Lois Gibson, a artista forense recordista do Guinness

Com mais de 1300 casos criminais resolvidos com a ajuda de seus retratos falados, Lois Gibson se tornou uma das maiores artistas forenses do nosso tempo e entrou para o Guinness.

Parece coisa de filme policial: uma testemunha ou vítima descreve o suspeito, alguém que entende de fisionomia cria uma representação em desenho dele e, algum tempo depois, o criminoso é preso pela polícia. Ficção?

Lois Gibson com seu certificado de recordista do Guinness

Realidade. Muitos desconfiam dessa arte, mas ela é útil e já salvou muitas vidas. O retrato falado constantemente ajuda a prender criminosos ao redor do mundo. Entretanto, há uma pessoa que detém o título de recordista em criar retratos que ajudam a capturar suspeitos e até a identificar pessoas comuns. Seu nome é Lois Gibson, e ela está no Guinness como a maior artista forense com retratos identificados pela polícia.

A Macabra te conta um pouco mais sobre a arte dos retratos falados e sobre essa figura icônica da arte forense.

Origens

Francis Galton, famoso antropólogo, matemático, estatístico e meteorologista inglês, em uma foto tirada com uma das técnicas de Bertillon

O retrato falado, hoje conhecido como Representação Facial Humana, pode ser realizado tanto com desenhos feitos por artistas forenses, quanto por softwares tecnológicos que contam com a ajuda de bancos de dados. A técnica deve muito ao trabalho de Alphonse Bertillon, que, em meados do século XIX, criou o primeiro laboratório de identificação criminal que se baseava nas medidas do corpo humano. Um dos sistemas utilizados por ele, a antropometria judicial, ficou conhecido por “sistema de Bertillon”. 

Neste sistema, Bertillon mapeou e desenvolveu, a partir da matemática, uma série de fórmulas que poderiam auxiliar a identificar suspeitos e criminosos. No início da era da fotografia, as técnicas que Bertillon se propôs a desenvolver ajudaram muitas vítimas a encontrarem os culpados de crimes.

Fotografia de Bertillon produzida com seu próprio sistema de métricas

Mas, ainda assim, suas concepções e ideias estavam muito relacionadas com uma biologia que, naquele momento, se mostrava bastante racista. Não tão distante de Bertillon, outra área de estudo (uma pseudociência) se desenvolvia: a frenologia. Então, Bertillon auxiliou a criar uma área que se desenvolveu e se tornou notável, mas as raízes de seus estudos podem conter alguns problemas.

Arte forense

A arte forense se desenvolveu a partir desses sistemas e técnicas criadas ainda no século XIX e se atualizou e expandiu. Hoje, contamos com uma série de tipos de artes forenses, realizadas por vários departamentos, cujos objetivos são identificar elementos cruciais em cenas de crimes e características que se mostram importantes para a captura de suspeitos e culpados de crimes. 

Além do retrato falado, outras artes forenses são frequentemente utilizadas por departamentos de polícia e divisões criminais:

  • edições/modificações de imagens e progressão de idade, geralmente realizadas para envelhecer ou adicionar características faciais que possam ter acontecido com suspeitos ao longo do tempo;
  • a identificação de imagens, que guarda, em um banco de dados, características de suspeitos e criminosos que passaram pelo sistema judicial, e que podem ajudar a identificá-los após algum tempo, mesmo que eles tentem modificar sua aparência (o parente mais direto do sistema de Bertillon);
  • esboços de cenas de crime, feitos com medidas e dimensões de uma cena criminal;
  • evidências demonstrativas, que são qualquer evidência física que possa ser usada em um processo criminal;
  • desenhos pós-morte, feitos, geralmente, quando um corpo está muito decomposto, e um artista é chamado para ajudar a recriar os traços da pessoa e ajudar a identificá-la;
  • escultura forense, feitas em 3D, que também ajudam a adicionar características de suspeitos e vítimas;
  • e frequentes colaborações com outras áreas, que envolvem artistas e antropólogos, e trabalham em favor da identificação de envolvidos em crimes.

Lois Gibson: recordista do Guinness

Atualmente, Lois Gibson é conhecida por deter o recorde no Guinness, desde 2017, como a maior artista forense a ter os retratos falados identificados pela polícia. 

