Uma história repleta de intrigas políticas, ambição, traições e um toque traiçoeiro de bruxaria. Macbeth, de Shakespeare, mesmo depois de mais de 400 anos de seu lançamento, continua influenciando a arte e a cultura popular — literatura, música, cinema e artes plásticas bebem desta fonte para contar suas próprias histórias.
“Xenia” (ξενία) é um conceito grego sobre a hospitalidade, que prega que, quando você recebe um visitante em sua casa, você precisa fazer de tudo para atender suas necessidades. A hospitalidade era uma obrigação moral para se ter com forasteiros, e essa amizade era fechada com presentes e reciprocidade.
Ao longo dos anos, entretanto, esse conceito foi esquecido e muitos personagens históricos e da literatura clássica cometeram atos violentos contra seus hóspedes.
Macbeth, tragédia de William Shakespeare que, acredita-se, foi escrita entre 1603 e 1607, nos conta a história de um regicídio. Macbeth, lutando ao lado do rei Duncan pela defesa da Escócia, acaba se encontrando com três estranhas bruxas que predizem seu futuro: Macbeth será rei. Ao contar as boas novas a sua esposa, Lady Macbeth, o homem acende uma chama de ambição na futura rainha. Quando Duncan se hospeda entre os Macbeth, acaba sendo morto. Mas Macbeth e sua esposa não estão satisfeitos, e entre planos de assassinato e a descida íngreme em uma espiral de loucura que afeta ambos os comparsas, Macbeth vê seu fim pelas mãos do filho mais velho do antigo Rei.
Traição, sede de poder, mentiras e os macabros poderes das três irmãs bruxas são alguns dos elementos que podemos encontrar em Macbeth. Publicado e encenado pela primeira vez no século XVI, ainda hoje é uma das tragédias mais referenciadas e bem quistas do bardo inglês. A trama guarda detalhes e pede atenção quanto a seus personagens e aos seus assuntos tratados.
Macbeth
Macbeth inicia a peça como Barão de Glamis e súdito de sua majestade Duncan, Rei da Escócia. Mas ao se encontrar com as três bruxas, Macbeth descobre que existe a possibilidade — está escrito em seu destino — de que ele se torne rei. Macbeth percebe quais atalhos precisa tomar, mas não está certo de que quer realizar atos criminosos.
Para Lady Macbeth, seu esposo é “nascido do leite da bondade humana”. Dele, não falta ambição para a prosperidade, mas falta a maldade para tomar os atalhos necessários e realizar seus grandes feitos. Ao mesmo tempo em que Macbeth se sente curioso pelo que as três irmãs macabras contaram, sobre seus sucessos e sua proximidade em tornar-se rei, ele fica indeciso sobre qual decisão tomar.
No final, a ambição e a persuasão de Lady Macbeth falam mais alto que todos os argumentos levantados por ele para não cometer o crime — Duncan, afinal, não é um bom rei? Não é generoso com ele e sua esposa? Mas Macbeth também não poderia ter esse poder?
Macbeth enfim se torna Rei da Escócia, mas a que custo? Após cometer o primeiro assassinato, algo cresce em Macbeth e a loucura e o desdém por outras vidas o transforma em uma figura ambígua e marcante das tragédias shakespearianas.
Lady Macbeth
Lady Macbeth, esposa do protagonista, é uma figura emblemática do texto de Shakespeare. Ao assumir as rédeas da situação quando seu esposo conta-lhe o que as três bruxas disseram a ele, é a partir dela que a história se desenvolve. É ela quem traça o plano de crescimento de seu esposo. Longe de ser agente passiva de sua história e da história de seu marido, Lady Macbeth acredita que tomar o caminho mais rápido e curto para a realeza é o melhor, sem perceber que cai nas armadilhas das três bruxas.
Uma mulher disposta a sujar as mãos, Lady Macbeth se distancia de muitas das personagens criadas na antiguidade. Distante das mocinhas dos romances de cavalaria, e distante das bruxas malignas de contos de fadas, Lady Macbeth é ambiciosa e prenuncia um tipo de personagem que seria usada anos depois em romances góticos: a mulher madura, esposa ou viúva, que não tem medo de cometer os crimes que forem para ascender socialmente, egoísta e egocêntrica.
