A história dos estúdios RKO

Um dos cinco grandes estúdios da Era de Ouro de Hollywood, a RKO foi o lar de um dos produtores mais importantes para o terror dos anos 1940: Val Lewton. A Macabra te conta mais sobre essa história.

Na história do cinema, alguns estúdios se tornaram sinônimos de filmes de terror. Atualmente, podemos pensar na Blumhouse; na virada do século XXI, a Dark Castle fazia um trabalho divertido com remakes; a Hammer e a Universal habitam o imaginário ainda hoje, com suas releituras dos monstros mais famosos da literatura, como Drácula, Frankenstein, e nossas queridas lendas peludas — não podemos deixar os lobisomens de lado! Mas houve outro estúdio tão importante quanto eles, que foi a casa de alguns dos filmes mais emblemáticos dos anos 1940 e 1950. 

A RKO foi uma das cinco grandes produtoras da Era de Ouro de Hollywood, ao lado da Warner, Paramount, Metro-Goldwyn-Mayer e 20th Century Fox. Grandes nomes passaram pelo estúdio como Cary Grant, Fred Astaire e Katharine Hepburn. Além disso, dois dos grandes filmes em preto e branco da história do cinema foram produzidos pela RKO: King Kong (1933) e Cidadão Kane (1941).

Mas qual foi a ligação da RKO com o terror? A Macabra faz um tour pelo passado e relembra um pouco desse grande estúdio.

O terror nos anos 1930

Antes de falarmos um pouco sobre o cinema da RKO, é importante entender o panorama do período que estamos comentando. A Universal dominava o terror nos anos 1930, e não apenas porque o nome do gênero foi usado pela primeira vez em um de seus filmes — “filme de terror” foi utilizado pela imprensa para designar a estreia de Drácula, de 1931, nos cinemas. Mesmo que outros estúdios lançassem grandes filmes — como a MGM e os filmes de Lon Chaney nos anos 1920, ou as disputas diretas da Universal com a Paramount, que produziu filmes como O Médico e o Monstro ainda em 1931 —, os filmes da Universal se sobressaíram e acabaram se tornando sinônimo de terror para as gerações futuras.

Ilustração de Alex Ross dos Monstros Clássicos da Universal

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O estúdio, é claro, não produzia somente filmes de gênero. Mas se tornou comum nos lembrarmos das maiores produções desse período como “Os Monstros da Universal” (e, de vez em quando, inserimos nesse balaio até filmes que não eram do estúdio). Naquela época, um pouco diferente do que acontece hoje, era comum que o nome do estúdio ficasse atrelado ao filme, e não apenas o nome do cineasta envolvido. Os estúdios possuíam um impacto grande na divulgação e aceitação das obras. É fácil se lembrar que o Frankenstein de Boris Karloff era da Universal, mas às vezes é preciso parar alguns segundos para se lembrar que James Whale foi seu diretor.

Essa disputa de espaço entre estúdios ainda duraria alguns anos, e o nicho do terror que, naquele momento, tinha uma renda interessante, acabou atraindo a atenção dos maiores produtores de filmes. Todos queriam uma parcela do que Drácula e Frankenstein haviam conquistado.

A RKO em si foi fundada oficialmente em 1929. No começo dos anos 1930, apesar do período complicado da Depressão que a maioria dos estúdios estava passando, a RKO emplacou alguns filmes. Dentre eles, e que sobreviveu fortemente ao passar dos anos, estava King Kong. Lançado em 1933, dirigido por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, King Kong conseguiu alcançar o lugar de clássico na história do cinema, e hoje permanece sendo um dos “monstros clássicos” a ter filmes lançados.

A conquista dos filmes B

Mesmo que você nunca tenha visto um filme da RKO, talvez você já tenha ouvido falar no estúdio. Na canção “Science Fiction, Double Feature”, do musical Rocky Horror Picture Show, por exemplo, há uma passagens com diversas homenagens aos filmes dos anos 1940 e 1950 do cinema de ficção científica e terror. Em algumas linhas, o intérprete canta “To the late night, double feature, picture show. / By RKO”. 

Os “double feature” eram sessões de cinema em que dois filmes eram exibidos pelo preço de um. Foi uma prática que nasceu junto ao cinema em si, mas que, entre o final de 1940 e os anos 1950, ganhou como sinônimo um lugar para se assistir filmes B ou ainda produções mais antigas. Isso se deu por uma nova lei nos Estados Unidos, após um processo contra a Paramount, que delimitou as possibilidades sobre o que poderia ser considerado “o segundo filme” para essas sessões.

Reexibições de filmes antigos e filmes de baixo orçamento de estúdios menores eram aceitos como a segunda obra a ser apresentada. Os grindhouses — cinemas que se especializaram em filmes de terror, ação e exploitation — eram bastante adeptos ao double feature — é fácil se lembrar do projeto Grindhouse de Robert Rodriguez e Quentin Tarantino, por exemplo.

Marquise de cinema com um double feature clássico de Drácula e Frankenstein, em Nova York, 1952.

E, naquele momento, os filmes B, com baixo orçamento, eram um dos nichos da RKO. E, dentre os filmes B, os filmes de terror eram um tipo de aposta certeira.

