Por Cesar Bravo
Talvez você conheça Clive Barker apenas como “aquele cara que fez o Hellraiser”. Não desmerecendo e jamais esquecendo nosso sempre amado cenobita renascido do inferno, é preciso ir um pouco mais além para entender o gênio criativo desse autor britânico.
Com suas muitas facetas, Barker já emprestou seu talento ao teatro, aos livros, ao cinema, aos games, e ainda se dedica ardentemente ao mundo das artes plásticas, principalmente às pinturas. Em comum, a verdade que transborda de Barker como o suor da pele. Suas pinturas são perturbadoras, quentes, elas parecem nos encarar e provocar, como se dissessem: estou de olho em você.
Clive vem chocando o mundo com seu horror, seu sangue e seu apetite voraz pela carne, vem se mantendo atual e relevante, se mantendo íntegro. Então chega a hora de responder a grande pergunta: o que Clive Barker ainda pode ensinar de novo às futuras gerações de artistas do horror?
Conheça sete características macabras que fazem de Clive Barker um visionário para você se deleitar enquanto espera novos livros chegarem às estantes brasileiras.
1 – Paixão
Você não vai encontrar uma única linha de Clive Barker que não contenha esse ingrediente. Seja a paixão por uma criatura infernal, pelo filho de um celuloide, seja a paixão de um pornógrafo pelos segredos da sexualidade humana. Barker obriga seus leitores a se apaixonarem pela vida, pela morte e pela dor, de uma maneira tão fluida que nós mal conseguimos separá-las.
2 – Inadequação, ardil humano e isolamento
Em Raça das Trevas, Barker nos leva a um lugar mágico chamado Midian (escavado nos arcabouços de um cemitério) e nos apresenta a seus estranhos e monstruosos habitantes. O que descobrimos com o avançar do livro (ou da HQ ou do filme, fica à sua escolha) é que os verdadeiros monstros, os que possuem o germe da maldade, não são aquelas criaturas, mas nós mesmos. Classificados como “humanos”, Barker nos relembra nossa maneira prática de lidar com o desconhecido: exterminá-lo.
3 – Luxúria, pregos e suspensão corporal
Em um primeiro olhar, Hellraiser pode se parecer apenas com um filme de terror, mas basta algum esforço interpretativo para chegarmos à realidade: Hellraiser lida com sexo, e com tudo o que fazemos para conseguir o sexo que desejamos. O mundo de 2020 pode ser bem diferente do que era na década de 1980, mas o que não mudou foi nosso apetite voraz pelo outro. Principalmente na adaptação audiovisual de Hellraiser, Frank representa esse apetite, que posteriormente é tomado por Julia, e se estende a uma rede interminável de personagens sexualmente insaciáveis. Barker respondeu algumas vezes que, para compor essa obra, se inspirou na cultura punk, no catolicismo e em visitas a clubes de sadomasoquismo em Amsterdã. O que sabemos é que Hellraiser é uma ótima chance de deixarmos nossa hipocrisia de lado e tratarmos dos temas que nos fazem passar noites em claro com alguma veracidade.
4 – O abandono aos Deuses
Outra história que nos pega pelo estômago, O Último Trem parece apenas flertar com o canibalismo, até que descobrimos quem são os verdadeiros consumidores das carnes frescas do último vagão do metrô.
Pelas mãos e lentes de um fotógrafo obstinado, percebemos que uma antiga raça, antigos deuses, acabaram de refugiando no subsolo da cidade, protegidos por uma sociedade secreta que se estruturou a fim de preservá-los. Com seu último trem, Clive nos leva às consequências de tratarmos nossas divindades como monstros (e vice-versa).
5 – A magia real, o poder e as famílias assassinas
Se você já leu ou assistiu O Mestre das Ilusões, deve ter percebido duas coisas: o poder não é privilégio dos santos, e a história mostra uma semelhança plena com as famílias psicopatas e religiosas que, com alguma regularidade, matam seus “entes queridos”.
Na trama original, o detetive Harry D’ Amour é contratado pelo renomado ilusionista Swann para proteger sua família. Swann é um antigo membro da seita de Nix, o homem santo-nada-santo que continua enterrado dentro de um capacete de metal.
O que somos capazes de ler nas entrelinhas de O Mestre das Ilusões é que o poder não escolhe bondade ou maldade, mas dedicação. Algo que os anos modernos vêm nos provando há um bom tempo. Não sei vocês, mas sempre que penso em Nix, vejo a imagem de Charles Manson com uma pitada de João de Deus. Vejo homens que se dedicaram ardentemente a praticar o mal com a desculpa de atingir um bem-maior coletivo.
6 – Candyman: O protagonismo negro e lendas urbanas ganhando vida
“The Forbidden” é um ótimo conto, mas acima de tudo é um conto corajoso. Não vemos nele um autor se poupando ou nos poupando, cortando linhas perigosas ou se calando em seu livro. O que vemos é um reflexo do que Barker via, da arte grafitada que ele encontrou nas periferias que esteve — cuja realidade era bastante diferente da sua enquanto pessoa branca.. Candyman, filme baseado no conto, é igualmente afiado, e nos mostra que as injustiças motivadas pela cor da pele podem retornar como um banho de sangue. O protagonismo na telona é dado a Tony Todd, um verdadeiro gênio do cinema de horror. Assistir Candyman ou ler “The Forbidden” é encontrar esse estranho senso de justiça: sangue lavando sangue.
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7 – Livros de Sangue
A primeira coisa que se pode aprender com Livros de Sangue (em todos os seis livros) é como contar uma boa história. Se vez ou outra Clive soca nosso estômago, ele sabe exatamente onde bater, e isso não é um mérito de muitos autores.
A escrita de Barker é saborosa, provocante, muitas vezes é poética, mesmo (e principalmente) quando ele nos apresenta vivissecções, torturas e desmembramentos. Barker nos provoca e nos chantageia com suas histórias de moralidade ambíguas. Não nos poupa, não entrega o politicamente correto, o que Barker faz é transgredir e nos levar com ele, observando e arrastando para fora o que existe de mais obscuro e secreto em nossos corações. Em Livros de Sangue, Barker traz à tona pensamentos noturnos que nos levam a refletir sobre nossa falsidade, nossa falsa moralidade e em como somos falhos na composição de nosso próprio ser.
Outro ponto maravilhoso em Livros de Sangue é que ele se impregna em você, se adere, como sangue. Os pensamentos profanos de Barker se coagulam em nossas mentes, se fundem em nosso DNA, nos fazem enxergar o mundo de forma diferente, quem sabe até mesmo mais realista no que se refere aos nossos defeitos.
Barker, em qualquer uma de suas obras, nos mostra a importância de sermos verdadeiros com a época em que frequentamos o mundo — sem nos deixar esquecer que, voltar para essa terra depois de morto pode trazer excelentes complicações. Barker ainda tem uma lista enorme de obras, mas esperamos que esse aperitivo abra seu apetite para o que vem por aí. Começando por Livros de Sangue, lançamento já anunciado pela DarkSide Books.
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Curtiu a lista sobre as características dos trabalhos de Clive Barker? Livros de Sangue será lançado pela DarkSide Books em parceria com a Macabra Filmes e a pré-venda será anunciada em breve na Loja Oficial DarkSide. Compartilhe com seus amigos e comente no Twitter e Instagram da Macabra.