Entrevista Macabra: Ruggero Deodato fala de seu novo projeto, o game Cannibal

Batemos um papo com Ruggero Deodato sobre seu novo projeto, o jogo Cannibal, sobre sua relação com suas produções e seu amor pelo Brasil.

Absolutamente de súbito, um jogo de videogame no mesmo universo do filme mais controverso de todos os tempos, Holocausto Canibal, foi anunciado. Cannibal está previsto para chegar ainda este ano ao PS4, Xbox One, PC, Nintendo Switch e mobiles.

Entrevista Macabra com Ruggero Deodato

Muitíssimo mais importante e relevante que isso: haveria a participação, na direção e roteiro, de ninguém menos que Ruggero Deodato em pessoa, um dos grandes mestres do cinema italiano.

Macabra entrou em contato com a produtora Fantastica Studio e seu diretor criativo, Andrea Valesini, nos proporcionou essa incrível conexão com Sr. Deodato e também respondeu a algumas de nossas perguntas.

 

  • Antes de começarmos, gostaria de dizer muitíssimo obrigado por nos conceder esta entrevista. Digo isso como entusiasta de videogames, filmes de terror e do trabalho do grande cineasta Ruggero Deodato.

Deodato: Buen dia periodisti Brasiliani! Eu amo o Brasil e ainda tenho o gosto do país na boca. Estive recentemente aí para ver as Cataratas do Iguaçu. Uma vista inesquecível. Sou um grande amante de quedas d’água e tive apenas um último outono para ver, o mais bonito, e consegui fazê-lo.

  • Como surgiu essa parceria? Como surgiu a ideia de criar um jogo inspirado em Holocausto Canibal?

Valesini: A ideia de trabalhar em um projeto que combinaria dois mundos muito semelhantes, cinema e videogame, estava em nossas mentes há algum tempo. Bandersnatch, da série Black Mirror, conseguiu envolver os amantes do cinema e da série de TV em um processo lúdico interessante, mas faltava mecânica de jogo. Tentamos fazer o contrário: no lugar de levar os jogos para o mundo do cinema, levamos o cinema para o mundo dos videogames, criando um produto que poderia ser desfrutado através do hardware e dos canais de jogos normalmente usados, permitindo maior interação do usuário com a história do jogo.

No momento em que descobrimos que tínhamos a oportunidade de entrar em contato direto com Ruggero Deodato, não hesitamos nem um minuto em tentar envolvê-lo no projeto que até então considerávamos quase loucura, ou seja, construir uma continuação para a famosa Saga Canibal de Deodato. Organizamos imediatamente uma reunião onde apresentamos nossa ideia. Tínhamos quase certeza de que Ruggero reagiria com uma enorme gargalhada no momento em que ouviria nossa proposta de criar um novo capítulo da saga dos canibais. Em vez disso, adivinhe? Ele já havia escrito o roteiro do quarto capítulo da saga há 25 anos! E o mais importante, ele realmente estava disposto a se comprometer a um setor de trabalho totalmente novo para ele, mas que ele entendia fazer uso de ferramentas de trabalho muito semelhantes.

  • Por que um jogo e não um novo filme? Quais as diferenças entre escrever o roteiro de um filme e de um jogo? Onde o jogo se encaixará nessa quadrilogia de canibais?

Deodato: Agora, então, por que um jogo e não um roteiro para um filme? Nesse período, tem sido muito difícil fazer filmes porque os produtores de filmes desapareceram literalmente e os filmes populares também desapareceram. Agora, existem tantos canais privados onde você encontra todos os tipos de filmes o tempo todo: Netflix, Sky, Amazon. Hoje em dia é muito difícil fazer filmes. O último que filmei não está disponível na Itália no momento, eu o vendi apenas em alguns países europeus. Além disso, é um novo desafio escrever um roteiro para um videogame. Posso fechar o círculo de tudo o que fiz na minha vida, fiz de tudo e muito mais e apenas esse último desafio estava faltando. Será divertido fazê-lo, mesmo que eu nunca tenha sido fã de videogames. Os únicos jogos que eu costumava assistir eram jogos de futebol. A partir de agora, vou tentar aprender também sobre os outros.

