Happy Face, filme escrito e dirigido pelo canadense Alexandre Franchi, conta a história de um jovem que usa uma máscara para se infiltrar num grupo de apoio para pessoas facialmente diferentes e se sente confortável entre aqueles que desviam da “normalidade” estética.
Em entrevista para a Macabra, Franchi revela que a ideia para o filme nasceu de sua relação com a mãe, paciente que lutou contra o câncer. O filme, parte autobiográfico, parte ficção, se vende também com o elenco diverso e sem nenhum tipo de maquiagem e filtro.
Happy Face será exibido no Phenomena Festival nos dias 30 de novembro (às 19h no SPCine Olido) e 08 de dezembro (às 18h em Paraty).
ENTREVISTA COM ALEXANDRE FRANCHI
- Olá Alexandre, primeiramente desejamos boas-vindas ao nosso país e à nossa Fazenda Macabra. O horror corporal tem nos brindado com produções incríveis e nós o saudamos por revitalizar essa vertente clássica do horror. De onde veio a inspiração para Happy Face?
Obrigado! Eu acho muito legal que o Phenomena Festival esteja exibindo Happy Face.
A inspiração para o filme veio da minha própria infância quando eu vi minha mãe adoecer com câncer, fazer tratamentos de quimioterapia e radioterapia, e eventualmente morrer com a doença. Ela era uma mulher muito atraente, sempre usando maquiagens perfeitas e trabalhando na indústria de cosméticos – então ela via seu valor através da aparência, da sua beleza. Quando os tratamentos e as cirurgias tiraram isso dela – o cabelo caindo, as cicatrizes, etc… Isso acabou com a autoimagem dela. E, para mim, era como sentir repulsa pela pessoa que eu mais amava e via como a pessoa mais linda do mundo.
Como um adolescente, eu sentia que eu queria fugir dela, mas eu estava preso a ela (por mais que eu a amasse demais). Essa vontade de fugir me trouxe muita culpa e é essa culpa que foi a fonte para o filme. No final da sua doença, quando eu andava pela rua com a minha mãe, eu via como as pessoas olhavam para o outro lado e falavam dela pelas costas – eu os odiava por isso, do mesmo jeito que eu me odiava. Mais tarde, quando eu comecei a escrever o filme, eu tive a ideia de querer mostrar pessoas desfiguradas na telona para forçar a audiência a ver esses rostos. Era um jeito irritado de dizer: “vão se ferrar, eu tive que lidar com isso, então você vai ter que lidar também”.
Então, você vê, o filme vem de um lugar bom. O filme é, em sua essência, o amadurecimento para um adolescente. Também representa eu finalmente lidando, anos depois, com o que aconteceu com a minha mãe. Mas, no processo de fazer o filme e misturar a minha vida com a dos personagens, virou algo maior – a medida que eu ouvia a reação da audiência ao filme, eu percebia que o filme virou uma vacina para ser menos superficial,
- Desde tempos imemoriais, a humanidade persegue e procura manter o padrão de beleza postulado pela maioria (e nós, brasileiros, temos nossa dose bastante alta desse veneno). Você acredita que uma alma humana altruísta possa superar essa visão tirânica da sociedade?
Haha! Existe muitas poucas almas humanas altruístas para realmente fazer uma diferença no mundo. E sim, parece que no Brasil a Tirania da Beleza tem um poder grande sob a mente das pessoas. Eu acho que o único jeito de se livrar disso não é com boas intenções ou ideais, nem julgando pessoas superficiais e dizer que elas estão erradas – nada bom vai sair disso.
Eu acredito que a solução está no humor, humor mórbido, interagir com pessoas que tenham a aparência diferente e não ter medo de falar de assuntos que são tabu. Fingir ser mente aberta e muito legal, como o politicamente correto costuma sugerir, não é a resposta, na minha humilde opinião. A resposta é algo louco, bobo e engraçado como Happy Face.
- Nos filmes de horror, frequentemente somos colocados em xeque quanto a nossos valores e comportamentos sociais. Até que ponto a crítica social presente em uma produção cinematográfica pode influenciar a sociedade e funcionar como um agente de mudança? Você acredita nessa hipótese?
Na verdade, não. Quero dizer, claro, filmes de terror costumam estar na frente em ideias novas e progressistas de mudança social. No passado, isso era bem verdade. Mas agora, em 2019, nós somos tão bombardeados com imagens, filmes e causas de mudanças sociais que nos afogamos nelas. Hoje em dia, um filme comercial mostra a imagem de uma floresta e é como se eles fossem a favor do meio ambiente. Ou eles mostram uma personagem feminina interessante superando desafios e já dizem que é feminista. Isso é bobagem.
Eu estou obviamente sendo sarcástico, mas eu acredito que os filmes hoje precisam ser algo a mais – precisa quebrar mais tabus e afetar muito a audiência. Não a mensagem ou a história, mas a experiência em si de assistir um filme deve causar uma reação física. Agora, eu não sei como fazer isso. Quero dizer, eu tentei com Happy Face. Eu queria que as pessoas saíssem mudadas do filme. Mas não pela mensagem do filme – eu queria que o filme desse um efeito que ficasse com a pessoa. Eu também me lembro de A Montanha Sagrada, de Jodorowski dizendo em uma entrevista que ele queria que o filme fosse uma viagem de ácido na cabeça das pessoas. Eu acho que filmes tinham que misturar documentário, ficção e horror para criar uma narrativa de maior impacto. Se alguém faz um filme e aí o público quebra as poltronas e começa um motim quando sai do cinema, AÍ sim esse filme é um agente da mudança!
Fazer filmes é um grande luxo. Eu não quero me iludir que fazer filmes vai realmente mudar alguma coisa. Quando eu quero fazer isso, eu faço trabalho voluntário.
Então, na verdade, eu sou pessimista quanto a essa pergunta. Para mim, meus filmes precisam ser agentes da mudança para mim, minha equipe e meus atores. Se eu consigo alcançar isso, então está ótimo. No caso de Happy Face, parece que ele mudou a cabeça de algumas pessoas. Isso foi uma surpresa muito prazeirosa para mim porque, como eu disse antes, eu fiz o filme para lidar com a minha culpa.
- O Phenomena Festival tem como foco criar oportunidades de exibição e apreciação de filmes do mundo todo que flertam com o horror, o inusitado e o bizarro, premiando sua qualidade e originalidade e promovendo e incentivando a produção de filmes de gênero no Brasil. Quais suas expectativas para o festival?
Infelizmente eu não estou aí pessoalmente, mas eu conto com vocês para me contar a reação da audiência no Brasil. Eu estou muito curioso!
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Esta entrevista foi produzida pela Macabra em parceria com o Phenomena Festival. O evento acontece nas cidades de São Paulo e Paraty, entre 28 de novembro e 13 de dezembro, com doze dias de exibições, painéis e workshops. Confira a programação completa aqui e acesse o site do festival para saber mais.