Em uma viagem para enfrentar um de seus adversários na final do campeonato, um time de futebol de garotas acaba sofrendo um acidente de avião no meio de uma floresta congelada. Entre desespero e aflição, as garotas precisarão encontrar uma forma de sobreviver ao inverno, além de lidar com a convivência e as novas formas regras de sobrevivência.
Ao mesmo tempo, conhecemos as histórias de algumas dessas garotas vinte anos depois. As que retornaram para casa, voltaram completamente mudadas. Algo aconteceu naquela floresta que mudou para sempre seus sentimentos, seus corações e suas cabeças.
Criada por Ashley Lyle e Bart Nickerson, Yellowjackets se tornou uma sensação na internet, principalmente com a chegada de sua segunda temporada. Com personagens surpreendentes e carismáticos, um drama complexo e situações ora embaraçosas, ora dramáticas, com momentos que beiram o absurdo e utilizam um humor bastante mórbido, Yellowjackets conquistou seus fãs ao longo de suas duas temporadas — e nos deixou aguardando ansiosos pela terceira.
A Macabra listou algumas curiosidades que ajudam a tornar essa série tão especial.
Senhor das Moscas com Mulheres
Mesmo que você não tenha assistido ainda à série — se for esse o caso, corra para assistir! —, você já deve ter ouvido uma história parecida por aí: um grupo de adolescentes (ou crianças) cai em um local isolado e precisa fazer tudo para sobreviver. Enquanto convivem, novas regras vão sendo estabelecidas, novos grupos se formam, e até uma nova hierarquia se apresenta, meio que naturalmente. O livro O Senhor das Moscas, de William Golding, é um sucesso indiscutível. Brutal e assustador, mostra que nem todas as crianças são inocentes e o meio pode, sim, ser um fator determinante para a construção do caráter e personalidade.
Apesar de ter diversos elementos diferentes do clássico de Golding, a comparação não chega a ser injusta ou errônea. Na verdade, a série surgiu justamente do livro. Anos atrás, Ashley Lyle soube de uma proposta de remake de O Senhor das Moscas onde as sobreviventes eram mulheres. Mas, ao ler o artigo noticiando a intenção, Lyle se surpreendeu em como a ideia foi recebida com críticas negativas nos comentários, incluindo piadas sobre “o que elas iriam fazer? Colaborar com a morte?”. Isso deixou Lyle chocada e triste, como se fosse improvável que garotas pudessem sobreviver em um ambiente hostil, e imediatamente pensou, para uma das pessoas na sessão de comentários, “você nunca foi uma garota adolescente, sr”.

A partir dessa provocação, Lyle começou a esboçar e imaginar como seria uma série onde garotas passassem por uma situação semelhante ao do livro de Golding. Daí em diante, foi uma questão de planejar e adicionar uma dose a mais de terror e perturbação na receita.
Uma incidente real
No livro de Golding, o que faz os meninos estarem no avião era o período de guerra. Evacuando o grupo em direção a um lugar mais seguro, o avião que transportava os garotos acabou caindo em uma ilha. Yellowjackets não utiliza esse motivo. Na verdade, Lyle e Nickerson se inspiraram em um incidente real para colocar as garotas na situação em que se encontravam.
Em 1972, nos Andes chilenos, um avião com 45 pessoas sofreu um acidente. Entre os passageiros estavam os pilotos, um time de rugby e seus amigos e familiares. O episódio ficou conhecido através do filme de 1993, Vivos, que conta com Ethan Hawke no elenco. Cerca de um quarto dos passageiros faleceu imediatamente após a queda, e outros foram falecendo por causa de ferimentos e do frio extremo. Dos 45, 29 morreram. Mas 16 sobreviveram. Como, em condições tão terríveis, e sem comida disponível? Bom, um dos detalhes mais macabros da sobrevivência do grupo foi exatamente essa: eles se alimentaram da carne dos mortos que tinha sido mantida congelada pelo frio, até serem resgatados, depois de cerca de 70 dias após a queda do avião.
Yellowjackets guarda mais semelhanças com a tragédia dos Andes do que somente um time esportivo perdido na neve… Quem viu, viu.
Clássicos dos anos 1990
Yellowjackets se passa em dois tempos: em 1990, quando o acidente acontece e as garotas ficam presas na neve, e nos dias atuais. E é impossível falar sobre a série e não comentar as escolhas acertadas e excelentes feitas pelos responsáveis pela escolha desse elenco, Libby Goldstein e Junie Lowry-Johnson.
Alguns rostos são muito familiares para quem cresceu nos anos 1990 e começo dos anos 2000. Melanie Lynskey, que interpreta Shauna adulta, protagonizou, ao lado de Kate Winslet, o clássico cult de Peter Jackson Almas Gêmeas (1994), além de ter estado no elenco de Os Espíritos (1996), também de Jackson, Nunca Fui Santa (1999), Rose Red – A Casa Adormecida (2002), minissérie com roteiro original de Stephen King, e XX (2017), antologia de terror dirigida por mulheres. Juliette Lewis, nossa Natalie adulta, protagonizou Cabo do Medo (1991), de Martin Scorsese e adaptado do livro de John D. MacDonald, Assassinos por Natureza (1994), de Oliver Stone, e Um Drink no Inferno (1996), de Robert Rodriguez. Christina Ricci, a Misty adulta, foi nossa inesquecível Vandinha nos filmes dos anos 1990 de Família Addams, além de ter protagonizado Gasparzinho, o Fantasminha Camarada (1995). E a segunda temporada adicionou também ao elenco Elijah Wood, fã de terror de carteirinha, protagonista de O Senhor dos Anéis e que esteve em alguns clássicos dos anos 1990, como O Anjo Malvado (1993) e Prova Final (1998).