Então, você está me perguntando qual lugar esse filme preencherá na minha biblioteca de filmes – acredito que este será o quarto filme da Saga. É o número quatro, nos trará sorte. O número quatro é uma espécie de encerramento. O número quatro tem um fim… Não é um número que eu amo, porque amo números ímpares, mas, neste caso, está muito bem. Isso tem um fim.

Entrevista Macabra com Ruggero Deodato

  • Como você vê filmes de terror hoje e há 40 anos? O que mudou mais radicalmente? Os “videos nasty” de hoje mexem com você? Será que ainda existem?

Deodato: Sempre afirmei que não sou um diretor de filmes de terror, sou realista. Eu venho da escola de cinema de Rossellini. É por isso que eu amo filmes realistas que lidam com notícias. Dito isso, os filmes de terror são definitivamente diferentes hoje em comparação aos de 40 anos atrás. Eles estão mais bem embalados, a qualidade melhorou. Mesmo que as histórias sejam de má qualidade. As histórias nos filmes dos meus dias eram muito melhores. De vez em quando eu ainda vou ver um filme de terror. Eu não abandonei esse tipo de filme. Eu gosto deles.

Ok, eu já te disse o que mudou, o que mudou é que o cinema hoje é muito mais vanguardista. Os jovens de hoje, muitas vezes trabalham bem. Recentemente, assisti a um filme de que gostei muito. Eu teria usado voluntariamente essa técnica no meu último filme. No entanto, minha técnica está muito bem, porque é mais narrativa. Os filmes gravados pela geração mais jovem são mais dramáticos e atraentes, mas as histórias são menos elaboradas.

O público aceitará um videogame feito por mim?

Desde que o anunciamos no mundo inteiro, as reações foram positivas. Todos os meus fãs estão superfelizes porque vou fazer um videogame. Com certeza eles vão jogar. Veremos como serão os canibais em um videogame. Estou curioso. Mesmo que eu acompanhe de perto o trabalho do videogame, será uma surpresa para mim.

Não faço ideia se existem videogames prejudiciais. Infelizmente, não estou familiarizado com eles. Vou tentar atualizar meus conhecimentos sobre eles. Eu acredito que um videogame atenda a um público jovem de usuários. Os produtores certamente estarão cientes do tipo de compradores em potencial. Eles são usuários jovens e precisam ser criados sem se interessar por coisas nocivas.

  • O filme é o mais controverso de todos os tempos, isso é indiscutível. Como isso será traduzido no jogo? Podemos esperar uma experiência traumática e com fortes críticas sociais?

Deodato: Você está me dizendo que este [Holocausto Canibal] é o filme mais controverso de todos os tempos? Eu tentei me divertir, trabalhar no roteiro tentando alcançar o máximo de extravagância, tentando expressar tudo o que aconteceu comigo e o que pode acontecer em um tipo de filme.

Você está me perguntando se haverá críticas?

Com certeza, sempre tive detratores e admiradores. Ambos são úteis. Tenho muitos detratores. Talvez haja um número maior de pessoas que me admiram e ao meu cinema. Então eu espero e vejo, estou curioso.

  • O horror sempre cumpriu seu papel de crítica social, um exercício de catarse do seu tempo. Holocausto Canibal foi importante para marcar ainda mais esse fundamento. Como o jogo se encaixará nesse contexto?

Deodato: Você está sempre usando essa palavra “horror”. Quando filmei Holocausto Canibal, não queria fazer um filme de terror, mas queria que fosse um filme realista. Hoje, o filme é aceito como um filme realista e se tornou um filme cult. Agora, as avaliações são melhores do que as que recebi há 40 anos. De qualquer forma, espero tudo e mais um pouco, espero e espero que tudo corra bem. Ainda não sei como o videogame se dará com o roteiro. Estes são os problemas dos videogames que me farão feliz. Por fim, poderei dizer “que surpresa”. Quando filmo, sei como deve ser editado e sei que o resultado é um filme de Deodato. Agora não sei, não sei se o resultado será um estilo Deodato de videogame ou um videogame com temas de Deodato. Isso é para os especialistas descobrirem ou explicarem. Eu esperaria algo novo para mim, um videogame Deodato totalmente diferente. Eu sempre gosto de esperar e tentar me surpreender.

