* Texto original de Tai Gooden traduzido e adaptado do artigo do site Nerdist.
O uso da fórmula de protagonistas nos filmes de slasher levou Carol J. Clover a criar o termo “final girl” (ou a última garota ou mulher de pé) em 1992. Ela é a pessoa que sobrevive para contar a história chocante porque ela ou é salva por alguém ou lida com o assassino ela mesma. [Já falamos sobre esse tema aqui na Macabra.]
A era de ouro dos filmes slasher entre os anos de 1970 e 1980, junto de seu ressurgimento nos anos 1990 e 2000, conduziu a uma série personagens que são tão icônicas quanto os assassinos que elas enfrentaram: Laurie Strode, Nancy Thompson, Sidney Prescott e Sally Hardesty, entre outras. Elas são grandes personagens, mas é notoriamente óbvio que todas elas são mulheres brancas. Então, onde estão as final girls negras dos filmes slasher? Por que elas não estão como protagonistas derrotando os vilões?
As razões por trás da ausência de final girls negras nos filmes slasher são bastante previsíveis. Nos primeiros anos do gênero, a maioria dos diretores e agentes de elenco era esmagadoramente branca e masculina, e não achavam que um filme com mulheres negras protagonistas era necessário, rentável ou relacionável com o alvo da audiência branca.
Mulheres e garotas negras não era percebidas como pessoas vulneráveis por quem a audiência poderia identificar como vítimas de violência porque elas mal eram vistas como pessoas no geral, muito menos valiosas. Isso não mudou realmente ao longo dos anos, apesar de filmes de terror e thrillers psicológicos protagonizados por mulheres negras estarem em alta. É um sentimento compartilhado por vários fãs negros de horror, incluindo a fundadora e editora do site Graveyard Shift Sisters, Ashlee Blackwell.
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“É uma afirmação sobre como mulheres negras são vistas na sociedade e se somos vistos no geral”, afirma Blackwell. “Eu penso muito sobre isso porque é algo que realmente me incomoda. É uma das razões pelas quais eu comecei meu website. Eu só queria que as pessoas soubessem que nós existimos — eu queria que você me visse. É como quando estamos andando por uma rua e alguém do outro lado passa direto por nós. É muito frustrante que nós não somos vistos como pessoas que podem sobreviver até o final [de um filme].”
Mulheres negras em filmes protagonizados por brancos foram historicamente tratadas com propósitos subservientes de suas contrapartes brancas, tentações hipersexualizadas para o olhar masculino, ou inerentemente más e raivosas. Esse estereótipo é prejudicial em um nível de escalação de elenco ou escrita porque mantém atores negros sem conseguir papéis, bem como histórias sendo escritas especialmente para uma mulher negra como protagonista em mente. Arte e vida continuamente imitam a si mesmas, então não é uma surpresa que racismo e preconceitos desempenhem um grande papel na falta de mulheres negras protagonistas de filmes slasher.
Essa relação entre estereótipos negros e horror é discutido em Horror Noire: A History of Black Horror, um documentário do Shudder produzido e co-escrito por Blackwell, com Danielle Burrows e o diretor Xavier Burgin. O filme é baseado no livro de Dra. Robin R. Means Coleman e conta com comentários de Jordan Peele, Tananarive Due, Richard Lawson, Rachel True, Tony Todd e outros.
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É um perspicaz mergulho profundo na história dos filmes de horror negros e o lugar de pessoas negras no gênero no geral. Blackwell diz que sua relação com filmes slasher são complicadas porque ela ama esse tipo de filmes mas não consegue não notar a falta de arcos fortes de personagens negros e como isso reflete nos padrões sociopolíticos.
“[Pessoas negras] são comumente deixadas de lado e marginalizadas. Eu penso nos anos 1980, não sei se você pode chamar A Noite dos Demônios um slasher, mas é o primeiro entre centenas e centenas de filmes em que um personagem negro chega até o final. É o único que consigo pensar… Como as pessoas no Horror Noire disseram, se estamos vendo apagamento e conservadorismo no clima político e social dos anos 1980, isso é espelhado no que vemos nos filmes de terror. Personagens negros são quase sempre as vítimas.”
Isso é triste porque uma história com uma mulher negra protagonista de slasher poderia explorar algumas questões intrigantes. Enquanto muitos irão correr até uma protagonista branca para ajudá-la, como seria a mesma situação interpretada por uma mulher negra em perigo? Ela evitaria as autoridades de propósito com medo de morrer em suas mãos? Alguém acreditaria em sua história ou ela seria vilanizada de alguma forma? A verdade é que mulheres e garotas negras são sequestradas, abusadas e maltratadas de tantas formas que o resultado é a perda de vida e ação. Seria poderoso e afirmativo ver uma final girl negra em um filme slasher para mostrar que elas não são tropos dispensáveis.
Final girls negras certamente existem em outros tipos de filmes de terror — Jeryline em Os Demônios da Noite, Alexa em Alien vs Predador, Selena em Extermínio, e Lisa em Os Gritos de Blacula, para nomear algumas. Em 2019, mulheres negras dominaram o terror com Lupita Nyong’o habilmente interpretando dois papéis protagonistas em Nós, Kyleigh Curran em Doutor Sono, Taylor Russell como a final girl negra de Escape Room, e Aleyse Shannon em Natal Sangrento. Mas isso não acontece da mesma forma para filmes e séries slasher.