Quando olhamos para trás, realmente parece haver uma lacuna entre os monstros clássicos da Universal, nos anos 1930, e os filmes de ficção científica e terror dos anos 1950. Devido a Segunda Guerra Mundial e o pós-Guerra imediato, a frequência do povo norte-americano diminuiu um pouco nos cinemas nos anos 1940, e os filmes de terror já não eram a primeira escolha quando eles decidiam frequentar esse lazer. Não era uma opção segura fazer filmes com grandes orçamentos nesse gênero.

Quem decidiu apostar fundo nesse gênero foi Val Lewton, uma lenda entre os produtores de filmes de terror. E seu lar era justamente na RKO.

Val Lewton: mestre do terror de 1940

Nascido no Império Russo, em Yalta — hoje reconhecidamente um território ucraniano —, em 1904, se mudou com sua mãe e seus irmãos em 1909 para os Estados Unidos. Seus primeiros trabalhos, na verdade, foram como escritor.

Val Lewton

No início dos anos 1930, Lewton trabalhava no escritório de publicidade da MGM em Nova York. Em 1932, Lewton escreveu o best-seller pulp No Bed of Her Own. Naquele mesmo ano, o livro seria adaptado aos cinemas sob o nome de No Man of Her Own — em português, o título ficou Casar por Azar —, com Clark Gable e direção de Wesley Ruggles. Após o sucesso repentino de seu livro, Lewton saiu do emprego, mas quando suas próximas tentativas de escrever livros rentáveis falharam, Lewton retornou aos escritórios da MGM, agora trabalhando com novelizações dos filmes de sucesso.

A carreira de Lewton o levaria a mestre do terror dos anos 1940 no início daquela década, quando foi contratado como chefe da unidade de filmes de terror da RKO. Os filmes deveriam seguir três regras: todos deveriam estar abaixo dos 150 mil dólares; todos deveriam ter menos de 75 minutos de duração; e seriam os supervisores de Lewton quem forneceriam os títulos antes do começo da produção.

Sangue de Pantera, 1942

Para mostrar que não estava de brincadeira, a primeira produção de Lewton para a RKO nesse contexto foi Sangue de Pantera, ainda em 1942. Dirigido por Jacques Tourneur, que se tornaria frequente colaborador de Lewton, o filme foi feito com um orçamento de cerca de 134 mil dólares e rendeu 4 milhões de bilheteria. Foi o melhor filme do estúdio naquele ano. Com o passar do tempo, Sangue de Pantera se tornou um dos maiores representantes dos filmes de terror daquela década. Isso garantiu uma certa liberdade maior para Lewton em seus próximos projetos.

No ano seguinte, em 1943, Lewton produziu quatro filmes para a RKO: A Morta-Viva (dir. Jacques Tourneur); O Homem-Leopardo (dir. Jacques Tourneur); A Sétima Vítima (Mark Robson); e O Fantasma dos Mares (dir. Mark Robson). Desses quatro, A Morta-Viva e O Homem-Leopardo são os mais lembrados pelos fãs de horror — sendo o primeiro um dos filmes analisados pela dr. Robin R. Means Coleman no livro Horror Noire, por seus temas de racismo e de religiões de matriz afro-americana, como o Voodoo.

A Morta-Viva, 1943

Lewton continuou produzindo filmes, mas foi em 1945 e 1946 que uma nova leva de sucessos produzidos por ele atingiu a RKO: O Túmulo Vazio (1945, dir. Robert Wise); A Ilha dos Mortos (1945, dir. Mark Robson) e Asilo Sinistro (1946, dir. Mark Robson). Os três filmes fizeram relativo sucesso quando foram lançados, mas caíram nas graças do público nas décadas seguintes, em parte porque os três são protagonizados por um dos maiores astros do terror, Boris Karloff. Karloff agradeceu imensamente por Lewton ter lhe dado novas oportunidades fora da franquia Frankenstein na Universal.

Lewton escrevia todos os últimos rascunhos dos filmes que produzia, mas evitava os créditos nas telas. Houve algumas exceções, como em A Ilha dos Mortos e Asilo Sinistro, onde usa o pseudônimo Carlos Keith, que já havia utilizado em alguns de seus romances anteriores.

Boris Karloff, Mark Robson e Val Lewton

Após a morte de Charles Koerner, em 1946, o maior apoiador de Lewton e chefe da RKO, o produtor acabou sendo demitido quando ocorreu uma mudança na estrutura do estúdio. Lewton acabou retornando para a MGM. Tentou iniciar uma produtora independente com Wise e Robson, que haviam trabalhado com ele na RKO, mas após desentendimentos, Lewton deixou o acordo. 

Val Lewton faleceu em 1951, após dois ataques do coração, mas seu legado permaneceu, principalmente entre os fãs de terror. Dirigido e escrito por Kent Jones e narrado e produzido por Martin Scorsese, o documentário Val Lewton: The Man in the Shadows conta a trajetória de Lewton, focando em seu trabalho na RKO e sua obra com os filmes de terror.

Mas e a RKO?

Depois de anos, a RKO continuou produzindo alguns filmes, mas nunca mais alcançou o sucesso que teve entre as décadas de 1930 e 1950. A RKO que ficou conhecida por seus filmes de terror dos anos 1940 fechou as portas em 1958. Houveram tentativas de reviver a marca como produtora, que foi vendida e revendida incontáveis vezes. Após essas vendas, entrou em parcerias com a Universal e outras grandes produtoras, mas se manteve apenas uma lembrança da velha Hollywood.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.