  • Sr. Deodato, acompanho seu trabalho e sua vida nas redes sociais há anos, e você é uma pessoa absolutamente amável – dito isso, como é trabalhar nesse lado extremo do cinema e agora, em videogames?

Deodato: Você está me dizendo que eu sou uma pessoa extrovertida, e é verdade. Quando encontro meus fãs, não lhes dou apenas uma assinatura ou um autógrafo. Eu falo com eles. É um método usado por Rossellini. Rossellini costumava conversar. Poderíamos conversar por 3-5 horas e ele nunca falou sobre si mesmo. Ele estava interessado em mim. Eu costumava conversar com ele sobre todo tipo de coisas, sobre meu pai, minha irmã, como costumávamos viver. Ele capturou tudo e tentou descobrir minhas fraquezas e, ao longo da minha vida, minhas fraquezas se tornaram minhas forças. Rossellini me amava por minhas fraquezas e continuei minha carreira por causa de minhas fraquezas. Isso é algo muito importante que aprendi com Rossellini e me libertou de todos os complexos que eu poderia ter. Agradeço sempre a Roberto Rossellini por isso.

Você está me perguntando como é mudar de um extremo para o outro, de um filme para um videogame. Eu vou descobrir. Começamos a trabalhar no videogame e gradualmente vou descobrindo muitas coisas, e vou descobrir mais. Ainda temos cinco meses, então vou aprender tudo o que há para aprender. Sou um cara curioso. E eu acompanho o trabalho em todas as etapas de seu desenvolvimento. Estou esperando e esperando para ver.

Entrevista Macabra com Ruggero Deodato

  • Você sempre se interessou por videogames? Alguma coisa nesta mídia influenciou seu trabalho ou o influência agora, com Cannibal?

Deodato: Eu nunca me interessei por videogame porquê, para mim, eles são ficção científica e eu não amo ficção científica, amo o mundo real. É por isso que nunca acompanhei os videogames. Começarei a acompanhá-los a partir de amanhã.
Fiz outras coisas novas para mim: escrevi uma história para os alemães. Eles dizem isso no rádio. A história é muito poderosa. Isso também é algo novo para mim. Eu trabalho para o rádio. Eles contam minha história no rádio e produzem um DVD com a história.

  • Você acha que a atual realidade excepcional e pandêmica criará uma nova geração de cineastas ou desenvolvedores de jogos focados no terror?

Deodato: De um modo geral, tenho muitos seguidores. Jovens diretores de cinema acompanham bastante meu trabalho. Quando eles virem que estou criando um videogame, com certeza dirão: “Ah! Agora eu vou fazê-los também”. E eles tentarão fazê-lo. Alguns deles têm as habilidades necessárias para fazer. Mas precisamos de histórias que são maiores que a vida, que são úteis e divertidas e, ao mesmo tempo, que podem ensinar alguma coisa.

  • Muitíssimo obrigado por nos conceder essa entrevista! Gostaria de enviar uma mensagem para seus fãs no Brasil?

Deodato: Muito obrigado por esta entrevista. Gostaria de dizer olá a todo o meu público brasileiro. Estive 6 ou 7 vezes no Brasil. Sempre achei uma atmosfera muito calorosa, os brasileiros são muito parecidos com os italianos, então eu gosto de ir até o Brasil, muito mais do que viajar para países europeus, onde as pessoas são um pouco mais frias em relação aos italianos. E eu tenho uma irmã que mora no Rio, às vezes ela volta para Roma, mas fica bastante no Brasil. Eu amo o Brasil.

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Apesar de não saber interagir com jovens, dedica quantidades insalubres de seu tempo ao entretenimento eletrônico, tal qual Fantasma na Máquina, e sua faceta macabra, a preferida, se faz razão para continuar. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.