Trabalhando para o departamento de polícia de Houston desde 1989, em 2012 ela havia atingido a marca de 1.266 crimes solucionados com a ajuda de seus esforços como artista. Hoje, já aposentada, seus números aumentaram para acima dos 1.300 suspeitos identificados. 

Gibson realizou seu trabalho de artista forense cerca de 30 anos, até se aposentar em 2021. Foi a primeira pessoa a realizar um desenho para o programa norte-americano America’s Most Wanted, criado em 1988 para ajudar a achar criminosos foragidos. Quando seu desenho foi ao ar, o suspeito do crime mencionado logo foi identificado. 

No início da vida adulta, Gibson trabalhava como modelo. Aos 21 anos, entretanto, sua vida mudou quando foi vítima de um estupro. Na época, a artista não quis fazer uma denúncia formal às autoridades, por sentir vergonha e culpa da situação. Mas escolheu se vingar do acontecido se formando em artes e buscando uma carreira como artista forense.

Glenn McDuffie

Não apenas ajudou a capturar criminosos em diversas situações junto à polícia de Houston, como também auxiliou outras áreas. Foi ela quem auxiliou um descendente de Billy the Kid a reconhecer como verdadeira uma foto, uma herança de família do criminoso, da mesma forma que ajudou um descendente de Jesse James a fazer o mesmo. Ela também ajudou, em 2007, a provar que era Glenn McDuffie o sujeito na icônica foto de  Alfred Eisenstaedt do beijo da vitória.

Lápis e papel

Gibson foi uma das retratistas das antigas. Ao ser questionada em entrevista ao The Guardian sobre a utilização de IA no reconhecimento facial, Gibson contesta a “superinteligência” e a facilidade de utilizar essa ferramenta. Gibson conta que testou as ferramentas principais de IA e que tinha que refazer os desenhos, pois eles não chegaram perto da realidade: “Se você é um artista como eu e tenta fazer isso no computador, você pensa ‘por que estou fazendo isso, se eu posso simplesmente desenhar mais rápido e mais facilmente?’”.

É importante pensar, também, que é necessário um alto nível de precisão para que os retratos falados e os softwares (que são utilizados e especificados por mãos humanas) que auxiliam nas artes forenses funcionem. A IA utilizada em solucionar (e evitar) crimes nos últimos anos tem sido acompanhada por polêmicas.

Galeria de trabalhos de Gibson

Gibson cedeu alguns de seus trabalhos para serem mostrados no site da BBC que ajudam a compreender como funciona o exercício da função.

Retrato de envelhecimento feito por Gibson, ao meio, com base em uma fotografia de uma criança com dois anos, à esquerda. Isso levou ao reencontro de dois irmãos há muito distanciados pelo tempo.
A imagem mostra como Gibson envelheceu outro dos irmãos no caso citado acima.
Retrato falado de uma mulher que roubou uma criança de dez horas de um hospital. A mãe do bebê conseguiu reunir elementos para que Gibson fizesse um desenho e a imagem foi exposta em um canal de TV. Uma amiga da sequestradora a denunciou, e o bebê retornou aos braços da mãe sem ferimentos.
Gibson ouviu a descrição de uma mulher e a desenhou para mostrar como funciona seu trabalho.

A precisão está nos detalhes

As vítimas são uma importante importante nessa equação entre retrato falado e captura de criminosos. Muitas vezes, é com o auxílio do que as vítimas guardam em suas memórias que os artistas forenses conseguem chegar a um retrato (ou outras possibilidades de artes) confiável.

“O pior retrato falado do mundo”, que levou à identificação e prisão de um criminoso que assaltou uma loja na Pensilvânia.

Em 2018, um criminoso foi identificado a partir de um desenho caricato e amador feito pela própria vítima de assalto. Conhecido como um dos piores retratos falados do mundo, o desenho ajudou a despertar a memória de um dos investigadores de Lancaster, na Pensilvânia, que reconheceu o sujeito de outros casos.

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No Brasil, a arte forense também auxilia os investigadores. Em alguns sites policiais dos estados brasileiros, você consegue encontrar alguns retratos falados disponíveis de quem os investigadores estão buscando, como o da Polícia Civil de São Paulo. Outros, como o site da Polícia Civil de Goiás, auxiliam a população a entender como funciona um retrato falado naquela instituição.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.