Até onde vai a maldade humana? Essa é uma pergunta feita com frequência quando pensamos em assassinos, torturadores e tantos outros males. Mas até onde vai a maldade das crianças?
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Em 1974, Mendal W. Johnson escreveu Quando os Adams Saíram de Férias, seu único livro publicado — embora tenha escrito outros, somente este viu a luz do dia. A obra atingiu a crítica em cheio: repugnante para alguns, excelente para outros. Independentemente da opinião, o consenso foi de que o livro era inesquecível.
Na história, Barbara é uma babá na casa dos 20 anos, que parte para a casa dos Adams, no interior dos Estados Unidos, em uma área remota, para cuidar de suas duas crianças, Bobby e Cindy, de 13 e 10 anos respectivamente, enquanto os pais saem de férias pela Europa. Tudo vai bem, até que certo dia Barbara acorda amordaçada de presa na cama. As crianças dos Adams, juntos de outros três amigos vizinhos, John, Paul e Diane, de 16, 13 e 17 anos respectivamente, haviam planejado tudo para mantê-la naquelas condições.
O que se inicia por um jogo torto e bastante sem graça para Barbara acaba ganhando contornos cada vez mais macabros quando, conforme os dias passam, as crianças não a desamarram e passam a transformá-la, cada vez mais, em uma criatura sem direitos ou poderes. Em meio a tudo isso, Mendal, em sua narrativa, aborda as profundezas desses cérebros infantis — e também os pensamentos da babá —, e, de certa forma, nos faz visualizar as mais obscuras porções do coração humano.
Em sua introdução, Grady Hendrix, autor dos livros O Exorcismo da Minha Melhor Amiga e The Final Girl Support Group, escreve que Mendal “olhou nos olhos do mundo e não se esquivou, não desviou o olhar, não trapaceou. Ofereceu a seus leitores o tributo supremo de ser sincero“, e acabou criando uma das obras mais aterrorizantes do terror.
Depois de décadas esgotada, a DarkSide Books, em parceria com a Macabra TV, traz de volta essa obra aterradora às prateleiras, para que os leitores desta nova geração possam entrar em contato com este horror inigualável e, acima de tudo, completamente humano.
Mas, afinal, o que torna esse livro tão assustador assim? Sem spoilers, a Macabra tentou responder a essa pergunta em cinco motivos.
A atitude das crianças
Um dos pontos cruciais da narrativa de Mendal é como as crianças se comportam. De início, tudo parece ser um jogo para elas. Mas, conforme as páginas passam, começamos a entrar em contato com questões mais profundas para os jovens — que, como o próprio autor menciona, elas mesmas não conseguem acessar com palavras.
Às vezes emulando o comportamento dos adultos, sem perceber que se aproximam tanto das atitudes daqueles que eles consideram seus inimigos, as crianças de Quando os Adams Saíram de Férias, à primeira vista, não se parecem mais crianças. Mas, com um pouco mais de atenção, percebemos o detalhe fundamental de que sim, elas são crianças, guiadas por impulsos erráticos e terríveis, com suas dúvidas infantis, e completamente sem freios.
Como Mendal escreve em determinada passagem, “O cuidado, a insistência nos detalhes, o silêncio, a recusa à sensatez e à comunicação com ela”, acaba se tornando uma das coisas mais aterrorizantes do romance.
A forma como as crianças enxergam Barbara
Apesar de Bobby e Cindy realmente terem algum sentimento de afeto pela babá, ao longo do romance vamos percebendo que isso não se estende aos outros membros do Clube dos Libertadores, como o grupo de crianças se autodenomina.
O que começa como um “jogo”, como eles afirmam, para saber se conseguiriam capturar a babá, logo apresenta contornos mais sinistros dos outros companheiros. Todos eles acabam deixando escapar, ao longo da narrativa, seus verdadeiros sentimentos — se não por Barbara, pelo universo dos adultos. Mas, talvez, o mais assustador de tudo, são as visões que alguns deles tem da jovem mulher depois que ela se encontra indefesa.
Quando Barbara está amarrada e impossibilitada de reagir, quando se encontra mais indefesa, vemos surgir nos jovens um sentimento de superioridade perigoso — principalmente em John e Paul. Com objetivos diferentes, eles acabam demonstrando o mesmo tipo de desejo: o de subjugar a babá. John, por exemplo, em certa altura do livro, pensa consigo mesmo, enquanto vê Barbara amarrada: “(…) surgia diante dele uma garotacolocada em seu devido lugar humilde por (em parte, pelo menos) seu mestre”.
A forma como os dois enxergam mulheres, ainda mais as mulheres indefesas, é preocupante e aterrorizante.
Pureza infantil contestada
Quando pensamos em crianças, associamos a elas inocência e pureza. Mas há, ao longo da história, ocorrências que nos mostram que a infância pode não ser tão inocente e pura assim.
É impossível ler Quando os Adams Saíram de Férias e não se lembrar imediatamente de um caso real e assombroso que chocou os Estados Unidos nos anos 1960 e serviu de inspiração para outra obra inesquecível: o caso de Sylvia Likens, uma garota que ficou sob a guarda de uma mulher maligna que, com a ajuda dos filhos e de alguns garotos da vizinhança, aterrorizaram, torturaram e abusaram, psicologicamente e fisicamente, da jovem.
O caso de Sylvia Likens inspirou o escritor Jack Ketchum a escrever o livro A Garota da Casa ao Lado e, de certa forma, também inspirou Johnson a trabalhar em Quando os Adams Saíram de Férias. Saber que histórias tão angustiantes quanto as que os dois autores escreveram tem paralelos com a realidade torna tudo mais angustiante.
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O motivo pelo qual elas fizeram o que fizeram
A junção de alguns elementos muito próprios, muito únicos, criaram a possibilidade de que o que aconteceu com Barbara, acontecesse. Caso somente uma das crianças estivesse ali, como Bobby, por exemplo, as coisas teriam sido diferentes. Ao expor a visão de cada uma das crianças, Mendal deixa isso tudo muito claro. Ele não quer nos mostrar que todas as crianças são psicopatas ou que todas as crianças têm desvios irreparáveis de caráter, mas que algumas possuem alguns direcionamentos, algumas inspirações, até mesmo algumas aspirações.
Não foram todas as crianças que tinham motivos sórdidos de quererem Barbara vulnerável e indefesa — como os claros motivos de Paul e Bobby, e até mesmo de Diane. Para Bobby e Cindy estava claro que eles só queriam provar que conseguiriam. E, pior de tudo, que foram forçados a seguir com um plano que já não os agradava mais.
Se o pior é ter um motivo sujo pelo qual fazer uma coisa ou não ter motivo nenhum e só fazer para provar que pode, vai da balança de cada um. Mas ambas as noções são assustadoras.
O final
Não, nós não vamos contar o final do livro para você. Mas o final de Quando os Adams Saíram de Férias é, talvez, um dos mais aterrorizantes do universo dos livros. É, também, um dos grandes últimos capítulos já escritos.
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Quando os Adams Saíram de Férias está disponível em pré-venda na Loja Oficial da DarkSide Books. E você, pronto para encarar de frente essa história sinistra? Comente com a Macabra no Twitter e Instagram.