A visão macabra de Mary Lambert em Cemitério Maldito

Lançado em 1989 e dirigido por Mary Lambert, Cemitério Maldito é a primeira adaptação de um dos livros mais assustadores de Stephen King.

Em 1983, um livro assustador tirou o sono dos leitores. Cemitério Maldito, do prolífico Stephen King, é uma das obras mais macabras da literatura. Poucos anos depois, virou filme com roteiro adaptado pelo próprio King e direção da talentosa e afiada Mary Lambert, que forneceu imagens poderosas que ficaram gravadas para sempre na memória de toda uma geração.

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Livro e filme contam a história dos Creed, uma família que se muda para uma cidadezinha pequena a fim de começar uma nova vida. Louis (interpretado por Dale Midkiff no filme de 1989) agora pode trabalhar como médico no hospital local e ter uma rotina mais leve com sua esposa, Rachel (Denise Crosby), e seus dois filhos, Ellie (Blaze Berdahl) e Gage (Miko Hughes). Eles esperam passar seus dias tranquilos, mas uma rodovia muito movimentada pode colocar tudo a perder.

Os assuntos tratados em Cemitério Maldito não são dos mais tranquilos: morte, perda, luto. Vê-los lidar com estes problemas rende pano para todo o filme. Talvez uma das formas encontradas para aumentar o nível de terror na obra esteja no fato de que as vítimas utilizadas para trazer essas questões à superfície sejam o gatinho da filha mais velha dos Creed, e o filho caçula. Em uma sequência de acontecimentos dignas de “se algo está ruim, pode piorar e muito”, a família Creed não tem um único período de paz. É tão irresistível mergulhar nestes tópicos, que eles já foram trabalhados de inúmeras formas no passado, como no famoso conto A Pata do Macaco, de W.W. Jacobs. A partir desses temas, o grande debate acaba sendo: se você pudesse trazer alguém de volta dos mortos, você o faria?

Entra Mary Lambert

Antes de Cemitério Maldito, Mary Lambert estava acostumada a dirigir curtas e clipes de cantores famosos, como “Like a Prayer”, “Material Girl”, “Like a Virgin”, e alguns outros de Madonna; “Without You”, do Mötley Crüe; “Nasty” e “Control” da Janet Jackson; “Turn to You” e “Wild at the Greek” do The Go-Go’s, entre outros. Seu filme anterior, de 1987, foi um romance chamado Marcas da Paixão.

Depois de Cemitério Maldito, Lambert dirigiu um episódio de Contos da Cripta, de 1989, chamado “Collection Completed”; Cemitério Maldito 2; Halloweentown 2: A Vingança de Kalabar; Lenda Urbana 3: A Vingança de Mary e O Sótão.

Uma sólida carreira foi se construindo — e isso começou com um pouco de sorte. George A. Romero (A Noite dos Mortos Vivos), parceiro de King em alguns projetos anteriores, era a primeira opção para dirigir Cemitério Maldito, mas ele teve alguns problemas quando as gravações iriam começar e acabou sendo retirado. Entra Mary Lambert.

Lambert fez um excelente trabalho. Ela foi até os Ramones e pediu a Dee Dee Ramone que fizesse a música da trilha sonora, já que os dois eram grandes amigos e King amava a banda punk. Dee Dee aceitou de cara e disse que sairia para comprar o livro, como afirmou o produtor Daniel Rey ao Tidal. Rey ainda disse que, cinco horas depois da conversa, Dee Dee ligou para ele e deixou a letra pronta em seu gravador do telefone.

Após o enorme sucesso do primeiro filme, a Paramount queria uma sequência. Lambert fez esforços e movimentou muito para que a continuação de Cemitério Maldito fosse com a história de Ellie Creed, já adulta, retornando para a cidadezinha no Maine com seu velho gato. Em entrevista, a diretora disse que o estúdio afirmou que um filme grande desses não seria sustentado com a história de uma mulher e que ela deveria trocar de abordagem. Apesar de todos os esforços da diretora, a ideia original foi deixada de lado. A sequência que acabou sendo gravada não agradou em nada os fãs.

King cruza a linha

O curioso é que, apesar do tremendo sucesso de Cemitério Maldito, o livro nem seria lançado, para começo de conversa. Stephen King sempre soube como assustar as pessoas, como usar da crueldade com alguns dos personagens mais carismáticos que teve, mas mesmo para ele, Cemitério Maldito parece ter cruzado alguma linha que não deveria.

Peter Straub, grande amigo do autor, e Tabitha King, também autora e esposa de King, achavam que o livro era demais e que não deveria ser lançado. Mas King, amarrado em um acordo com a editora Doubleday, a quem King devia um último livro, acabou lançando-o mesmo assim. Sorte a nossa, porque é um livro pra lá de assustador.

E há algo ainda mais macabro na história escrita por King que o incomodava mais do que os temas pesados em si. Muito do que aconteceu naquela história foi vivenciado pelo autor, como ele conta em entrevista para a Entertainment Week. King tem uma relação profunda com o Maine, cenário de várias de suas histórias, e em um período de sua vida em que seus filhos ainda eram pequenos, o autor viveu próximo de uma rodovia, na cidadezinha de Orrington, onde já trabalhava como escritor.

A casa realmente tinha um cemitério de animais em seu quintal, o que torna as coisas ainda mais sinistras. Owen King, hoje também escritor, correu por ela uma vez, então os medos expostos ali não são somente medos comuns, mas profundamente enraizados na própria vida de um King pai.

Não somente, o gatinho de estimação da filha de King, Naomi, também morreu e foi enterrado nesse cemitério de animais. Seu nome era Smucky, e era muito amado pela filha do autor. Os próprios sentimentos dela serviram de base para que o autor descrevesse o luto sentido por Ellie Creed.

Além dos sentimentos de Ellie Creed, o gatinho Church e Gage foram inspirados em acontecimentos reais — ouvimos um pouco disso da boca de Jud Crandall, o vizinho mais velho e sábio que conta a história do cemitério para o pai da família Creed. Um senhor que morava do outro lado da rua ficava de olho nas crianças, e um dia lhe avisou que algo havia acontecido a Smucky.

Como o próprio King afirma, Cemitério Maldito é uma história sobre aprender a lidar com o luto. A frase “às vezes, morto é melhor” é uma ótima forma de compreender que é preciso deixar que seus entes queridos, amigos, bichinhos de estimação, ou qualquer que seja sua perda, se vá. Aceitar a vontade do destino e saber que tê-los de volta é algo antinatural faz parte do que o livro, e as obras derivadas dele, tratam.

Cemitério Maldito em 2019

Após 30 anos do lançamento da primeira adaptação, Cemitério Maldito ganha um novo filme. Esse ano, dirigido por Kevin Kölsch e Dennis Widmyer, vamos conferir mais uma vez a história da família Creed nos cinemas. Uma mudança do filme anterior chama a atenção: ao invés da morte de Gage, de três anos, quem morre é a filha mais velha, Ellie. De acordo com Jason Clarke, ator que interpretará o pai, Louis, King não se incomodou com a troca de personagens.

A nova versão de Cemitério Maldito foi lançada nos Estados Unidos no dia 05 de abril de 2019 e chega ao Brasil pela Paramount no dia 09 de maio. Estamos loucos para conferir.

Trailer de Cemitério Maldito, 1989

Trailer de Cemitério Maldito, 2019

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.