Já no elenco adolescente, algumas das estrelas vem se destacando (ou já se destacaram) no terror: Jasmin Savoy Brown, a jovem Taissa, que interpreta Mindy Meeks-Martin no quinto e sexto filmes da franquia Pânico; Sophie Thatcher, a jovem Natalie, que recentemente estreou na adaptação do conto de Stephen King, Boogeyman: Seu Medo é Real, e estará no filme de terror e ficção científica Companion; e Liv Hewson, que interpretou Abby Hammond em Santa Clarita Diet.
No fundo, esperamos e torcemos para que todas elas tenham uma longa e frutífera carreira no terror.
Uma direção competente
Não é difícil encontrarmos séries que sofram com a variedade de diretores, às vezes com episódios menos coerentes que outros, ou várias histórias paralelas que acabam se desencontrando, além de estilos que podem ser um pouco diferentes. Yellowjackets, entretanto, desde seu lançamento, é uma série competente e bastante coesa. Com uma variedade interessante de diretores — alguns já experientes na direção de séries, outros não tão experientes mas que fizeram um ótimo trabalho —, é visível, pela qualidade dos episódios, que há uma unidade por trás, um trabalho em conjunto que eleva a excelência da série.
Dois nomes, entretanto, saltam aos olhos dos fãs de terror. Eduardo Sánchez, diretor de A Bruxa de Blair (1999), e de segmentos nas antologias V/H/S/2 e Satanic Hispanics, dirigiu o último episódio da primeira temporada, “Sic Transit Gloria Mundi”.

E Karyn Kusama, um nome forte do terror, diretora de Garota Infernal (2009), O Convite (2015) e um dos segmentos da antologia XX (2017), além de servir de produtora executiva de 14 dos 19 episódios da série, dirigiu o primeiro episódio da primeira temporada, “Pilot”, e o último da segunda temporada, “Storytelling”. Em entrevista ao site The Ring, ao ser perguntada sobre essa semelhança entre Garota Infernal e Yellowjackets, sendo duas histórias sobre adolescentes famintas — para usar um eufemismo —, a cineasta respondeu: “Acho que o apelo para mim é na expressão da fome, e das formas que as mulheres passam fome e se fazem passar fome. Eu digo de forma literal e metafórica. Eu percebi o quanto a vida de garotas e mulheres são ditadas pela relação com seus corpos. E uma coisa sobre isso continuou borbulhando para mim, tanto em Garota Infernal quanto em Yellowjackets: o drama de ter que consertar as coisas com seu próprio eu físico”.
A trilha sonora
Se você prestou atenção enquanto assistia a série deve ter percebido que a trilha sonora é muito bem escolhida. Isso não se deve somente ao fato de que o casal Lyle e Nickerson são fãs de música, mas também que eles tiveram um controle e capacidade criativas muito além do que nós observamos na superfície da história.
Lyle e Nickerson contaram em entrevista à ScriptMag que, conforme escreviam os roteiros, eles utilizavam algumas playlists para ficarem no humor certo. Além disso, cada música estava adicionada ao roteiro no momento em que deveriam estar nas filmagens e no produto final. Ou seja: a trilha sonora estava completa mesmo antes das cenas serem gravadas. E cada uma delas está exatamente onde deveria estar.
E, se tratando de uma série dos anos 1990, a escolha das músicas era importante. Músicas que fizeram parte de muitas juventudes no período e são amadas até hoje, como “Zombie”, do The Cranberries; “Something in the Way”, do Nirvana; “Song 2”, do Blur; “What’s Up?” do 4 Non Blondes; e “Climbing in the Walls”, do Radiohead. Para completar, músicas de Tori Amos e Florence and the Machine também entraram na trilha sonora.
A música de abertura ajuda a completar o tom sombrio e perturbador da série, com a música “No Return”, interpretada por Craig Wedren (da banda Shudder To Think) e Anna Waronker (da banda That Dog), e foi composta por Theodore Shapiro. A cantora Alanis Morissette interpretou uma versão da música, que esteve presente nos episódios da segunda temporada.
Para os fãs que já estão com saudades, temos uma boa notícia: Ashley Lyle confirmou que haverá um episódio extra antes da estreia da terceira temporada. Não temos notícias de quando esse episódio irá ao ar, ou notícias sobre a terceira temporada, mas estamos animados com o que o futuro da série nos reserva.
No Brasil, Yellojackets pode ser assistida no streaming oficial da Paramount+ ou no canal da companhia no Prime Video. Gosta da série ou ficou com vontade de conferir? Comente com a Macabra no Twitter e Instagram.