Hey Paul! Os 25 anos de Psicopata Americano

Lançado na virada do milênio, Psicopata Americano se tornou um marco entre os filmes de terror. Mary Harron, diretora, relembra a obra que completa 25 anos em 2025.

Um personagem vaidoso, orgulhoso, invejoso e assassino, Patrick Bateman abriu a machadadas seu caminho no rol de grandes personagens aterrorizantes. Interpretado brilhantemente por Christian Bale, sob a direção primorosa de Mary Harron, o protagonista de Psicopata Americano se tornou um ícone de nossa época — uma espécie de conto premonitório do que enfrentaríamos nas décadas seguintes, com a cultura incel e de machos alpha

O filme, como um todo, explora uma realidade que, apesar de ter mais de trinta anos — levando em consideração o tempo em que seu livro de origem foi publicado —, ainda se mostra atual e bastante assustadora: a de uma cultura consumista e violenta. Na história, Bateman (Christian Bale) é um jovem empregado bem-sucedido de Wall Street. Por trás de seus ternos caros e de sua rotina de exercícios e skincare, na verdade, habita um monstro assassino e perturbado.

No aniversário de 25 anos do filme de Harron, vamos relembrar o filme de Harron e celebrá-lo como deveria ser: uma paródia caricata e ficcional de um homem desvairado e aterrorizante.

A origem do Psicopata

Patrick Bateman surgiu em 1991, nas páginas do controverso livro Psicopata Americano de Bret Easton Ellis. Controverso, o filme recebeu críticas negativas em larga escala. Ellis afirma ter recebido ameaças de morte, cancelamentos de publicação e diversos protestos de grupos feministas foram feitos. 

Em um texto publicado em 2010 no The Guardian, Ellis relembra a época da publicação. O autor conta como começou a escrever o livro quando tinha 22 anos, e só foi terminá-lo em 1989, aos 26. Para ele, naquele momento, havia certa identificação com Bateman. Não o fato dos assassinatos, mas as críticas à sociedade e a forma como as coisas eram conduzidas. Ellis afirma que não se sentia inserido na cultura yuppie que explodiu nos anos 1980, e que sua crítica era não apenas a Wall Street, mas àquela forma de viver.

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O termo yuppie foi cunhado nos anos 1980 e é uma abreviação para “Young Urban Professional”, jovens que, mesmo acabando de entrar na vida adulta, já haviam se deparado com um bom sucesso profissional e enriqueciam com facilidade — muitos, claro, apoiados pelo dinheiro que seus pais já haviam feito. Consumismo acelerado, sempre buscando as coisas mais caras, um maior distanciamento entre as classes, os yuppies representaram uma parte dos anos 1980 que, de certa forma, se mostra muito atual hoje em dia.

Quando lançado, o livro deixou muita gente chocada. Não apenas pela crítica feroz que atacava a sociedade como um todo, mas principalmente pela violência com que a atacava. Ellis conta como foi esse processo: “Eu não esperava que Psicopata Americano se tornasse tão violento quanto acabou se tornando; porém, quanto mais tempo eu passava com Bateman, mais eu percebia os caminhos que ele tomava e isso fazia sentido para mim. As passagens violentas eram difíceis de escrever e eu me concentrei nelas no período de duas semanas antes de terminar a escrita geral, usando livros de criminologia para me ajudar com as descrições mais explícitas. Elas eram perturbadoras de escrever, mas é isso que acontece quando você firma uma parceria com uma pessoa cuja história você está contando em conjunto”.

Ellis não se arrepende de ter escrito o livro, mas afirma que não o teria escrito hoje. “Tive que reler essas passagens seis ou sete anos atrás, pela primeira vez desde que o livro foi publicado, enquanto trabalhava no esboço de Lunar Park. Eu estava perturbado com elas, foram bastante traumáticas de ler. E isso é uma coisa boa. Eu não escreveria Psicopata Americano agora. Eu estou em um momento diferente da minha vida. Não é mais o lugar onde estou.”

Uma adaptação genial

Apesar da controvérsia ao redor do livro, e de Patrick Bateman ter, por isso, se tornado um personagem razoavelmente conhecido, foi somente com a adaptação dos anos 2000 de dirigida por Mary Harron que ele efetivamente adentrou, com os dois pés na porta, a cultura pop.

Antes de Psicopata Americano, Mary Harron esteve envolvida na cena punk dos anos 1970 dos Estados Unidos. Uma das personagens cujo relato sobre a época está no livro Mate-me Por Favor, de Gillian McCain e Legs McNeil, Harron foi uma das pessoas que ajudaram a dar vida à revista Punk, criada por McNeil, John Holmstrom e Ged Dunn, e que ajudou a fomentar a cena naqueles idos. 

Harron já havia se sentado na cadeira de direção algumas vezes. Seu primeiro longa foi Um Tiro para Andy Warhol (1996), que foi aclamado em diversos festivais, ela também dirigiu um episódio da série Homicídio, que adapta o clássico da não ficção policial Divisão de Homicídios, de David Simon. Não é, porém, exagero dizer que sua carreira foi mais ampliada com a direção de Psicopata Americano.