Muitos dos slashers mainstreams dos anos 1970 como O Massacre da Serra Elétrica, Quadrilha de Sádicos, Noite do Terror, Mensageiro da Morte e Halloween tem sequer personagens negros neles, ou, quando eles estão incluídos, geralmente estão em segundo plano ou são personagens descartáveis. Por exemplo, O Massacre da Serra Elétrica traz um personagem negro menor para entrar em cena de repente e salvar a protagonista branca em perigo. Sally escapa na traseira de um caminhão mas, por alguma razão, aquele pobre homem continuará correndo naquela estrada até seu destino que permanece para sempre desconhecido. Ele ao menos tem um nome?
Filmes slasher nos anos 1980 começaram a incluir mais ajudantes “fortes”, caras negros que são pegos na mira dessas tolices (e normalmente morrem). Mulheres negras são até menos proeminentes, e seus destinos são apenas cruéis. De fato, existe uma lista de várias mulheres negras que são despachadas de forma tão rápida para que a ação pudesse voltar para as pessoas que realmente importavam para a história. Muitas delas morreram de formas estúpidas, sendo elas um “guia sábio”, um obstáculo, distração ou cordeiro de sacrifício para a protagonista branca. Veja abaixo o anexo para a cena mais idiota de morte:
É uma faca de dois gumes para alguns atores que estão felizes com esses papéis mas também gostariam se estar no centro da história. Em Horror Noire, Rachel True, atriz de Jovens Bruxas, falou sobre querer audições para os papéis principais como a personagem Helen, de Gemma Arterton, em Melanie – A Última Esperança, mas sempre interpretar o ajudante.
“Esse é o tipo de papel que eu mataria por ele nos anos 1990, lendo script depois de script e querendo ler que era protagonista mas acabar ‘ah, não, ok, eu sou a amiga’. Então eu vou dizer ‘Você está bem?’… Eu tive que inventar milhões de formas diferentes para dizer a mesma frase, porque não importa o que estava acontecendo, não é sobre as pessoas negras e sobre o que estamos passando, é sobre ‘Você, pessoa branca em perigo, está bem?’”
Pegue Fox (Gloria Charles) da gangue de motociclistas em Sexta-Feira 13 Parte 3, de 1982, que tem um conflito com os protagonistas e é atravessada por Jason com um forcado. Isso é uma comparação aos dois personagens negros e homens com papéis maiores que sobrevivem a história. Personagens de mulheres negras apareceram (e morreram) em Hora do Pesadelo 4, Halloween 2, Halloween Ressurreição e Freddy vs Jason. E, claro, tem aquela infame morte da personagem de Jada Pinkett Smith antes do início dos créditos de Pânico 2.
Falando desse último, quem realmente acreditou que a melhor amiga negra de Sidney, Hallie (Elise Neal), poderia sobreviver ao Ghostface? Ela morre simplesmente porque Sidney teve que voltar e retirar a máscara do assassino. Sidney não aprendeu nada sobre as regras de um filme de terror com Randy?
Os anos 1990 começaram trazendo mais mulheres negras para o primeiro plano de grandes filmes e deixou que elas sobrevivessem. Karla Wilson (Brandy Norwood) de Eu Ainda Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado destacou-se da multidão como uma personagem grande que apareceu em posteres e materiais promocionais e que sobrevive até o final. Entretanto, ela não é realmente a “final girl”, já que o título pertence a protagonista Julie James. Karla pode ter passado por muitas coisas e corrido na chuva com uma camiseta branca, mas ainda é um alívio vê-la sair viva do hotel.
Loretta Devine venceu as probabilidades como a segurança do campus Reese Wilson em Lenda Urbana e Lenda Urbana 2. A personagem causa impacto no primeiro filme e ajuda a manter os eventos da sequência no lugar. Mas pega o plano de fundo contra Natalie Simon de Alicia Witt e Amy Mayfield de Jennifer Morrison.
A temporada recente de American Horror Story homenageando os slashers recebeu reviews mistas de fãs, mas nos deu Donna, interpretada pela estrela de Pose Angelica Ross. Ela saiu de ser parte de um grupo lutando para sobreviver ao investigador vilanesco para ser a verdadeira personagem principal da temporada. Nem Donna acreditava que ela sobreviveria porque nenhuma das “final girls” se parecia com ela. Citando: “Uma final girl negra? Querida, eles matam pessoas com a minha aparência primeiro”.
Para a surpresa de todos, Donna passou por tudo e foi explicitamente chamada de final girl no começo do último episódio. Seu título tem sido debatido entre os fãs considerando que Brooke, a personagem principal da temporada, se revelou viva também. De toda a forma, sua história é motivo para celebrar e esperançosamente levará a mais mulheres negras como heroínas em histórias slasher.
Blackwell está com esperança que o aumento de final girls negras em outras seções do horror vai passar para os filmes slasher. Mas, como esperado, ainda há alguns obstáculos para diretores e outros membros das equipes criativas para superar ao longo do caminho. Ela diz: “Eu acho que o problema nesses diretores que estão construindo seus currículos, entrando em Sundance, e fazendo todas essas coisas ainda tem uma longa escalada para entrar em um cômodo e ter o tipo de autonomia criativa para fazer esse tipo de filmes. Eles não dão dinheiro ou recursos e eu espero que isso mude”.
Mulheres negras derrubaram aliens, arremessaram cabeças de zumbis com uma katana, mataram demônios, escaparam de zumbis e encararam todos os tipos de uma aparentemente intransponível tradição do horror. É tempo para que seja dado espaço no primeiro plano e que sejam final girls nos slashers também.
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