5 motivos para ler Cabal: Raça das Trevas, de Clive Barker

Nas palavras de seu criador, Clive Barker, Cabal: Raça das Trevas é “uma história romântica de gente morta”. A Macabra listou cinco motivos para ler este livro que esteve esgotado nas livrarias brasileiras há anos.

Aaron Boone é um jovem problemático, mas que através do amor da jovem Lori procura ser um homem melhor, se consultando regularmente com um psicólogo. Sua vida muda de repente quando seu médico, dr. Decker, diz a ele que acredita que Boone é o responsável por uma série de assassinatos que tem acontecido. Desesperado, Boone procura refúgio na morte, mas acaba descobrindo, ao invés disso, um estranho lugar chamado Midian. É lá que mora a Raça das Trevas, metamorfos que vivem à margem da sociedade.

Cabal: Raça das Trevas, de Clive Barker, nos apresenta um protagonista pouco heróico, que vive à beira de um colapso; um médico com uma ética bem estranha; uma jovem que está disposta a tudo para compreender as escolhas do homem por quem ela se apaixonou; e um grupo de seres enigmáticos, que vivem nas sombras do cemitério da lendária cidade de Midian. Barker teceu todos esses personagens e os conectou com a teia de acontecimentos mais extraordinária, espantosa e brilhante neste livro.

Depois de anos esgotado em livrarias, a Macabra, em parceria com a DarkSide, lança Cabal: Raça das Trevas em uma edição de colecionador em homenagem ao seu lançamento de 1988. Reunimos alguns motivos que tornam essa obra tão especial e por que ela merece ser lida e relida.

No auge do sucesso

Clive Barker no set de Hellraiser: Renascido do Inferno, 1987

Escrito em 1987 e publicado em 1988, Cabal seguiu dois dos grandes sucesso de Barker: o lançamento do primeiro filme de Hellraiser, que foi dirigido pelo próprio escritor, e A Trama da Maldade, um dos livros mais bem-sucedidos na carreira de Barker e que, de certa forma, ecoa alguns dos temas que estão presentes em Cabal.

Sobre os dois sucessos, Barker afirmou: “Os dois livros são partidários da magia e combatem a razão quando ela está corrompida. Os dois são sobre sociedades perseguidas, sociedades refugiadas (…) Só que eu me propus de forma bastante consciente a estabelecer uma inversão. Em A Trama da Maldade, você entra em um mundo de encanto e mistério que revela ter elementos sombrios; em Cabal, você entra em uma necrópole que no fim demonstra capacidade de transcendência”.

Depois de Cabal, Barker ainda escreveu muitos livros de sucesso e suas obras foram adaptadas para o cinema e TV outras tantas vezes, mas se você quer apreciar o trabalho desse mestre em um dos momentos em que ele mais teve liberdade para escrever, pode aproveitar a chance de conhecer um de seus primeiros livros em uma edição de colecionador e cheia de cuidado que só a Macabra, em parceria com a DarkSide, pode proporcionar.

Uma outra face do romance barkeriano

Aaron Boone (Craig Sheffer) e Lori (Anne Bobby) em imagem do filme Raça das Trevas (1990)

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Como explorado em Mundos Sombrios de Clive Barker, assim como Cabal ressoa, de certa forma, com A Trama da Maldade, ele também se aproxima de outras obras de Barker. Se você teve a chance de acompanhar os lançamentos de Livros de Sangue, deve conseguir reconhecer que elementos religiosos, como um povo abandonado em busca de redenção, está presente em alguns contos.

Mas, para além do sagrado, Barker também é um escritor que gosta de apostar no profano, muitas vezes o fazendo por meio da carne e do sexo. Nas páginas de Cabal: Raça das Trevas, isso pode ser visto através da relação de Aaron e Lori. A promessa de que ambos estarão para sempre juntos logo é rompida, e conforme avançamos na história descobrimos que sua relação é profundamente delicada, quase a um nível espiritual, visto que, apesar de ser um dos homens mais bonitos que já conheceu, Lori não consegue ter relações sexuais com Boone e sua mente e corpo em frangalhos.

Julia (Clare Higgins) e Frank (Sean Chapman) em imagem de Hellraiser: Renascido do Inferno (1987)

Enquanto isso, em outra história de Barker, há um casal com uma relação puramente carnal. Em Hellraiser, tanto no livro quanto no filme, conhecemos Julia e seu cunhado, Frank, que são movidos para nada além da luxúria. Frank busca Julia em um momento de desespero, para que ela o ajude a retornar das profundezas de onde foi aprisionado pelos cenobitas. Mesmo com todos os sacrifícios, percebemos que é um relacionamento superficial. Julia e Frank buscam o prazer acima de tudo, enquanto Boone e Lori se conectam muito mais profundamente. 

Acompanhar a história de Boone e Lori é uma forma de conhecer outras faces do amor abordado por Clive. Para os fãs que estão acostumados e se lembram de Frank e Julia, este outro casal é uma boa mudança de ares.

