Entre os fãs de terror, o colecionismo sempre foi uma presença marcante. Adoramos colecionar coisas sobre nossos filmes favoritos, seja uma camiseta, um pôster ou, para as gerações mais antigas, um recorte de revista. Colecionamos DVDs, até mesmo um ou outro VHS… e várias memorabilias que acabam sendo parte integrante do nosso amor pelo cinema.
Felipe Perez é o criador e apresentador do canal no Youtube Filmes Encontrados, e dono da página no Instagram com o mesmo nome, onde fala com o público sobre filmes de terror. Não apenas os recentes, mas aqueles antigos, esquecidos, que a gente se reconecta por um cartaz, uma memória no fundinho da mente, um trailer ou uma propaganda em um canal de TV tarde da noite.

Formado em Rádio e TV, pós-graduado em Cinema, hoje Felipe é editor de vídeo e criador de conteúdo digital. Seu canal conta com mais de 19 mil inscritos e é um prato cheio para os fãs de mídia física e os nostálgicos, como nós, que sentimos tanta falta das locadoras e do contato com uma caixa de VHS e DVD.
Para Felipe, a relação com as locadoras sempre foi muito próxima. “Sempre frequentei desde pequeno com meus pais, inclusive ainda tenho guardada a carteirinha que a gente usava. Deixo ela guardada dentro do meu VHS de A Hora do Pesadelo porque foi uma fita que comprei do acervo dessa mesma locadora. É bom demais saber que tenho um pedaço físico daquele tempo e espaço na minha coleção”, conta.
O amor pelas locadoras
“A locadora está muito ligada ao despertar do meu amor por filmes de terror”, conta Felipe. “Os primeiros clássicos que assisti foram todos apresentados pela minha irmã, que me levava na locadora e escolhia filmes que, segundo ela, eu precisava assistir porque eram essenciais ou só muito legais e trash. Foi assim com Carrie, O Exorcista, Acampamento Sinistro (o 2 no caso, que chegou aqui como se fosse o 1) e A Maldição de Samantha. Não à toa, todos filmes que tenho uma memória afetiva muito forte e que sempre que revejo volto para aquela época.”
Os donos das locadoras de bairro eram verdadeiros curadores que escolhiam o acervo que ficaria disponível para o cliente.
Não apenas um local onde alugávamos fitas VHS ou DVDs, as locadoras ajudaram a construir memórias que permanecem conosco, muitas vezes fazendo com que busquemos esses filmes nos dias de hoje. Além de nos apresentar os filmes, os atendentes das locadoras que frequentávamos agiam como “verdadeiros curadores”, como nos lembra Felipe. “Era a locadora que trazia pra gente aquele super lançamento que tava no cinema e agora a gente poderia levar pra casa no fim de semana. Os donos das locadoras de bairro eram verdadeiros curadores que escolhiam o acervo que ficaria disponível para o cliente. Os cartazes na fachada ou paredes dentro da locadora, as capas, as revistas de cinema no balcão, as conversas e indicações sobre filmes quando você encontrava um vizinho ou conhecido.”

E as indicações funcionavam em uma via de mão dupla, também. “A dona da locadora do meu bairro já sabia que eu gostava de terror e quando eu tinha idade ela sempre comentava quais filmes novos tinham chegado. E é engraçado porque muitas vezes acontecia o contrário também. Eu adorava ficar vasculhando sites ou revistas pra tentar descobrir o que estava pra ser lançado nas locadoras. Eu perguntava pra dona da locadora quando ia chegar tal filme e ela falava que não sabia ainda se teria ou não esse filme pra alugar no acervo. Lembro bem que foi graças a minha encheção de saco que ela comprou uma cópia de Ring, O Chamado da Califórnia Filmes. Eu estava doido na época pra assistir porque fiquei obcecado pelo remake americano de 2002.”
Eu adorava ficar vasculhando sites ou revistas pra tentar descobrir o que estava pra ser lançado nas locadoras.
“Quando comecei a colecionar, acabei definindo muito das sessões de filme da minha família e amigos”, relembra Felipe. “Eu levava o videocassete ou o DVD nas viagens e vários filmes do meu acervo. A seleção dos filmes ficava por minha conta! Lembro, por exemplo, de uma viagem pra Caraguatatuba que fiz com os meus pais e minha irmã em 2001, e levei o videocassete e uma mala só de fitas VHS. Em uma das noites, reassistimos O Silêncio dos Inocentes.”

