Em janeiro de 2004, o festival de Sundance foi apresentado a um novo filme de terror. Dirigido e escrito por James Wan e Leigh Whannell, dois nomes bastante desconhecidos até então, Jogos Mortais logo atraiu a atenção de interessados e saiu do festival com os direitos de distribuição mundial sendo comprados pela Lionsgate. Inicialmente programado para ser lançado diretamente para vídeo, a empresa percebeu que seria perda de dinheiro não lançá-lo nos cinemas devido à grande popularidade atingida depois de estrear em alguns festivais.
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Mas como todo esse sucesso se deu? Como dois cineastas até então desconhecidos conseguiram emplacar um filme de terror que custou cerca de 1 milhão de dólares fazendo uma bilheteria inicial de 100 milhões — tornando ele um dos filmes mais rentáveis desde o lançamento de Pânico, em 1996?
Comemorando os vinte anos do primeiro filme de Jogos Mortais, a Macabra te leva a uma viagem pela produção desse fenômeno.
O filme
A história de Jogos Mortais segue a narrativa não linear e nos apresenta a poucos personagens. Na história, dois homens, Adam (Leigh Whannell) e dr. Lawrence (Cary Elwes), acordam em um banheiro sem saberem exatamente o que está acontecendo, e há um corpo entre eles. Ambos estão acorrentados, e o cadáver segura um revólver e um tocador de fitas cassetes. Logo os dois encontram duas fitas cassetes em seus bolso, e Adam (Whannell) consegue recuperar o tocador.
Eles então recebem instruções: Adam precisa sobreviver, e Lawrence precisa matar Adam até as 6h, ou a esposa e a filha dele morrem. Após encontrarem duas serras, eles por fim descobrem quem está por trás do sequestro; Jigsaw, um assassino procurado que testa suas vítimas através de jogos sádicos.
A história também fala sobre o perseguidor de Jigsaw, o detetive David Tapp (Danny Glover), e sobre o passado de Lawrence e Adam.
O início de tudo
Depois de terminarem a faculdade de cinema, James Wan e Leigh Whannell se reuniram para escrever e financiar um filme. Assim como muitos antes deles, o sonho dos dois era que conseguissem realizar essa façanha, mas a parte do dinheiro era um problema. O que lhes deu um pouco mais de coragem para avançar foi o sucesso extraordinário de A Bruxa de Blair (1999), um filme de orçamento baixíssimo que se tornou um fenômeno cultural instantâneo.
Quando se uniram para criar uma história, logo ficou claro que quanto menos personagens e cenários, melhor. A ideia surgiu facilmente: dois homens, um em cada canto de um banheiro, com um corpo morto entre eles, ambos sem entender exatamente o que estava acontecendo. A história de Jigsaw, segundo afirmam, surgiria nas semanas seguintes.
De início, a dupla tinha apenas 30 mil dólares para realizar o filme, o que logo ficou claro que não seria o suficiente. Convencidos a buscar apoio em Los Angeles, apesar da falta de dinheiro e ambos sendo da Austrália, Whannell desembolsou cerca de 5 mil dólares para fazer um curta contando parte da história que eles gostariam de contar com o longa. Criaram, então, a “armadilha de urso reversa”, que se tornou um clássico para os fãs, e gravaram um curta de 9 minutos. Confira o curta abaixo.
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Whannell atuou como protagonista do curta, pois já era sua intenção protagonizar o longa posteriormente, algo que Wan concordava desde o início. Para Wan, ambos eram um time que ia além de apenas escrever um roteiro e que, caso as pessoas se interessassem em produzir o filme, teriam que aceitá-los também.
Em 2003, quando estavam em Los Angeles, os executivos da Evolution Entertainment viram o curta e acabaram embarcando na ideia. Mais tarde, os executivos fundaram a Twisted Pictures voltada apenas ao terror.
A produção
Além de Whannell, que já estava a bordo do projeto antes mesmo de ele ser um projeto de fato, o elenco logo se formou. Cary Elwes aceitou imediatamente o papel de dr. Lawrence após assistir o curta, mas Shawnee Smith, que interpreta Amanda e que não era uma fã de filmes de terror, demorou um pouco mais. Acabou topando, o que deixou Wan bastante contente, pois ele acompanhava seu trabalho desde os anos 1990. Danny Glover, que interpreta o detetive David Tapp e perseguidor de Jigsaw, também logo aprovou o papel e entrou no time.
Tobin Bell ficou fascinado pelo papel de Jigsaw, mas o que o fez aceitar foi a ideia do cenário: “Aqueles caras, trancados em um lugar, para mim era novo. Eu não previ o final quando li o roteiro, então fui pego de surpresa, e ficou claro para mim que se os cineastas filmassem a cena bem, a audiência também seria pega de surpresa. O filme teria valido a pena por aquele momento”.
Com um orçamento de cerca de 700 mil dólares para as filmagens em si, logo Whannell e Wan começaram a trabalhar no filme. As gravações duraram 18 dias; o banheiro foi o único cenário construído, e as cenas na locação foram gravadas em seis dias, em ordem cronológica, para não ocorrerem erros de continuidade. A cena da banheira foi a primeira a ser gravada, e logo ficou claro para Whannell que eles não tinham dinheiro para um dublê, então ele mesmo a fez.
Uma curiosidade divertida sobre as gravações é que as movimentações de câmera quando filmam os personagens de dr. Lawrence e Adam são propositais: uma é mais contida, mais segura; a outra é mais irregular. Apesar disso, todas elas foram feitas por David A. Armstrong, que filmou sem apoio de tripé ou qualquer outra ferramenta — todas as cenas foram gravadas com a câmera em seus ombros.
Devido ao pouco tempo para gravação do filme, Wan e Whannell perceberam que ficaram muitos buracos no resultado final, mas eles logo deram um jeito de preencher essas lacunas através de fotos e imagens gravadas com câmeras de segurança. “Agora as pessoas dizem ‘uau, que estilo experimental interessante de filmagem”, nós, na verdade, fizemos pela necessidade de preencher lacunas que tivemos durante as gravações”, conta Wan.
O torture porn
Surgindo como uma tendência que herdou muito do splatter e do slasher, o torture porn entra em ascensão em meados de 2000. O primeiro filme a ser chamado por esse nome — de forma pejorativa, pelo crítico David Edelstein, que foi quem “cunhou” o termo —, foi O Albergue, de Eli Roth. Essa classificação, porém, passou a ser utilizada até mesmo para filmes lançados antes do filme de Roth, como é o caso de Jogos Mortais.
Torture porn é utilizado, ainda hoje, para filmes que carregam traços do slasher, mas que elevam e enfatizam elementos explícitos como a nudez, o gore, a violência, a mutilação e o sadismo. Apesar de ter começado como uma categorização em uma crítica negativa, os fãs de terror logo aderiram ao termo e o abraçaram.
Mesmo que O Albergue tenha sido o filme a carregar esse nome pela primeira vez, um ano depois do lançamento de Jogos Mortais, o filme de Wan e Whannell está entre os mais influentes daquela geração, ainda que Wan e Whannell nunca tivessem tido a intenção de criar um filme que fosse sinônimo de tortura e gore. De início, Jogos Mortais era para ser apenas um filme de investigação. As cenas de “tortura”, realmente, foram sendo encaixadas com o tempo.
E, ao longo da franquia, as armadilhas começaram a ficar cada vez mais cruéis e violentas — e os fãs, claro, adoravam; quanto mais sangue, melhor. A inventividade dessas armadilhas, inclusive, foi uma das coisas que ajudou a tornar Jogos Mortais este fenômeno — mas nenhuma delas jamais bateria a “armadilha de urso reversa”, a mais clássica e aquela que Whannell apostou para chamar a atenção dos investidores.
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Conforme os anos foram passando, mais chegaram ao universo Jogos Mortais, e esse ano, com a comemoração de vinte anos do primeiro filme, ele tem sido revisto e reafirmado como um dos maiores filmes de terror dos anos 2000 — e do início desse século no geral.
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