Twin Peaks foi uma série revolucionária. Não apenas porque a tendência das sitcoms era o que dominava a televisão norte-americana naquele momento, início de 1990, mas também pela qualidade empregada por David Lynch e Mark Frost ao nos levarem àquela cidadezinha pitoresca. A questão da continuidade, também, foi uma grata novidade ao público. E, depois dela, muitas séries do período beberam daquela fonte.
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Indubitavelmente uma dessas séries foi Família Soprano. Criada por David Chase, Família Soprano, na verdade, foi pensada para ser apenas um filme. Chase apresentou o piloto aos executivos torcendo para que, no final, conseguisse expandi-lo em um longa, mas os chefões da HBO decidiram tomar outro caminho. A série acabou contando com 7 temporadas (para fins burocráticos de pagamento de salários dos atores foram 6, mas Chase sabe, e nós também, que foram 7), e 86 episódios divididos entre elas.
Família Soprano segue Tony (James Gandolfini), chefe da família mafiosa de New Jersey. Mas, diferente do que poderíamos esperar de uma história sobre a máfia, logo na primeira cena vemos Tony entrando no consultório de uma terapeuta. Ele teve alguns ataques de pânico e resolveu procurar ajuda profissional.
Outros elementos também fizeram da série uma das maiores da história da televisão: o humor, a qualidade narrativa, o anticlímax proposital, seus personagens carismáticos, alguns anti-heróis e tão humanos. Além, claro, de algumas escolhas muito irreverentes. Algo que chama a atenção dos fãs é como os sonhos e a psicologia estão alinhados às decisões dos personagens. Estes primeiros, inclusive, sendo quase protagonistas em algumas decisões importantes tomadas ao longo da série.
E é neste ponto que a influência de Twin Peaks se torna ainda mais visível. O próprio Chase já afirmou como a série de Frost e Lynch foram importantes para a criação de sua própria obra. Em alguns momentos, poderíamos pensar que as duas séries se passariam no mesmo universo (mas talvez os agentes do FBI de Twin Peaks sejam um pouco melhores que os de Família Soprano).
No livro Família Soprano: Menu de Episódios, de Matt Zoller Seitz e Alan Sepinwall, os dois autores se debruçam sobre cada um dos episódios da famosa série de David Chase, analisando com cuidado todos os elementos que compõem a trama. A cada episódio em que sonhos são destrinchados, notamos mais e mais a influência de Twin Peaks na narrativa de Chase.
A Macabra listou alguns episódios de Família Soprano onde a realidade e o mundo dos sonhos se complementam, nos fazendo lembrar com carinho de Twin Peaks.
From Where to Eternity
Temporada 02, episódio 09 – Roteiro de Michael Imperioli, Direção de Henry J. Bronchtein // Primeiro episódio escrito por Michael Imperioli, que interpreta Chris, “From Where to Eternity” é um episódio que se baseia muito na espiritualidade e no poder dos sonhos para contar sua história. Após ser baleado, Chris acaba indo parar na UTI em emergência e passa cerca de um minuto morto, tempo suficiente para ter uma experiência para lá de surreal. Nunca fica claro exatamente se tudo não passou de um sonho da parte de Chris ou se realmente ele experienciou aquilo em um tipo de pós-vida, se algumas daquelas conversas — algumas comprometedoras — aconteceram realmente; mas Chris repassa um recado para Tony e Paulie mandado diretamente dessa dimensão em que (pensa que) esteve: “Três horas”.
Funhouse
Temporada 02, episódio 13 – Roteiro de David Chave e Todd A. Kessler, Direção de John Patterson // Tony Soprano, ao sofrer de uma intoxicação alimentar, acaba tendo uma série de “sonhos” — alguns beiram o absurdo, outros são bastante específicos — que o fazem chegar a algumas conclusões sobre o que está acontecendo na Família. Ao sentir a ameaça de um traidor pairando já há alguns episódios, Tony finalmente consegue, através desse estado de consciência alterado (e com a ajuda de tudo o que tem aprendido na terapia), interpretar o que sente, em seu âmago, sobre quem é o responsável por essa situação. Um episódio sobre interpretar o subjetivo, a intuição, e a ouvir o que ambos têm a dizer sobre o que acontece no mundo real.
The Test Dream
Temporada 05, episódio 11 – Roteiro de David Chave e Matthew Weiner, Direção de Allen Coulter // “The Test Dream” elevou o que “Funhouse” fez a uma nova categoria ao manter a sequência de sonho de Tony por mais de vinte minutos ininterruptos e apresentar um Tony muito mais “consciente” sobre seu sonho. Ao contrário de “Funhouse”, esse episódio aborda Tony como um todo, e várias de suas preocupações que surgiram ao longo da quinta temporada são trabalhados através de detalhes aqui. Na história, Tony viaja a Nova York e, ao cair no sono, acaba tendo um longo sonho. Pela primeira vez em um sonho na série (se desconsiderarmos o “sonho” de Chris em “From Where to Eternity”), o que acontece no mundo “acordado” de alguma forma influencia o mundo dos sonhos de forma quase sincrônica.
Join the Club / Mayham
Temporada 06, episódio 02 – Roteiro de David Chave, Direção de David Nutter | episódio 03 – Roteiro de Matthew Weiner, Direção de Jack Bender // Tony ficou em um estado complicado depois de levar um tiro de seu tio, que tem lutado contra o Alzheimer e o confunde com um antigo inimigo da Família. No hospital, enquanto tenta sobreviver, é sua vez de ter uma experiência surreal de quase morte. Como se estivesse vivendo em um mundo alternativo, acompanhamos os desdobramentos desse personagem-que-é-mas-não-é-Tony por dois episódios, “Join the Club” e “Mayham”. As crises que este personagem passa não são tão diferentes daquelas que Tony tem enfrentado no mundo real, mas parecem diluídas. Algo semelhante acontece no final da segunda temporada e na terceira de Twin Peaks, quando o agente Cooper retorna do salão vermelho e passa a viver uma vida desmemoriada, quase como em um universo alternativo de si mesmo.
Made in America
Temporada 07, episódio 09 – Roteiro de David Chave, Direção de David Chase // Último episódio de Família Soprano, “Made in America” provocou debates acalorados entre os fãs por conta “daquele final”, que fez todos os espectadores se perguntarem o que aconteceu depois. Essa decisão, ao som de “Don’t Stop Believin’”, foi a coroação da obra de David Chase, uma experiência quase onírica que nos leva a muitos lugares diferentes. Twin Peaks teve uma continuação depois de 25 anos, mas Chase quer que você continue a partir daí sozinho.
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O livro Família Soprano: Menu de Episódios já está disponível em pré-venda no site oficial da DarkSide Books. E você, qual o seu episódio favorito de Família Soprano? Comente com a Macabra no Instagram e em suas redes sociais. • Foto utilizada no topo desta matéria é original do site Collider.