Escolher filmes, alugá-los, assisti-los, muitas vezes era um trabalho colaborativo, onde reuníamos amigos e família. Passávamos a palavra adiante, no boca a boca, tentando fazer com que mais gente assistisse aos filmes que havíamos gostado para comentar na segunda-feira seguinte. Segunda-feira, claro, porque era uma atividade que fazíamos principalmente nos fins de semana, quando as locadoras contavam com boas promoções.
Era um ambiente realmente mágico!
Não apenas mágico, mas que fez com que muitos de nós moldássemos nossos gostos ao longo dos anos, mesmo na idade adulta. Felipe comenta como isso permaneceu com ele através de sua coleção: “Desde pequeno tinha vontade de um dia trabalhar ou ter uma locadora. Não trabalhei e não deu tempo de ter uma. Acho que minha coleção foi se moldando muito por conta dessa magia de ter a minha própria locadora e criar esse ambiente com a minha cara. Ainda hoje tento ir atrás de filmes que nunca vi, mas lembro que tinha na locadora do meu bairro, que eu peguei a fita na mão e ficava só imaginando como seria a história guardada dentro das fitas”.
Eu morria de medo, mas ao mesmo tempo todas aquelas capas aterrorizantes me fascinavam.
Precisamos comentar, também, que mesmo com pouca idade, muitas vezes assistimos filmes que não eram exatamente apropriados. Todos temos uma história dessas para contar. Para Felipe, o filme que mais o marcou permaneceu com ele por tanto tempo que ele o buscou, quando mais velho, para que fizesse parte de sua coleção. “Não lembro exatamente quantos anos eu tinha, mas lembro que uma vizinha — que também era criança — alugou Vingança das Bruxas (de 1990) e chamou alguns amigos da nossa rua pra ir ver na casa dela. A cena final me marcou demais porque dava a entender que a mãe tinha conseguido salvar o filho da possessão das bruxas.”
Mas a produção guardava uma surpresa que deixou Felipe assustado quando criança, e fez procurá-la quando era mais velho: “A fita continuou rolando enquanto os créditos finais apareciam junto da casa pegando fogo. Eu ainda estava na sala, agora sozinho, quando os créditos acabaram e o rosto da criança voltou a aparecer na tela. O garotinho abria os olhos de novo e revelava que ainda estava possuído, com seus olhos brancos. Nunca mais esqueci aquela imagem. […] Quando comecei a garimpar em sebos, muitos anos depois, esse foi um dos filmes que eu queria encontrar pra ter na coleção e encontrei. Um tesourinho na coleção. Brinquedo Assassino 2 e 3 também eram o meu grande pesadelo quando criança, mas mesmo morrendo de medo eu sempre dava um jeito de ver as reprises no SBT ou pegar as fitas na locadora.”