As Bruxas
Das criaturas das obras shakespearianas, as bruxas são as que mais se inseriram no imaginário cultural. Responsáveis, em parte, pelas tragédias cometidas por Macbeth e Lady Macbeth, são as bruxas que traçaram o destino de ambos ao contar a Macbeth o que lhe aguardava.
Mas, afinal, as bruxas pavimentaram o caminho para a derrocada de Macbeth ou somente contaram a ele o que aconteceria, sem poder interceder por ele?
Durante a peça descobrimos que as bruxas são adoradoras de Hécate, sua mestra. Na mitologia grega, Hécate é a deusa das encruzilhadas e das estradas, da bruxaria e da magia. De início, Hécate era uma deusa de única face, mas posteriormente passou a ser representada como uma deusa tripla.
O três é um número frequentemente relacionado à bruxaria e aos rituais, e foi utilizado por Shakespeare em Macbeth, como podemos ver através das três irmãs estranhas, ou a Deusa de três faces utilizada como representante da magia, ou ainda os três espíritos que aparecem para Macbeth quando este vai questionar as três bruxas sobre seu destino.
A história por trás da história
Shakespeare estava acostumado a tratar de temas históricos, ou utilizá-los como base, em suas obras. Assim como já havia feito antes de Macbeth, com Hamlet, e como faria depois com Antônio e Cleópatra, entre outros, era comum que o escritor pegasse alguns elementos emprestados de outros lugares.
Em Macbeth, acredita-se que Shakespeare tenha utilizado algumas histórias que encontrou no livro Holinshed’s Chronicles, um livro popular de história europeia no período. Para outros estudiosos, é possível que, na verdade, Shakespeare tenha usado o livro Rerum Scoticarum Historia para se inspirar. Nenhum desses livros citava as três irmãs, Banquo ou Lady Macbeth, apesar de citarem Macbeth em alguns trechos, lutando contra a inaptidão de um Rei Duncan. Lady Macbeth e Banquo são citados somente no livro Historia Gentis Scotorum, de 1527, de um historiador chamado Hector Boece, que tinha por intenção difamar o nome de Macbeth. A versão de Shakespeare, entretanto, é a única em que Macbeth assassina Duncan em sua própria casa.
Política e reinado
Além disso, algumas outras discussões permeiam a história. Os temas tratados na peça, como o reinado de Macbeth e sua tirania vão de encontro ao que o Rei Jaime VI acreditava e deixou documentado em The True Law of Free Monarchies, em que afirma que há o direito divino de se governar através da monarquia, e mesmo que um rei seja tirano, a rebeldia não deve ser aceita. Muitos estudiosos acreditam que Macbeth possa ser uma crítica à ascensão de Jaime como Rei da Inglaterra. Quando Jaime VI assumiu o reinado da Inglaterra, em 1603, uma névoa de incerteza corroía alguns ingleses. Afinal, Jaime era escocês, e havia dúvida sobre esse governo, apesar de, no geral, a transição entre reis ter sido pacífica.
Há ainda outra ligação de Rei Jaime à peça escrita por Shakespeare, envolvendo um intenso julgamento de bruxas. Quando Jaime VI viajou até a Dinamarca para se casar com Ana, irmã de Christian IV, rei do país, passou por uma terrível tempestade em sua viagem de volta. O almirante da frota dinamarquesa acusou a esposa de um alto funcionário de Copenhague de ter insuflado a tempestade contra Jaime, através de bruxaria. Algumas mulheres foram julgadas na Dinamarca, e quando soube, Jaime quis criar seu próprio tribunal.
Os julgamentos de North Berwick duraram cerca de dois anos, e o próprio Rei Jaime participou de algumas das torturas para conseguir confissões das “bruxas”. Mais de 70 pessoas foram condenadas, mais de 100 foram acusadas. Em 1597, Jaime escreveu o livro Daemonologie, um tratado sobre bruxaria que, estudiosos afirmam, foi utilizado por Shakespeare como base para Macbeth.
A política em alvoroço e as acusações de bruxaria da qual Rei Jaime participou ativamente contra, podem ter atuado em conjunto para dar forma e corpo a uma das tragédias mais queridas e complexas de Shakespeare.