Complexidade Moral

Imagem de Raça das Trevas, 1990

Assim como em outras obras de Barker, também, os personagens que são expostos na trama de Cabal: Raça das Trevas são complexos, profundos, e habitam aquela área cinza que existem entre o bem e o mal. Suas atitudes e suas escolhas não podem ser classificadas somente como boas ou más.

Boone é um protagonista confuso, que não sabe bem como viver em sua própria pele e que não consegue lidar com os sentimentos que estão presentes sem sua própria mente. Um anti-herói trágico que pode ser terrivelmente violento, mas que tem seus momentos de suavidade, é completamente apaixonado por Lori, mas que não consegue lidar com esse amor. Nem quando finalmente encontra Midian, Boone consegue se sentir pertencente e completo. 

Sketch de Clive Barker para Aaron Boone

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E ainda que Decker seja um vilão bastante detestável, e Lori seja pega desprevenida ao ser alçada ao papel de heroína, os dois também tem seus momentos atenuantes e agravantes. Porém, para descobrir quais, o leitor terá que adentrar as páginas de Cabal: Raça das Trevas.

Comparação com o filme

Pôster do filme Raça das Trevas, 1990

Clive Barker sofre da maldição de alguns dos maiores escritores de terror: as adaptações de suas histórias nem sempre são levadas a sério. Ao menos, não pelos estúdios que decidem fazê-las. Quando surgiu a oportunidade de adaptação cinematográfica para Cabal: Raça das Trevas, Barker não pensou duas vezes — ou melhor, pensou. Ele já tinha se decepcionado anteriormente com a adaptação de Rawhead Rex e até mesmo um pouco com como as coisas foram conduzidas com a adaptação de Hellraiser.

Mas a sorte estava lançada, e logo Clive Barker se arrependeria. 

Quando escreveu Cabal: Raça das Trevas, Barker não pensava em adaptá-lo aos cinemas. Como é explicado em Mundos Sombrios de Clive Barker, ele pretendia trabalhar em uma superprodução do detetive Harry D’Amour, que até hoje não viu a luz do dia e seria intitulada “Harry D’Amour and the Great Beyond”. Porém, Barker ainda estava “preso” ao seu contrato de três filmes com a produtora Morgan Creek Productions. Cabal acabou sendo o escolhido em 1988, por ser o livro mais recente do escritor.

Craig Sheffer, David Cronenberg e Clive Barker no set de filmagens de Raça das Trevas, 1990

A adaptação de Cabal então sofreu cortes de financiamento e de edição que deixaram Barker profundamente chateado. Inicialmente, a intenção de Clive era subverter a ideia de serial killers como anti-heróis, como os filmes slashers estavam fazendo naquele momento. Mas a produtora não estava interessada em contar essa história. Philip Decker, o médico que foi interpretado por David Cronenberg, foi vendido quase como um novo Freddy Krueger, e parte do charme da obra começou a se perder, principalmente para Barker.

Com todas as alterações feitas na edição, tornando a história cada vez mais distante de sua intenção original e do próprio livro, Raça das Trevas se tornou uma decepção, inclusive para o estúdio. Em 2009, algumas fitas VHS com o filme ainda em suas montagens iniciais foram encontradas na casa de Clive e foram lançadas sob o nome de Nightbreed: The Cabal Cut

Agora, com o relançamento do livro, o público brasileiro se aproxima mais da obra original de Barker, e pode comparar com seus próprios olhos quais eram suas intenções originais e o que acabou chegando até a adaptação. 

Uma homenagem aos anos 1980

Cabal: Raça das Trevas foi publicado originalmente em 1988 e seu filme chegou aos cinemas (aos trancos e barrancos) em 1990. Apesar de todos os problemas enfrentados pela produção — ou talvez por causa deles —, Raça das Trevas é um marco nas adaptações literárias de Clive Barker, mas também é um filme recheado de elementos dos anos 1980. Ao escolher focar nos assassinatos cometidos pelo serial killer que, até então, acreditava-se ser Boone, a adaptação cinematográfica trouxe esse elemento do slasher tão enraizado na década de 1980. Escolher David Cronenberg para interpretá-lo, mesmo que ele seja tão diferente da descrição que consta no livro, foi um grande acerto.

Sketch de uma criatura de Midian para Cabal feita por Clive Barker

A edição lançada pela Macabra, em parceria com a DarkSide Books, aposta em um trabalho especial que lembra as fitas VHS dos anos 1980 e 1990, com um visual desbotado e com o título que evoca um letreiro em néon. Uma edição pensada em homenagem ao seu primeiro lançamento, em 1988, o leitor se sentirá com uma cópia saída especialmente daquela década tão especial. Além disso, a edição inclui ilustrações do próprio Clive Barker, um exímio artista, e conta com uma nova tradução, de Alexandre Boide, para completar a homenagem.

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Cabal: Raça das Trevas, de Clive Barker, está disponível em pré-venda no Site Oficial da DarkSide Books. E você, ansioso para ler essa obra inigualável de um dos maiores mestres do terror? 

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.