Nada é trivial, e essa é uma das lições mais significativas de O Corvo. No filme, adaptado do quadrinho de mesmo nome criado por James O’Barr, acompanhamos Eric Draven, um músico assassinado junto de sua noiva por uma gangue na véspera de Halloween, na chamada Noite do Diabo. O homem retorna como o espírito vingativo do Corvo, para reparar a injustiça causada contra ele e a namorada.
Dirigido por Alex Proyas, com roteiro de David J. Schow e John Shirley e um envolvimento bastante próximo de O’Barr, O Corvo não teve um grande orçamento, e também não alcançou um grande número nas bilheterias, mas atingiu o status de clássico entre as fileiras de fãs, que crescem a cada ano. Seu visual inspirado fortemente no rock’n’roll, sua trilha sonora arrebatadora, a fotografia cheia de contrastes e a história de vingança com elementos sobrenaturais fizeram com que o filme atraísse cada vez mais a atenção do público.
Protagonizado por Brandon Lee, o filme também ficou marcado por sua trágica morte, que aconteceu durante a gravação de uma das cenas.
Lembrado com carinho ou revisitado anualmente, O Corvo se tornou uma das grandes obras nostálgicas dos anos 1990. Celebrando este sucesso, reunimos algumas curiosidades da produção para nossos leitores macabros.
James O’Barr
Criador da obra original, James O’Barr não reagiu muito bem aos primeiros contatos para a adaptação de seu trabalho de maior sucesso. O’Barr o escreveu diante do luto de ter perdido sua própria noiva, que tinha apenas 18 anos quando faleceu, atingida por um carro dirigido por um motorista bêbado, sendo este um projeto especialmente pessoal para ele.
Quando os executivos do estúdio foram até o autor, a ideia original era criar um musical a partir dos quadrinhos, protagonizado por Michael Jackson. O’Barr, na verdade, gargalhou diante da proposta. Somente quando essa possibilidade foi descartada e ele soube que Alex Proyas estava a bordo do projeto, é que ele ficou mais tranquilo.
De início, também, O’Barr não ficou especialmente feliz com a escolha de Brandon Lee para interpretar o protagonista Eric Draven. Para ele, a escolha estaria entre Johnny Depp, Christian Slater e River Phoenix. O’Barr havia visto Lee somente em Massacre no Bairro Japonês (1991, dir. Mark L. Lester), e tinha receio que transformassem o projeto em um filme de kung fu — claro que a ideia inicial do musical não deve ter ajudado a O’Barr pensar que seria um projeto fiel aos quadrinhos. Mas quando chegou ao estúdio, e viu Lee com a roupa e a maquiagem de Corvo, ficou bastante animado.
Ambos se tornaram bons amigos. Com o dinheiro recebido pelo filme, O’Barr comprou um carro para sua mãe, um sistema de som para si mesmo, e doou todo o restante. Para ele, parecia-lhe dinheiro com sangue, após a tragédia acontecida com Brandon Lee.
Maquiagem
Brandon Lee se sentiu muito incomodado a primeira vez que se viu com a maquiagem de Corvo. Ele e Proyas tiveram algumas conversas, e ficou decidido que Lee faria sua maquiagem no dia anterior das gravações, dormiria com ela, e aí sim estaria pronto para as filmagens, com uma maquiagem mais desleixada e não tão perfeita, da forma como eles imaginaram que o personagem seria. Afinal, se você está se vingando com o tempo marcado, dificilmente teria tempo de fazer um delineado perfeito.
Muito do quadrinho de O’Barr foi inspirado em grandes astros do rock’n’roll — tanto que o estúdio pensou que a contratação de um músico de verdade seria a melhor saída para Eric Draven. Imaginava-se, até, que as grandes inspirações para o visual do personagem seriam a banda Kiss e a pintura facial icônica de Alice Cooper. Mas, de acordo com O’Barr, não é bem assim. A maquiagem para o Corvo surgiu de uma marionete que ele viu certa vez em uma vitrine.
A trilha sonora
E, falando em influência do rock’n’roll, o filme contou com uma das melhores trilhas sonoras já reunidas para uma obra audiovisual, que dialoga perfeitamente com todo o conjunto de fotografia do longa.
A faixa “Burn”, do The Cure, se tornou intimamente ligada ao filme, e é impossível ouvi-la e não se lembrar da obra. Mas o longa também contou com outras grandes músicas, como “Big Empty”, do Stone Temple Pilots; “Color me Once”, de Violent Femmes; “Dead Souls”, do Nine Inch Nails; Darkness, do Rage Against the Machine; “Snakedriver” do The Jesus & Mary Chain; entre tantas outras. Uma trilha sonora e tanto!
Vidas interrompidas
O Corvo ficou marcado pelo trágico acidente que provocou a morte de Brandon Lee. O astro em ascensão era filho de Bruce Lee, lenda dos filmes de kung fu. O tiro foi disparado acidentalmente por Michael Massee, que interpretava o personagem Funboy. Uma checagem má conduzida na arma que seria utilizada em cena fez com que ela disparasse e acertasse Lee.
Este, na verdade, foi somente um dos vários acidentes que aconteceram no set ao longo do projeto: um carpinteiro praticamente atravessou sua mão com a chave de fenda; um dublê caiu do telhado; um dos membros da equipe que, demitido, andou dirigindo seu carro dentro de uma das oficinas do estúdio; houveram ferimentos causados por um guindaste que atingiu linhas de energia e até uma tempestade que destruiu grandes pedaços do set.
