O controverso projeto de transplante de cabeças de Sergio Canavero

Desde 2015, Sergio Canavero vem causando polêmica entre a comunidade médica com um projeto arriscado: o transplante de cabeças. Saiba mais sobre o neurocirurgião e sua estranha proposta.

Imagine um futuro onde cabeças possam ser substituídas. Isso mesmo. Pode parecer grosseiro pondo dessa forma, mas esse é exatamente o plano de Sergio Canavero, neurocirurgião e escritor italiano, que, em 2015, afirmou que em dois anos seria completamente capaz de realizar o primeiro transplante de cabeça humano.

Não foi o que aconteceu — ainda. Os planos de Canavero continuam a todo o vapor. Mas se você acha que tudo isso parece saído de Futurama ou de alguma série de ficção científica que pouco condiz com a realidade, pasme: as tentativas e sonhos de tornar o transplante de cabeça possível vêm de muitos anos. A própria noção de se transplantar enxertos e órgãos em pacientes começou, também, como um trabalho de tentativas e erros.

A história de Sergio Canavero é citada em Frankenstein: Anatomida de Monstro (DarkSide, 2023)

Essas pesquisas e tentativas, inclusive, que datam de tantos anos, podem ter sido muito relevantes para a escrita de Mary Shelley em Frankenstein — e, afinal de contas, as comparações entre Victor e Canavero não são sem motivos. Em Frankenstein: Anatomia de Monstro, de Kathryn Harkup, essa influência é abordada com detalhes.

Mas, para matar um pouco a curiosidade de alguns leitores ansiosos, a Macabra fez um pequeno dossiê sobre o assunto. 

Os primeiros passos dos transplantes

As cirurgias de transplantes, em si, existem há muitos séculos. Desde a Idade Antiga, os seres humanos tentaram transplantar tecidos e órgãos, entre os da mesma espécie ou de espécies diferentes. Para se ter uma ideia, um dos primeiros registros de um transplante de nariz data de 1000 a.C., no livro Sushruta Samahita. Mas, com esses experimentos, os médicos e cientistas encontraram extensas dificuldades com o tempo. Assim como foi descoberto mais tarde, esses transplantes, sem preparação e sem ter a certeza de haver uma combinação correta de diversos fatores — como sangue e tipos de órgãos e tecidos —, levavam a terríveis infecções.

Foi no período Renascentista que o interesse por essas cirurgias ganhou novos rumos, principalmente os enxertos de pele em regiões do nariz e orelhas. O primeiro livro sobre reconstrução de que se tem notícias foi De Curtorum Chirurgia per Insitionem (Da Cirurgia de Correção de Mutilação por Enxerto, em tradução literal), cuja autoria é atribuída a Gaspare Tagliacozzi, e data de cerca de 1557.

Uma edição do Sushruta Samahita de 1897

Conforme os séculos XVI e XVII avançavam, novos testes surgiam. E, pelos registros, foi o médico Giuseppe Baronio que começou a perceber a rejeição de tecidos nos transplantes, já no Iluminismo. Transplantes e enxertos de um mesmo indivíduo — removendo a pele de um local para outro, por exemplo — costumavam ser bem-sucedidos. Mas entre indivíduos diferentes, esses enxertos e transplantes costumavam ser rejeitados. Ao longo do século XIX, e conforme a tecnologia e os entendimentos sobre essas questões aumentavam, essas pequenas falhas eram corrigidas.

 

Caminho semelhante se deu em relação aos transplantes de membros. Um dos transplantes de coração mais antigos que se tem notícia foi realizado na China, em IV a.C. Conta a história que havia dois soldados: um forte, mas fisicamente fraco, e o outro, o contrário. Eles foram levados até um cirurgião que faria a troca de seus corações para resolver o problema. Cerca de 700 anos depois, seriam os gêmeos São Cosme e São Damião que seriam os responsáveis pelo primeiro transplante bem-sucedido de um membro, a perna gangrenada de zelador de uma basílica romana — eles teriam aparecido depois de suas mortes por decapitação, o que torna a história ainda mais interessante.