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O blog da rede social Letterboxd trouxe uma entrevista com Mary Harron para o aniversário de 25 anos da obra, onde a diretora relembra como foi a realização desse trabalho. Como a autora Mia Lee Vecino comenta em sua introdução à obra, outros diretores e atores foram cotados para o papel, como David Cronenberg e Brad Pitt. Dois deles chegaram a ser contratados, Oliver Stone e Leonardo DiCaprio, mas depois da jornalista feminista Gloria Steinem implorar para que DiCaprio não aceitasse o papel, para não “corromper” sua legião de jovens fãs, a escalação voltou a estaca zero.

Vecino também nota uma coisa importante: hoje, 25 anos depois, Psicopata Americano está na posição de 23º filme mais popular na plataforma, que funciona como uma rede social para cinéfilos, onde seus usuários dão notas e comentam seus filmes favoritos (e não tão favoritos). Isso, em um filme que foi comandado por duas mulheres: Mary Harron, e a atriz e roteirista Guinevere Turner.

Apesar de hoje ser cultuado, o filme, assim como o livro, foi bastante criticado durante sua produção, e após ela também. Ao saber dessa popularidade na plataforma, Harron afirmou que isso é muito interessante, por ela recebeu muitos ataques quando o filme saiu. “E o livro recebeu muitos ataques de pessoas que nunca o leram. Não que não haja muita violência no livro, mas tem, para mim, uma crítica clara. Não apenas ao comportamento masculino; é uma crítica à sociedade, do mundo de exploração e consumo e inveja e inferiorização de pessoas… Então estou muito encantada que jovens mulheres começaram a gostar dele.”

Outro ponto comentado por Vecino e Harron, e este definitivamente preocupante, é sobre como homens, de diferentes idades, têm se apossado do discurso claramente crítico da obra de Ellis e de Harron, e transformado Bateman em um herói, deturpando a intenção original de ambos. “Não acho que Guinevere e eu algum dia esperamos que o filme fosse ser abraçado pelo pessoal de Wall Street, de forma alguma. Não foi nossa intenção. Então, nós falhamos? Eu não entendo o por quê [isso aconteceu], porque Christian estavam claramente zoando com eles… mas as pessoas leem a Bíblia e decidem que devem matar um monte de gente. Pessoas leem O Apanhador no Campo de Centeio e decidem atirar no presidente.”

“[O filme] é sobre uma sociedade predatória, e agora a sociedade é, na verdade, 25 anos depois, muito pior. Os ricos são muito mais ricos, os pobres são mais pobres. Eu nunca teria imaginado que haveria uma celebração de racismo e supremacia branca, que é o que basicamente nós temos na Casa Branca. Nunca teria imaginado que passaríamos por isso.” — Mary Harron

Para ela, Ellis, sendo um homem gay, foi capaz de observar os rituais desses “machos alpha”, e perceber algo de muito homoerótico de até mesmo feminino neles. “Eles são tão obcecados em seus visuais, e Brett viu isso e focou nisso e sublinhou isso. Foi algo que Valerie Solanas, de Um Tiro Para Andy Warhol, sempre disse: há uma inversão na cultura de machos alpha, que é mais parecida com a cultura das garotas adolescentes. É sobre insegurança, vaidade e competição, e a forma como eles fofocam. A forma como eles falam sobre os outros como se fossem adolescentes diante de seus armários na escola.”

Apesar dessas tentativas que o filme sofre de um grupo que tenta tomar para si uma narrativa que efetivamente caçoa deles, Psicopata Americano é uma obra ímpar na história do cinema do horror e thriller, mesclando em um equilíbrio delicado e perfeito a comédia, causada principalmente pelos exageros de Bale como Bateman, e os horrores que um bom filme de serial killer é capaz de proporcionar. Para Harron, a “comédia física” de Bale e suas divagações musicais dão o toque final para a crítica e a paródia do filme. 

As maiores inspirações para Harron ao adaptar a obra foram, além de Luis Buñuel e Stanley Kubrick, as comédias inglesas “e suas sátiras nada sentimentais”. Já Bale encontrou inspiração para seu Bateman em um lugar um tanto inusitado. Harron conta que Bale ligou para ela, informando que havia visto uma entrevista de Tom Cruise em um programa de TV, e que reparou que “havia algo naquela simpatia, com quase nada atrás dos olhos”. E essa, sim, é uma informação curiosa.

É triste perceber como, depois de 25 anos, esse filme ainda é tão atual — ou que, na verdade, estamos muito piores. Se antes Psicopata Americano era apenas uma sátira sobre um grupo de pessoas, hoje ele é quase um documentário sobre uma grande parte da sociedade, e isso deixa o filme ainda mais aterrorizante. Há boatos que um remake do filme dos anos 2000 esteja em desenvolvimento. Só podemos torcer que ele também não “preveja” um futuro ainda mais desagradável.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.