fazer algum tipo de bem para os corpos terrestres.
Pleasonton começou sua experiência com plantas, e notou que, dentro da estufa que construiu com seus vidros azuis, sua videiras cresciam muito mais fortes que sem as luzes. Depois, passou para os porcos, e notou também que os porcos que estavam em contato com a luz azul eram mais saudáveis. Logo Pleasonton começou a publicar ele mesmo alguns panfletos e, o mais chocante de tudo, é que correspondências passaram a surgir sobre como pessoas adoecidas estavam melhorando em contato com luzes azuis.
O brigadeiro-general escreveu então um livro, publicado em 1876, chamado The Influence of the Blue Ray of the Sunlight and of the Blue Colour of the Sky. A moda pegou, muitas pessoas começaram a fazer uso da luz azul e tomar sol com vidros azuis. Mas quase toda moda é passageira, e logo essa ideia de Pleasonton foi desmistificada por revistas científicas dos Estados Unidos.
Esses são somente alguns dos temas tratados em Medicina Macabra 2, livro que traz com muito bom humor uma história tão complexa como a evolução da medicina. O livro já está em pré-venda na Loja Oficial da DarkSide Books.
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