Cortem-lhe a cabeça!

Mas o transplante de cabeças, em si, só foi receber atenção no começo do século XX. Até aquele momento, os médicos e cientistas haviam percebido que a cabeça demorava entre alguns segundos a minutos para perder completamente seus movimentos depois que era decepada do corpo. A história conta que Maria da Escócia continuou rezando momentos depois de ser decapitada por seu carrasco. Então, havia motivos para pensar que essa possibilidade era real.

Figura que analisa o corpo humano sem a pele, datada de 1557

Essas observações levaram a outra série de experimentos. Na década de 1950, um médico tentou transplantar a cabeça de um cão em outro cão. O animal, com duas cabeças, pode ter sobrevivido por um dia antes de falecer devido à rejeição de tecidos. Na década de 1970, foi a vez de tentarem com um macaco. De acordo com os registros, o animal sobreviveu entre seis horas e três dias.

Apesar de ser um assunto delicado, mas que recebe sua dose de atenção há algum tempo, as notícias e tentativas sobre os transplantes de cabeças estavam longe dos holofotes até 2015, quando Sergio Canavero afirmou que conseguiria fazer um transplante de cabeça bem sucedido em até dois anos. 

O transplante de cabeça

Nascido em 1964 em Turim, na Itália, Sergio Canavero ficou conhecido pela comunidade médica internacional principalmente por suas afirmações bastante controversas de que ele seria capaz, dentro de dois anos, de fazer um transplante de cabeça. A afirmação de Canavero foi feita em 2015.

Canavero se formou neurocirurgião e trabalhou no Hospital Universitário de Turim por 22 anos, sendo até mesmo o diretor do Grupo de Neuromodulação Avançada de Turim. Seu contrato foi interrompido em 2015, data em que o médico fez as afirmações sobre seu projeto, exatamente porque o Hospital e vários de seus médicos não concordavam com grande parte de seu trabalho e pesquisas.

Mas para quem acredita que o projeto de transplantes de cabeças de Canavero começou recentemente, se engana: desde 1982 o médico tem pesquisado o assunto, não muitos anos depois dos trabalhos realizados com o macaco, na década de 1970.

O próprio Canavero, na verdade, já realizou procedimento semelhante com um símio. Em 2016, o médico e sua equipe afirmaram que conseguiram realizar um procedimento de transplante de cabeça em um macaco, que sobreviveu por cerca de vinte horas. O problema, que logo se mostraria uma pedra no sapato de Canavero, era a dificuldade em ligar os nervos da cabeça com a coluna após o transplante.

Então, em 2017, Canavero e seu time realizaram um transplante de cabeça entre dois cadáveres. Com esse teste, Canavero queria utilizar a eletricidade para estabelecer a possibilidade de religar a coluna vertebral, os nervos e os vasos sanguíneos entre cabeça e corpo. O procedimento, que durou cerca de 18 horas e foi realizado na Universidade Médica de Harbin, na China, de acordo com Canavero, foi um sucesso. Entretanto, ainda não sabemos quando Canavero irá conseguir realizar seus experimentos em outros corpos — vivos ou não.

Neste TEDx (em inglês), Canavero conta um pouco mais sobre seu projeto:

Quando as notícias começaram a circular, Canavero começou a ser comparado com Victor Frankenstein. Mas, um pouco diferente do personagem cientista de Mary Shelley, Canavero tem outras intenções em mente, que não param na questão “quero provar que consigo”. A intenção de Canavero com suas pesquisas é ajudar pacientes com problemas motores a conseguirem recuperar o controle de seus corpos, tendo seus cérebros conectados em corpos mais saudáveis. 

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Se esse projeto for concluído em algum momento, Victor Frankenstein ficará orgulhoso. E aí, o que você acha dessa possibilidade? Comente com a Macabra no Twitter Instagram.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.