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E, falando em tesouro da coleção, Felipe tem seus favoritos, como todos os colecionadores: “Acho que o meu VHS duplo de O Exorcista. Foi um dos primeiros da coleção. Lembro que eu e minha irmã fomos comprar em uma livraria no shopping e foi surreal a sensação de ter o filme em casa pra ver quantas vezes a gente quisesse. Muita memória afetiva envolvida!”.
Além de conhecer alguns filmes que, pela nossa idade, nem eram apropriados, as locadoras também eram locais que nos proporcionavam encontrar capas e pôsteres assustadores e marcantes. Quando perguntado qual capa foi mais marcante em suas idas à locadora, Felipe conta que “Acho que a mais macabra e que mais me marcou foi A Noite dos Demônios 2. Tenho uma memória de entrar um dia na locadora e dar de cara com o cartaz do filme em uma das paredes. Aquela mulher estranha comendo um espetinho de crânio humano e olhando na minha direção era um pesadelo pronto! Esse filme também foi um dos motivos do porque eu tinha medo do logo e da vinheta da América Vídeo quando era pequeno. Eu fiz uma associação direta da América Vídeo com filme de terror.”
O começo da coleção
Felipe começou a colecionar no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000. Começou com fitas VHS que vendiam, gravadas — as fitas piratas —, e depois embarcou nas verdadeiras, assim que as locadoras começaram a se desfazer de seus acervos devido ao boom dos DVDs, em meados de 2001. Mas, para Felipe, o colecionismo começou anos antes. “Eu já tinha o costume de gravar filmes da TV, capítulos de novelas, videoclipes e trechos de programação. Olhando pra trás, vejo que sempre tive essa alma de colecionador, de querer registrar tudo que eu gostava. Lembro que foi um grande evento quando Pânico foi exibido pela primeira vez na TV aberta. Consegui gravar o comercial e o filme na mesma fita, fiz a capinha no computador e assistia praticamente todo dia a cena de abertura quando voltava da escola. Todo mundo queria a fita emprestada!”
Olhando pra trás, vejo que sempre tive essa alma de colecionador.
Felipe guarda mais lembranças de Pânico e de seu diretor, Wes Craven. “Lembro que no final dos anos 1990 eu estava super obcecado com Pânico depois que minha irmã me apresentou o filme. Aí tentei ir atrás de tudo que tinha o nome do Wes Craven. A Maldição de Samantha foi a fita que mais me deixou impressionado porque, além de ter sido também uma indicação da minha irmã, fiquei fascinado com a cena da bola de basquete. Lembro da minha irmã dizendo: ‘Tem uma cena que a cabeça da mulher explode, você precisa assistir’.”

A fita VHS que menos gostou, também, tem a ver com Wes Craven. “A que mais me decepcionou foi O Parque Macabro, que levava o nome do Wes Craven na capa. Quando assisti, vi que não era ele que dirigia e o filme não era tão legal como a capa fazia parecer. Tinha essa magia dos filmes de terror na locadora na época do VHS porque as capas eram um espetáculo à parte. Nossa imaginação ia longe!” O filme que Felipe comenta é um remake de 1998 do filme original de 1962. Wes Craven apenas produz o filme (se muito), mas seu nome foi utilizado na capa e cartaz para chamar atenção.
Terror e VHS: amor que resiste ao tempo

Nesses últimos anos, temos visto alguns fãs de terror se voltarem para a mídia física e o colecionismo desses materiais novamente. Para Felipe, isso não é apenas nostalgia do que não viveram, é buscar essas experiências. “Acho que muitos fãs de terror estão indo atrás dessas mídias para, de alguma forma, se conectar a um ritual que não viveram e ter essa experiência. Eu recebo alguns comentários no canal em que inscritos mais jovens dizem que assistiram determinado filme porque o pai ou mãe falava muito ou que tinha sido um filme marcante pra eles. Comigo foi assim quando eu era pequeno. Eu ia na locadora com a minha irmã pra ela me apresentar os clássicos. Acho que hoje existe essa curiosidade de viver essa experiência que essas mídias proporcionavam e que muita gente não viveu.