A superstição da peça escocesa
Como se não bastassem todas as peculiaridades de Macbeth, a peça ainda guarda uma superstição antiga e intrigante: acredita-se que causa má sorte dizer o nome de Macbeth dentro de um teatro.
Atores e realizadores não recomendam dizer Macbeth dentro de um teatro, preferindo chamar de “Peça Escocesa” ou “Sr. e Sra. M”, ou “MacBee”. Ao longo dos séculos foi passado adiante que Shakespeare pudesse ter usado rituais de bruxaria reais ao escrever Macbeth, principalmente por seu uso do Daemonologie, o que pode ter enfurecido bruxas e as fizeram amaldiçoar a peça. Muitos afirmam que houveram acidentes e tragédias envolvendo atores e apresentações onde o nome foi mencionado — mas se isso aconteceu ou foram boatos espalhados para aumentar a superstição, é difícil saber.
Se você fizer parte de uma companhia de teatro e disser o nome amaldiçoado dentro do edifício, não se preocupe. Algumas pessoas afirmam que existem formas de cancelar a maldição, como deixar imediatamente o prédio, andar três vezes em volta do local, cuspir sobre o ombro esquerdo, dizer uma obscenidade e esperar ser convidado a voltar para o prédio. Ufa, melhor evitar dizer M****** em um teatro.
Macbeth além dos teatros
Macbeth continuou sendo ensaiado e apresentado ao longo dos séculos que se seguiram à sua criação, e permaneceu influente na literatura e no teatro. Com o advento do cinema, era esperado que muitas adaptações fossem feitas a partir do texto base de Shakespeare, mas algumas chamaram mais atenção que outras.
A primeira versão que se tem notícia foi feita ainda no cinema mudo, em 1908, com direção de J. Stuart Blackton. Em seguida, ainda na era do cinema mudo, um novo filme foi feito em 1916, com direção de John Emerson.
Orson Welles, gigante da primeira metade do século XX do cinema, também fez sua adaptação da obra de Shakespeare. O filme foi lançado em 1948, e, nas palavras do diretor, o filme era um “um violento esboço a carvão de uma grande peça”. Welles realizou algumas alterações na história e inseriu personagens. Seu filme recebeu críticas bastante negativas na época de seu lançamento.
Quase dez anos depois, outro grande diretor utilizou Macbeth como base para um de seus filmes. Akira Kurosawa, diretor responsável por clássicos como Os Sete Samurais e Rashomon, se baseou na peça de Shakespeare para criar Trono Manchado de Sangue, lançado em 1957. A história segue os mesmos rumos do texto original: um general, guiado pela ambição de sua esposa, tenta cumprir uma profecia e se tornar senhor de um castelo importante.
Em 1971 é lançado o Macbeth de Roman Polanski. Foi o primeiro filme do cineasta após o assassinato de sua esposa, Sharon Tate, pelas mãos da Família Manson. Acredita-se que o filme tenha sido uma forma de catarse para Polanski lidar com o luto. O filme, entretanto, foi um fracasso de bilheteria e recebeu muitas críticas negativas pela violência empregada pelo diretor.
Um dos últimos filmes adaptados de Macbeth lançados foi Macbeth, de 2015, dirigido por Justin Kurzel. O filme recebeu críticas positivas, principalmente pelo papel de Marion Cotillard como Lady Macbeth.
Em 2019 foi anunciado um filme dirigido por Joel Coen, intitulado A Tragédia de Macbeth. De acordo com as fontes, o filme terminou de ser gravado em julho de 2020, mas ainda não tem data de lançamento. Produzido pela A24, o filme conta com Denzel Washington como Macbeth e Frances McDormand como Lady Macbeth.
Ao longo do século XX e XXI, outros muitos filmes e séries utilizaram o texto de Shakespeare e os elementos de Macbeth como base para suas próprias narrativas. Além disso, a peça continua firme no teatro e na literatura, sendo lida e relida ao longo de todos esses anos.
Macbeth foi escrita em um período em que a bruxaria era um dos principais assuntos e receios da população. Em Grimório das Bruxas, Ronald Hutton explica como foi o processo para que a magia e a feitiçaria se tornassem um dos inimigos do estado durante os séculos XVI e XVII. O livro está em pré-venda na Loja Oficial da DarkSide Books nas versões Moon Edition e Witchcraft Edition.
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