Tiros ecoaram ao amanhecer na bela mansão de Savannah. Nenhum morador conseguiu esquecer o dia 2 de maio de 1981. Por quase uma década, esses tiros e suas consequências assombraram a bela cidade sulista. Assassinato ou legítima defesa? Essa era a pergunta que pairava por entre os carvalhos cobertos de musgo, as praças sombreadas e a água inerte do lago.
Um crime que alterou não somente a vida dos envolvidos, mas também a da sociedade ao redor e, anos mais tarde, alterou completamente a vivência da cidade de Savannah, quando o autor John Berendt escreveu um livro sobre o caso.
Em Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal, Berendt, utilizando nomes falsos e inserindo um personagem fictício como narrador, conta em detalhes o que aconteceu no assassinato de Danny Hansford por seu empregador, Jim Williams. Ficando marcado como um “romance de true crime”, o livro foi adaptado para o cinema por Clint Eastwood com um elenco de peso, com nomes como John Cusack, Jude Law e Kevin Spacey, além de contar com uma personagem real deste drama interpretando a si própria.
O caso acabou sendo encoberto por uma névoa de fofocas, explorando a vida íntima do círculo social que esteve envolvido com os dois homens. Mas afinal, o que aconteceu? A Macabra te leva a uma viagem para saber um pouco mais sobre essa história, e se preparar para este lançamento Crime Scene pra lá de especial.
O passado
Danny Hansford era um rapaz natural de Savannah, na Georgia, sendo um dos três filhos de Emily Bannister. Seu patrão era Jim Williams, um negociante de antiguidades e preservacionista histórico, natural de Gordon, mas que se estabeleceu em Savannah, trabalhando na preservação do Distrito Histórico da cidade por 35 anos.
Williams era dono da Mercer House, uma casa histórica construída em 1860 por John S. Norris para o General Hugh Mercer — bisavô do músico Johnny Mercer, escritor da música “Moon River”, interpretada por Audrey Hepburn no filme Bonequinha de Luxo.
Antes dos incidentes narrados em Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal, outra morte já havia acontecido no local: em 1969, enquanto a casa estava abandonada, um garoto chamado Tommy Downs entrou lá para caçar passarinhos. Inocente sobre o perigo que corria, o garoto subiu ao telhado da casa, de onde caiu e acabou empalhado em uma das pontas do portão de ferro.
O Caso
Na madrugada do dia 2 de maio de 1981, Hansford teve uma discussão com Williams, de quem havia sido parceiro sexual nos últimos dois anos. De acordo com a história contada posteriormente, Hansford empurrou um relógio inglês do século XVIII ao chão, entrando em seguida no escritório de Williams e apontando uma arma para ele. Ao disparar, entretanto, a arma emperrou, o que deu tempo para Williams retirar uma 9 mm da gaveta e disparar em Hansford.
Williams ligou para a polícia meia hora após a morte de Hansford, depois foi levado sob custódia e indiciado por homicídio.
O que torna o caso tão curioso é que Williams foi julgado quatro vezes, o que foi considerado um recorde para o estado da Georgia. Em seu primeiro julgamento, Williams foi condenado e sentenciado à prisão perpétua. Williams e seu advogado recorreram, e posteriormente se soube que, de acordo com o relatório policial do dia do crime e com alguns depoimentos, havia contradição.
O primeiro veredito foi anulado, e em seu segundo julgamento o resultado foi o mesmo: condenado e sentenciado à prisão perpétua. Novamente, o veredito foi anulado porque, de acordo com a corte, o xerife não deveria ter testemunhado como expert. Então, um terceiro julgamento foi marcado, e foi anulado novamente, porque os jurados não conseguiram chegar a um veredito. De acordo com os relatórios, a polícia não armazenou de forma correta as mãos de Hansford, fazendo com que provas possíveis — como pólvora — pudessem ter se perdido.
O quarto julgamento ocorreu oito anos depois da primeira condenação de Williams, e ele foi absolvido. Porém, oito meses depois de estar em liberdade novamente, Williams colapsou de repente e faleceu — o detalhe mais sombrio desse colapso é que Williams estava no mesmo quarto do assassinato de Hansford, anos antes.
O Legado
O caso todo chamou a atenção da mídia, mas ele entrou mesmo para a história graças ao trabalho divertido, entusiasmado e que apresentou ao público diversas outras camadas da sociedade de Savannah no período feito por Berendt.
Os acontecimentos do livro narram todo o período pós-crime, e os quatro julgamentos de Williams. Porém, o autor só conheceu de fato o seu objeto de escrita em 1982, depois do primeiro julgamento que condenou Williams, e foi somente em 1985 que Berendt se mudou para a cidade, a fim de coletar material o suficiente para escrever seu livro, que foi originalmente publicado em 1994 — quatro anos após a morte de Williams.
E apesar de todos os detalhes conhecidos da morte de Hansford e do envolvimento de Williams, é a descrição de Berendt e a forma como ele insere outros personagens tradicionais da cidade que fazem com que o livro tenha todo o seu charme.
Somente um personagem no livro é inventado completamente: o narrador — que, no decorrer da escrita, se mesclou com o próprio autor, a ponto dele virar uma personalidade na obra (e filme) que conduz o leitor pelos jardins de Savannah. Berendt afirmou que a história é “99% verdade e 1% de exagero”. Parte dos outros personagens tiveram seus nomes alterados. Uma das pessoas que foram mantidas foi Lady Chablis, uma performer de Savannah, conhecida em diversos círculos sociais. A própria Lady Chablis interpreta a si mesma no filme posterior.
O nome do livro, Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal, faz referência a uma certa hora utilizada em práticas do hoodoo, em que a noção de meia-noite, ou o prazo que se estende das 23h30 à meia-noite, é o período para se fazer boa mágica; da meia-noite à 00h30, seria o período para mágica ruim. Já “o jardim do bem e do mal”, faz menção ao cemitério de Beaufort, na Carolina do Sul, onde o marido de uma das personagens-chave está enterrado.
Savannah, sendo a cidade mais antiga da Geórgia, já tinha um movimento de turismo. Mas depois de dois anos da publicação do livro, Savannah tinha aumentado seu turismo em 46%. O livro ganhou diversos prêmios após sua publicação, ganhando o Boeke Prize em 1995 e sendo um dos finalistas ao Pulitzer daquele ano, na categoria de não ficção. Ao lado de A Sangue Frio, de Truman Capote, é um dos livros mais conhecidos de “romances de não ficção” — que, mais tarde, entraram no rol de narrativas de true crime.
O filme de Clint Eastwood, lançado em 1997, infelizmente não acompanhou o sucesso do livro de Berendt, considerado um fracasso de bilheteria — seu orçamento foi de 30 milhões, contra os somente 25 milhões que arrecadou. O próprio Berendt criticou a produção, afirmando que o Jim Williams de Kevin Spacey era terrível, e contando que dera fitas de suas conversas com Williams para Spacey entender a forma como o homem conversava.
*
Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal, de John Berendt, está disponível em pré-venda no Site Oficial da DarkSide Books. Você já conhecia o caso, ou já assistiu ao filme de Eastwood? Comente com a Macabra no Twitter e Instagram.