“E o filme de terror conversa tão bem com essa estética”, complementa Felipe. “Assistir Evil Dead, Sexta-Feira 13, Halloween e Massacre da Serra Elétrica em VHS com a imagem suja de uma cópia antiga, imperfeita e sem a ultra resolução do 4K reacende aquela faísca de assistir aquele filme proibido, quase como ter a experiência de um ritual de outra época para a geração mais nova. Ao mesmo tempo, pra mim é estranho dizer isso porque o VHS, o DVD, o vinil e tantas outras mídias físicas nunca deixaram de fazer parte da minha rotina. É o meu porto seguro!”
Um lugar para conectar e relembrar
Foi graças a esse impulso de colecionismo que Felipe passou a criar conteúdo para internet. Além de falar sobre seus filmes favoritos, Felipe também compartilha, tanto em seu canal no Youtube quanto em sua página no Instagram, sobre as fitas de VHS que tem. Um quadro bacana é sobre o que você encontrava quando alugava determinados filmes na locadora, com os trailers que acompanhavam as produções.
Desde pequeno, Felipe queria se conectar com as pessoas e com seus filmes favoritos. “O Filmes Encontrados nasceu muito da vontade de falar de filmes de terror conectando o colecionismo com as minhas experiências com esses filmes e como eles me marcaram. Em 2015 eu comecei a produzir e apresentar um quadro semanal de cinema na WebTV do Creci São Paulo — o Dica Cine, que durou 5 anos e teve mais de 200 edições — e isso ajudou a quebrar a barreira da timidez para depois criar um espaço em que eu pudesse falar sobre filmes no meu próprio canal, que criei no finalzinho de 2015 e comecei a publicar vídeos em 3 janeiro de 2016.”
“Desde pequeno eu sempre tive essa vontade de criar e ter um espaço pra me comunicar, mas sempre fui muito tímido e inseguro”, relembra Felipe. “Quando criança, brincava de locutor com um gravador e tinha uma rádio que chamava XZ em que escolhia as músicas, fazia os comerciais e gravava os programas em fitas K7. Na época da escola, reunia os amigos mais próximos pra gravar filmes caseiros inspirados pelos meus filmes preferidos. Na adolescência, criei um site pra falar de filmes de terror que chamava Cinema Room e tinha pra falar dos filmes que assistia. Na faculdade, eu filmava a rotina do meu grupo e editava como se fosse uma série real, documentando os episódios em temporadas nos DVDs. E o Filmes Encontrados é meio que uma junção de todos esses pedaços. Falar de filmes mas sempre conectado a mídia física e o colecionismo.”
Se você está curioso para entender como surgiu o nome de “Filmes Encontrados”, Felipe esclarece: “O primeiro vídeo do canal foi um curta de filmagens encontradas, que gravei sem saber exatamente que seria o início de um grande projeto Enquanto editava o curta, escolhi o título e o canal nasceu ali. Decidi que o curta seria não só o primeiro vídeo do canal mas também a abertura dos vídeos que eu viria a publicar, brincando com a sensação de que assistir os vídeos era como ter o contato com a mídia física ou uma fita encontrada de um filme esquecido, aquele filme que a capa ficou na memória das idas à locadora”.
Saudade e perda com o fim das locadoras
Além de nos lembrarmos com carinho das locadoras, também perdemos com esse triste fim. “Acho que a mídia física mantém a experiência de você mergulhar no filme. O VHS tem os trailers antes pra descobrir outros títulos obscuros que nunca chegaram nos streamings ou mesmo nem tiveram relançamento em DVD. Tenho filmes na coleção em VHS que nunca estiveram disponíveis em nenhum streaming. Já o DVD e o Bluray tem o bônus das informações especiais. O DVD conseguia colocar a gente dentro do filme, viver aquela experiência através dos menus animados temáticos, a seleção de capítulos, os comentários em áudio, cenas deletadas e bastidores.”
Às vezes, tudo que queremos é chegar em casa e ficar zapeando pelos streamings, mas nem sempre eles nos ajudam a encontrar aquela pérola que vai garantir nossa diversão.
“A locadora tinha uma magia muito específica, era um grande evento escolher um filme”, adiciona Felipe. “Ter aquele lançamento na sua casa pra ver e rever por um determinado período, pegar a mídia física na mão, as capas, ler as sinopses, os diversos cartazes nas paredes. A forma de consumo dos filmes era completamente diferente e não era tão descartável como agora. Hoje se fala na opção de assistir filmes e séries na velocidade 2x enquanto você mexe no celular, como segunda tela. Ir à locadora em uma sexta à noite para escolher os filmes que você veria no fim de semana era como um ritual que fazia parte da experiência completa, assim como sair de casa para ir ao cinema. Ir ao cinema hoje também é muito diferente, por conta da urgência de ter acesso a múltiplas telas. É quase impossível hoje ver um filme no cinema sem que alguém na sala não ligue o celular porque não consegue manter o foco por muito tempo no filme.”
“É uma experiência que o consumo rápido do streaming não permite e não tem interesse”, finaliza Felipe. “O que interessa é você consumir mais e cada vez de forma mais rápida. Acho que se perdeu aquela magia de realmente viver o lançamento de um filme, manter ele presente e conversar sobre ele. Parece tudo muito descartável. Eu tento resgatar no meu canal e nas redes sociais do Filmes Encontrados um pouco daquela sensação que eu tinha com as locadoras, de manter os filmes que marcaram essa época vivos e presentes abordando diferentes recortes sobre eles.”
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