A ideia era que o filme fosse interrompido. A Paramount chegou a encerrá-lo, mas a empresa Entertainment Media Investment Corporation, criada somente com o propósito de comprar o projeto, acabou o trazendo de volta aos trilhos. Proyas, com o apoio de Eliza Hutton, noiva de Lee, achavam que o filme deveria ser terminado e lançado.
Com a decisão de dar sequência a produção, dublês de corpo, efeitos especiais, jogos de luzes e outros truques foram usados para a continuidade. Além disso, os roteiristas foram chamados para mudar alguns diálogos e cenas. A narração em voice over — feitas por eles próprios — foi uma das saídas encontradas para suprir as cenas que faltavam no projeto.
Apesar de ter ficado comprovado que foi um acidente e Massee não foi o culpado pela morte de Lee, o ator, desde então, aceitou poucos papéis na indústria. Retornou aos sets de filmagem somente depois de um ano, para um pequeno papel em Seven: Os Sete Crimes Capitais. Desde então, trabalhou principalmente em séries, com um de seus papéis de maior destaque sendo em 24 Horas.
Crows, ravens e a diferença entre ambos
As aves utilizadas no filme O Corvo não são exatamente corvos, no sentido em que as aves utilizadas para a gravação não foram crows. Acontece que em português tanto raven quanto crow são traduzidos como corvos, mas ambos têm características diferentes, apesar de extremamente parecidos, mesmo que os dois sejam do gênero Corvus.
Ravens, por exemplo, viajam em pares, enquanto crows viajam em grupos maiores. As penas em suas caudas também diferem, com o crow tendo um formato mais semelhante a uma hélice, e raven um formato triangular. Crows também são mais arredios em relação aos humanos, enquanto ravens possuem uma inteligência e sensibilidade maiores — podemos nos lembrar do poema de Edgar Allan Poe, que no original é The Raven, não The Crow.
Em seu título original, tanto o quadrinho de O’Barr quanto o filme são The Crow. Mas não foram essas as aves usadas durante as gravações. O treinador Larry Madrid, que auxiliou o projeto do longa, optou por ravens, exatamente por sua inteligência e a facilidade de contato humano, para as aves usadas ao longo do filme.
Sequências
Apesar de poucos saberem, O Corvo teve três sequências, dois remakes e uma série de TV. Mesmo que o primeiro filme tenha sido um sucesso e seja um clássico aclamado pelos fãs de terror, os filmes que deram continuidade ao legado não foram tão bem assim, caindo no esquecimento (e quase fazendo com que O’Barr abrisse mão dos direitos de sua obra).
O Corvo: A Cidade dos Anjos (1996) foi lançado apenas dois anos após o filme original. Dirigido por Tim Pope, com roteiro de David S. Goyer (sim, de Cavaleiro das Trevas, Sandman e outras histórias de sucesso) e protagonizado por Vincent Perez, o filme narra o espírito do corvo agora ressuscitando em Ashe Corven, um homem que busca vingança pela morte de seu filho. O filme conta também com Thomas Jane e Iggy Pop no elenco.
Já em O Corvo: Salvação (2000), dirigido por Bharat Nalluri com roteiro de Chip Johannessen, acompanhamos Alex Corvis (Eric Mabius), um homem que retorna do mundo dos mortos para investigar os verdadeiros assassinos e vingar a morte de sua namorada, da qual ele foi acusado e condenado à morte. Kirsten Dunst faz parte do elenco, como irmã da namorada de Alex. Originalmente, este projeto seria de Rob Zombie, que foi demitido por diferenças criativas, mas sua música “Living Dead Girl” permaneceu na trilha sonora.
O Corvo: Vingança Maldita (2005), dirigido e roteirizado por Lance Mungia a partir do livro de mesmo nome de Norman Partridge, conta a história de Jimmy Cuervo (Edward Furlong), um ex-presidiário que tenta começar uma nova vida ao lado de sua namorada. Mas a quadrilha de satanistas de Luc Crash (David Boreanaz) realiza um brutal assassinato ritualístico com o casal, para trazer o anticristo para a terra. Então, o espírito do corvo retorna com Jimmy para se vingar.
A série de TV The Crow: Stairway to Heaven (1998) teve 22 episódios e contou com Mark Dacascos interpretando Eric Draven, em uma adaptação que usa como base a história original de O’Barr. Entre seus remakes lançados até o momento estão Wings of the Crow (2000), uma produção sem muitas informações, mas que apresenta uma mulher buscando vingança; e Hatya: The Murder (2004), a versão indiana da história, que substitui o corvo por uma cobra.
Enfim, teremos um novo remake?
Há anos correm os boatos que uma nova adaptação do cultuado quadrinho de O’Barr estaria em desenvolvimento. Diversos nomes passaram pelo projeto, incluindo o possível protagonismo de Jason Momoa interpretando Draven. Mas parece que, finalmente, o filme será feito.
Inicialmente noticiado em primeiro de abril deste ano, o projeto agora está nas mãos de Rupert Sanders, diretor dos filmes Branca de Neve e o Caçador (2012) e A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (2017), e contará com Bill Skarsgård como Eric Draven. O roteiro atual é de Zach Baylin, responsável também pelo roteiro de King Richard: Criando Campeãs (2021). O único outro nome atrelado ao projeto divulgado até o momento foi o de FKA Twigs.
As gravações estavam agendadas para começar no verão do hemisfério norte (21 de junho a 22 de setembro). Até o momento não há muitas informações sobre o restante do elenco e sobre detalhes do roteiro, mas, de acordo com Screen Daily, diversas produtoras e distribuidoras de grande porte estão fechando acordos de distribuição ao redor do mundo.
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