Nenhum trabalho de Ramon Porto Mota que você assista poderá ser considerado raso. Ramon mergulha fundo nos mundos que cria e produz, e parte dessa culpa pode ser sua formação acadêmica em história (2010), ou ainda sua admiração por gênios macabros como George Romero, Dario Argento e John Carpenter. Fã inveterado de cinema, e Cineclubista entre anos de 2007 e 2009, Ramon atualmente é um dos idealizadores da produtora Vermelho Profundo — sediada em Campina Grande, Paraíba —, idealizada por Ramon Porto Mota, Ian Abé, Jhésus Tribuzi e Fabiano Raposo.
Alternando-se como roteirista, produtor e diretor de cinema, possui obras no currículo como O Hóspede, Mais Denso que Sangue, Os Mortos, O Desejo do Morto, O Nó do Diabo, O Matador de Ratos, Cova Aberta e A Noite Amarela.
Conhecendo o apetite macabro de todos vocês, convidamos Ramon para um novo mergulho em suas profundezas sangrentas e para falar de seu mais novo projeto que já nasceu causando estardalhaço lá fora: A Noite Amarela.
Um bate-papo com Ramon Porto
- O nome da produtora, Vermelho Profundo, tem um apelo direto ao sangue, ao gore e à energia da vida e da morte. Existe essa relação também nas escolhas dos trabalhos a serem produzidos, uma predileção ao horror?
Vermelho Profundo vem da tradução literal de Profondo Rosso, filme do Dario Argento. Certamente a gente tem a mesma intenção/vontade de colocar em nossos filmes a mesma liberdade e energia que o Argento tinha em seus. Mas não somos uma produtora que só faz horror (e nesse caso horror que explora o gore e violência), temos vários projetos que vão do faroeste a ficção científica, de vários tons e abordagens. No fim, trabalhamos com gênero exclusivamente, mas todos eles e de todas as formas.
- Pelo que acompanhamos no mercado de ficção no Brasil, um dos pontos críticos no desenvolvimento de um projeto audiovisual ainda parece ser a captação de fundos para a produção. Como vocês ultrapassaram essa barreira e conseguiram sustentar um calendário de produção viável fora do eixo Rio-São Paulo?
Sinto que isso mudou mundo com a criação do FSA, o dinheiro passou a ser descentralizado e outras regiões do Brasil passaram a ter acesso a financiamento. Esse boom de longas metragens paraibanos é fruto disso. Claro que ainda há uma diferença enorme e Rio/São Paulo continua dominando o financiamento, por mais que não dominem mais o cinema (essa conta aí não fecha), mas agora há espaço para outros lugares nesse quesito, basta ver nossa produção.
- O horror no Brasil parece enfrentar um paradigma digno de um roteiro premiado. Se por um lado temos uma produção maciça de textos e um consumo igualmente apetitoso dos filmes estrangeiros, as produções audiovisuais brasileiras encontram bastante dificuldade em cair no gosto popular, ou mesmo no gosto dos cinemas, que ainda parecem resistentes em exibir ficções de gênero da terrinha. O que é preciso para quebrar de vez esse paradigma e ajudar a solidificar a produção nacional, torná-la igualmente palatável ao espectador daqui?
Bom, acho que esse paradigma existe para qualquer filme que não seja comédia no Brasil. Não acho que seja exclusividade do cinema de horror ou de qualquer outro gênero/forma de filme. Dito isso, acho que a distribuição é o ponto, a maioria dos filmes brasileiros passa batido por nossa população, nem sabem que existem, quanto mais ter a noção se é bom ou não. Justo porque o foco das salas e dos espectadores continua sendo o cinema americano, que domina o mercado completamente não só pelo interesse que cria em volta de seus filmes, mas também pela força econômica.
Claro que acho que não é só questão de distribuição, talvez os filmes de horror ou outros gêneros não tenham achado ainda esse alvo, que se conecte com o público facilmente, mas não sei é um problema complexo e cheio de nuances, não tem resposta ou saída fácil. No caso, do cinema de horror, acho que tornar-se palatável é a última coisa que tem que acontecer. O cinema de horror surfa no contrário.
- Existe algum dos projetos na Vermelho Profundo que seja seu preferido, ou do público de uma maneira geral? Qual deles gerou uma maior repercussão junto ao público? Ou nos festivais?
Olha nunca pensei sobre isso e acho isso de público, aqui no Brasil, muito difícil de calcular e entender. Mas acho que o mais circulou e mais cai na graça das pessoas é O Hóspede, o primeiro filme que a gente fez. Mas é só um palpite.
- No memorável O Nó do Diabo, nota-se uma crítica social viva e pungente ao passado escravagista do Brasil, e até mesmo à nossa modernidade, que por vezes simula uma inclusão social que de fato não existe. Essa crítica é uma ação consciente, à exemplo do grande expoente dos zumbis, George Romero, e do homem que enxerga através das lentes da mentira, John Carpenter? Você julga importante que a ficção de gênero aborde conteúdos sociais de difícil digestão?
É totalmente consciente. Sempre foi nosso desejo, trabalhar em O Nó do Diabo com esse horror político e que vai na jugular da nossa sociedade, a exemplo do Carpenter e do Romero, que amamos. Mas não acho que seja determinante que o cinema de gênero aborde conteúdos sociais, acho que cada filme é um filme e que tem que falar do que se quer. A Noite Amarela, que estamos lançando agora, não trata de política ou questões sociais em nenhum momento, é um filme totalmente diferente de O Nó do Diabo.
- A Noite Amarela, sua mais nova produção, já chegou causando estardalhaço aos fãs do gênero horror, estreando logo de cara no aclamado Festival Internacional de Filmes de Rotterdam. Pode nos falar um pouco mais sobre o filme? Existe alguma previsão para exibição no Brasil?
Eu olho para A Noite Amarela como um tour de force sobre o final de uma era. É um filme sobre temer o futuro e o vazio que está a nossa frente; sobre, afinal de contas, a morte da pessoa que somos. Conta a história desse grupo de adolescentes e o que aconteceu com eles quando viajaram para uma casa de praia para comemorar o final do ensino médio. É uma história sobre seus medos e desejos; atos, gestos e aflições.
É um filme de terror em sua essência — o horror do futuro e do desconhecido — mas também um teen movie, cheio de comédia, drama e confusão. É também uma visão crítica e emocional dos adolescentes de classe média da atualidade no nordeste do Brasil. Um filme cheio de escuridão, tão estranho quanto seus personagens. Um coming of age através do horror.
- E vem cá, de onde nasce sua inspiração? Pode nos contar um pouco do seu processo de criação?
Meu processo de criação é uma bagunça e nasce deus sabe a onde. Não tenho controle sobre isso e nem me preocupo. Pra mim o essencial é ver e ler muita coisa, depois disso as coisas se abrem.
Veja o trailer de O Nó do Diabo:
Update em 11 de junho: