Deusas, loucas e utilizadas por feiticeiras. Há milênios as cabras são associadas à figura do diabo, bruxas e rituais macabros. Mas afinal, de onde vem esta relação? Seriam cabras animais malignos por natureza ou é só mais um caso de propaganda difamatória contra os bichinhos?
Historicamente, cabras estão presentes em várias culturas e costumes pré-cristãos. O deus Cernuno é a divindade mais antiga da mitologia celta. Apesar de seus chifres serem de cervos e não de cabras, sua representação na pose de lótus inspirou a iconografia de Baphomet, de quem vamos falar mais adiante.
Outra aparição destes animais está presente na mitologia nórdica. Tanngrisnir e Tanngjostr eram as cabras que puxavam a carruagem do deus Thor, filho de Odin. Os animais eram descritos com “chifres esplêndidos”. Provavelmente pra combinar com os cabelos do Thor.
Já na mitologia greco-romana, os faunos eram figuras metade homem, metade bode, que descendiam do rei Fauno – eram, portanto, semideuses. Os faunos eram divindades do campo que viviam por bastante tempo e atuavam como intermediários entre os animais e o mundo dos deuses.
A associação maligna das cabras está na Bíblia
Até aqui, nenhuma destas referências explica por que as cabras seriam animais demoníacos. Algumas delas são bem positivas, pra dizer a verdade. Porém, vale lembrar o quanto o Cristianismo condena a adoração de “falsos deuses”, o que levou toda esta galera politeísta a ser considerada “coisa do demo”.
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Mas a treta com as cabras fica ainda mais pesada e pessoal na própria Bíblia. Isso por causa de uma metáfora que compara ovelhas a cabras. Preste atenção no comportamento destes dois bichinhos: ovelhas são leais, elas seguem o seu pastor; enquanto isso, cabras são desobedientes e difíceis de lidar. Ou seja, as cabras são as verdadeiras ovelhas negras da família na música da Rita Lee.
Pra deixar este preconceito caprino ainda mais evidente, o Evangelho segundo Mateus (que adorava um sermão) abriu o Novo Testamento dando nome aos bois, ou melhor, às cabras:
“E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória; E todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor que aparta dos bodes as ovelhas; E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda.” (Mateus, 25:31-33)
Ou seja, o preconceito já começou ali. Nos versículos do Evangelho de Mateus, os bodes são usados como metáfora para o pecado, ainda no começo do desenvolvimento do Cristianismo. Ovelhas obedientes são colocadas num lugar privilegiado, diferentemente das rebeldes cabras, como se observa adiante:
“Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos; Porque tive fome, e não me destes de comer, tive sede, e não me destes de beber; Sendo estrangeiro, não me recolhestes, estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes” (Mateus, 25: 41-43)
Pesado, hein?
Cabras são safadinhas
Outro motivo para os cristãos torcerem o nariz para as cabras, além de sua natureza rebelde, é também a sua libido acentuada, principalmente nos machos. Bodes têm ereções praticamente o tempo inteiro e, quando há fêmeas por perto, eles fazem questão de demonstrar isso. Algo que certamente não bate com as ideias de castidade da Igreja.
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Por causa desta característica mais sensual, os faunos também eram criaturas associadas a orgias na antiguidade. Isso fez com que o próprio anticristo tivesse acessórios de cabra, como as patas e os chifres. Apesar da descrição do diabo na Bíblia ser um amontoado de várias coisas, a escolha de partes específicas de bodes serviam como uma alfinetada às crenças pré-cristãs.
Baphomet e as cabras no ocultismo
Um dos principais influenciadores para as primeiras associações de cabras com bruxaria foi Éliphas Lévi, um mago e autor francês sobre ocultismo. Ele escreveu sua obra no século 19, uma época em que o espiritualismo estava em alta em várias partes do mundo, como a Inglaterra Vitoriana, por exemplo.
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Lévi cunhou a ideia de uma divindade com cabeça de bode, que ele identificou como Baphomet, que supostamente era adorado pelos Templários. Menções a Baphomet são encontradas em registros de julgamentos da Inquisição de Cavaleiros Templários.
Na versão de Lévi, Baphomet possui uma imagem que contém elementos binários, que simbolizam o equilíbrio dos opostos: meio humano, meio animal; masculino e feminino; bom e mau etc. Por um lado, a intenção do autor era simbolizar o equilíbrio essencial para a Luz Astral (força vital), por outro, o Baphomet representa a tradição que deveria resultar em uma perfeita ordem social.
Mais adiante, Baphomet foi adotado como símbolo da Igreja de Satã, fundada nos Estados Unidos na década de 1960. Apesar do nome, a Igreja não acredita nas versões cristãs e islâmicas do diabo. Segundo Peter H. Gilmore, atual alto-sacerdote, os membros estão mais para “ateus céticos”. Os satanistas adotam a interpretação hebraica da palavra Satã como “adversário”.
5 Filmes de terror com cabras macabras
Com associações tão malignas, não é de se estranhar que cabras sejam presença confirmada em alguns filmes de terror. Confira alguns que contam com estas presenças animalescas:
A Bruxa
The Witch, 2015 // Neste horror folclórico, Black Phillip é uma cabra “possuída” que inferniza a vida de uma família do século 17 que vive isolada de sua comunidade por acusações de bruxaria. O animal conquistou tantos fãs que ganhou sua própria conta no Twitter.
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Arraste-me para o Inferno
Drag me to Hell, 2009 // Para se livrar de uma maldição pesada rogada por uma cigana, Christine (Alison Lohman) participa de uma séance, em um ritual que deveria transferir o espírito do mal para o corpo de um bode. O longa de Sam Raimi tem toques de humor ácido e esta cena acaba ficando divertida de uma forma muito errada.
Viagens Alucinantes
Altered States, 1980 // Este filme com um professor que realiza experimentos com drogas alucinantes possui uma sequência com a morte de um Jesus com cabeça de cabra. Como se isso não fosse suficiente, a cabra tem sete olhos (!).
Incubus
Incubus, 1966 // Kia (Allyson Ames) é uma súcubo – demônio que toma a forma de mulher para “tentar” sexualmente os homens – que passa o longa tentando corromper um homem de natureza boa. Ao final, há uma longa batalha entre Kia e um bode.
Casamento Sangrento
Ready or Not, 2019 // No longa, Grace (Samara Weaving) acredita estar se casando com o grande amor de sua vida. Entretanto, logo descobre que a família do noivo tem uma terrível tradição de jogos após o casamento. Grace terá que sobreviver e escapar de um horrível destino preparado por sua “nova família”. A cabra? São alguns dos detalhes terríveis no caminho da pobre protagonista.
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