Fotografias post mortem: a última lembrança de um ente querido

"Proteja a sombra, antes que a substância desapareça." Saiba mais sobre o universo das fotografias post mortem da Era Vitoriana e como elas dialogam com práticas atuais.

Temos uma grande desconexão com o universo da morte. Os sentimentos de distanciamento, assombro, medo e, em muitos casos, nojo são constantemente associados ao que sentimos quando pensamos em um cadáver. Essa forma de pensar se tornou comum para nós, do Ocidente, na virada do século, quando os corpos falecidos passaram a ser escondidos da vista de todos, relegados a um caixão ou a um forno crematório.

Fotografia do teólogo norueguês Bernhard Pauss

Até então, apesar de haver certo receio de estar na presença de um morto, era muito mais comum que pessoas passassem tempo com esses corpos. O ato de velar um ente querido era mais sensível e menos estéril do que costumamos ver hoje. Na Era Vitoriana, uma das formas de manter a lembrança de alguém já se foi, era a partir de uma foto post mortem.

Embarque em uma viagem ao passado com a Macabra conheça um pouco mais sobre esse assunto que hoje pode causar tanto estranhamento.

Século de luzes e sombras

O século XIX ficou marcado, para nós, como uma junção de modernidade e superstição. Um número incontável de avanços tecnológicos estavam sendo utilizados, descobertos nos séculos XVIII e XVII, facilitando a vida de tantos; porém, foi quando os grandes romances de sensação e de terror surgiram, monstros como vampiros e assassinos perversos percorriam as ruas de Londres. Nos jornais, Dickens servia fantasmas à ceia de Natal, ao mesmo tempo em que colunas tratavam de grandes transportes a vapor fazendo viagens impressionantes.

Fotografia post mortem de dois desconhecidos e seu bebê

Essa dualidade permitiu que um fenômeno se formasse: um século de avanços, sim, mas com muitas pessoas aterradas a suas crenças. Não é de se admirar que, com um dos grandes trabalhos de tecnologia daquele século, o surgimento da fotografia, ela logo fosse usada para um fim muito interessante: fotografar entes queridos mortos.

A primeira fotografia data de 1826, quando Joseph Nicéphore Niépce, utilizando uma máquina e uma placa de estanho composta por um derivado do petróleo chamado Betume da Judeia. Niépce deu ao seu experimento o nome de heliografia, uma gravura feita com a ajuda da luz do sol — a fotografia de Niépce ficou exposta por oito horas até revelar sua imagem.

Fotografia post mortem de uma criança nos braços de sua mãe

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Para o avanço da fotografia, o nome de Louis Jacques Mandé Daguerre também é importante. Daguerre produzia efeitos visuais com uma câmara escura, algo chamado “Diorama”. Mais tarde, Daguerre e Niépce firmaram sociedade por alguns anos e, após a morte de Niépce, Daguerre criou o daguerreótipo — essa técnica sendo a mais utilizada, a partir de 1839, para as fotografias post mortem.

A fotografia post mortem

Pode parecer um pouco estranho dizer que a sociedade do século XIX — principalmente a inglesa — era obcecada pela morte, mas isso não é uma mentira. Além de tantas histórias de fantasmas e criaturas sobrenaturais — não podemos nos esquecer que o espiritismo surgiu nesse mesmo século —, as pessoas ficaram ainda mais próximas à morte após o falecimento do marido da rainha Vitória, o príncipe consorte Albert. Vitória viveu, desde 1861 até sua morte, de luto pela morte do marido. Isso levou o povo inglês a conviver diariamente com esse status.

O processo de tirar uma foto com o daguerreótipo exigia que todos na foto permanecessem parados. Em fotos post mortem, como essa, é comum que os vivos saíssem borrados por se mexerem, enquanto o falecido permanecia com a imagem limpa. @ All That’s Interesting

De toda forma, àquela altura, porém, as fotografias post mortem já eram uma febre. Os fotógrafos que faziam esse tipo de serviço tinham até mesmo um slogan: “Secure the shadow, ere the substance fades” [em tradução livre, “Proteja a sombra, antes que a substância desapareça”]. E, mesmo com tantos avanços científicos, ainda era comum que mortes “bobas” — por infecção, envenenamento acidental, envenenamento proposital, acidentes, e outros variados tipos — acontecessem. Então, sendo algo tão comum, os fotógrafos post mortem conseguiam ganhar o seu salário. 

Fotografia post mortem de dois irmãos

Essas fotografias eram geralmente tiradas na casa da família do falecido, podendo haver um cenário montado ou apenas uma cadeira onde apoiar o corpo morto. Longe de ser lúgubre, era apenas uma forma de guardar uma última memória de um ente que se foi. Muitas dessas famílias, por exemplo, só tinham contato com a fotografia quando se tratava de algum parente que faleceu. 

A arte fúnebre hoje

Tirar fotos com mortos hoje pode ser considerado uma tremenda falta de respeito, mas ainda há um grupo de pessoas que se esforça para manter lembranças de seus entes queridos em sua hora derradeira.

Em (mor.te) sf., Hayley Campbell nos apresenta a realidade de uma ala em um hospital na Inglaterra onde trabalham “parteiras do luto”, mulheres que cuidam de bebês que, por algum motivo, já nascem mortos. Entrevistando a responsável pela ala, Clare Beesley, ela descobre que muitas mães pedem às parteiras uma “caixa de memória” — caixas montadas com a parca vida das crianças recém-nascidas e falecidas: marcas dos pés e das mãos, fotos, registros que servem como uma rede de segurança para essas famílias que se prepararam tanto para receber uma nova vida e que, infelizmente, as perderam cedo demais.

(mor.te) sf.: Lembranças Vivas do que Fomos, de Hayley Campbell, faz parte da coleção Profissionais da Morte da DarkSide Books

No livro, no mesmo capítulo, Campbell nos conta a história da escritora norte-americana Ariel Levy, que sofreu um aborto espontâneo enquanto estava em um hotel na Mongólia. Em um artigo para o New Yorker, Levy conta que, naquele momento, no banheiro, precisou tirar uma foto de seu filho. Era a única que teria dele. Quando o socorro chegou, não deixaram que ela o visse novamente depois de ser levada ao hospital. 

A partir desses dois casos, Campbell traça um paralelo importante: “Os impulsos humanos são os mesmos através dos séculos; os vitorianos também precisavam dessas fotos, só levavam mais tempo para tirá-las”. O ato de ter essa memória física meio que comprova que seu luto é real: aquelas pessoas existiram. Sua dor, mesmo que só você a esteja sentindo dessa forma, é real. É a lembrança física que fica de sentimentos profundos que guardamos. 

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.