Annie (Toni Collette) é uma miniaturista, mãe de Peter (Alex Wolff) e Charlie (Milly Shapiro), casada com Steve (Gabriel Byrne). Quando Ellen ( Kathleen Chalfant), sua mãe, falece, Annie sofre com a perda. Mas a tragédia em sua família estava longe de terminar. De repente, tudo parece estar de pernas para o ar. Depois de alguns dias, Charlie e Peter se envolvem em um acidente — uma cena difícil de esquecer — e a garota falece. Ao mesmo tempo, coisas estranhas começam a acontecer na vida da família Graham.
Hereditário, dirigido e escrito por Ari Aster, foi lançado em 2018 e logo se tornou extremamente comentado. Primeiro longa metragem do cineasta, tanto os fãs de terror quanto o público em geral se voltaram para ver o que essa produção guardava — e muitos ficaram surpresos com o que viram.
Inicialmente, quando tinha que apresentar o filme, Aster dizia que ele era “uma história sobre um ritual de possessão de longa duração, contada a partir da perspectiva do cordeiro sacrificial”. É, de fato, uma boa forma como resumir Hereditário.
A Macabra reuniu algumas curiosidades sobre a produção.
As inspirações de Ari Aster
Uma das características mais potentes de Hereditário é o sofrimento pelo qual aquela família está passando. Annie perdeu a mãe e logo sem seguida perde a filha. Seu relacionamento com a família, pelo que podemos observar, é difícil mesmo antes das perdas. Todo o ambiente da casa dos Graham e o afastamento entre os membros parece opressivo.
Isso tudo é por um motivo muito simples: antes de ser um filme de terror, Hereditário seria um drama familiar. Conforme desenvolvia o roteiro, Aster percebeu o potencial para transformar o que estava escrevendo. Ao incorporar elementos sobrenaturais e de horror, o cineasta queria que os sustos, ali, fossem ligados ao emocional do roteiro, não somente jump scares. Então tudo foi moldado com o objetivo de que as pessoas sentissem o sofrimento daquela família em decadência, seu afastamento, seu luto.
Entre as inspirações de Aster estão filmes de dramas familiares, como Gente como a Gente (1980), Tempestade de Gelo (1997) e Entre Quatro Paredes (2001), além de filmes clássicos de terror, como O Bebê de Rosemary (1968), Inverno de Sangue em Veneza (1973) e Os Inocentes (1961). O cineasta também coloca em evidência o trabalho de Sófocles sobre livre arbítrio logo no início do filme, e isso não é por acaso. Para ele, o filme se assemelha muito a uma tragédia grega.
Elementos biográficos
Ari Aster trabalhou por cinco anos no roteiro de Hereditário, e, conforme o cineasta já comentou em entrevistas, algumas partes do projeto foram bastante pessoais. “Tem relação com algumas coisas que aconteceram na minha vida, e coisas que eu e minha família passamos juntos. Mas o filme, em si, é uma invenção. Os sentimentos por trás do filme são pessoais, mas nenhum dos personagens são substitutos por alguém na minha família”, conta em entrevista ao site IndieWire.
Alejandro de Leon, amigo e produtor de Aster de longa data, confirma que há mais detalhes que Aster não comenta sobre possíveis elementos biográficos incorporados em Hereditário. Mas tudo leva a crer que eles estejam lá. Em outra entrevista, Aster comentou que seu relacionamento com seus pais é incrível, com seu irmão mais novo também, mas que houve certo sofrimento em sua família que ele prefere não comentar.
Para completar, Danny DeVito, cuja produtora Jersey 2nd Avenue desenvolveu um primeiro rascunho do projeto com Aster, comentou que “Havia tantas coisas para cavar. Ele é essa pessoa doce, e nós sabíamos que isso vinha do seu coração — que é um lugar interessante. O Horror geralmente vem de dentro da pessoa que o faz, independentemente de quais são esses medos. Ari tem uma certa proximidade com seu trabalho. Às vezes, as coisas reais que se passam na sua vida são coisas bem horríveis”.
Mas, uma coisa que Aster colocou de si mesmo no filme e fez questão de comentar em entrevistas, foi seu receio com bruxas e a possibilidade de elas existirem. Para ele, “eu não sou uma pessoa particularmente supersticiosa, mas o que me assusta é do que as pessoas são capazes. O conceito de bruxas sempre me assustou por causa da ideia de que há forças maquiavélicas que conspiram para machucar os outros. Há pessoas por aí que não tem as melhores intenções em seu coração e estão ativamente tentando praticar o mal e estão ativamente enviando energias nessa direção”.
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Detalhes Escondidos
Hereditário tem diversos segredinhos escondidos no decorrer de sua história, e um bom observador consegue capturá-los facilmente.
Com um pouquinho de atenção, os espectadores conseguem notar que, ao fundo dos cenários, há diversos padrões geométricos fáceis de se reconhecer. Não é difícil identificar as formas geométricas e, inclusive, notar o que elas representam observando o filme. A equipe de produção de arte queria trabalhar com o espaço de acordo com a noção de “geometria sagrada”: o triângulo, representando Annie, Peter, Charlie; o quadrado, que inclui Steve como membro da família, representa a casa, a firmeza; e o círculo, o mais importante, que representa a personagem Ellen, o infinito e o gênese.
Além disso, a iluminação também desempenha um papel importante para o filme. Em diversos momentos, é possível ver cultistas e outros personagens se esgueirando pelas paredes e até mesmo pelo teto.
Outro detalhe especial que aparece repetidas vezes é o símbolo de Paimon, que pode ser visto diversas vezes ao longo do filme, já levando a uma dica de que este demônio poderia ter algo a ver com a família. Desde o início, em pingentes de Annie e Ellen, o símbolo está lá. Conforme o filme avança, vemos o símbolo repetidas vezes — no poste, na parede de Joan, na capa do livro de Ellen.
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Toni Collette
Um dos destaques de Hereditário está em Toni Collette. Fazendo um dos papéis mais impressionantes da carreira, a atriz deixou os espectadores atônitos em vários momentos do filme — um deles, sem dúvida, foi seu monólogo para seu filho durante o jantar da família.
Mas por pouco a atriz que interpreta Annie não seria outra. Collette, naquele momento, dissera ao seu agente que não queria fazer mais filmes sombrios e pesados, que preferiria trabalhar só com comédias dali em diante. Uma lida no roteiro de Ari Aster fez com que mudasse de ideia: ela gostou tanto da história que logo embarcou na trama.
A sensação de deslocamento também é real. Não foi algo planejado por Aster, mas todos os outros atores já tinham relações prévias, então isso ajudou na caracterização de Annie. Gabriel Byrne e Alex Wolff já haviam trabalhado anteriormente na série Em Terapia, onde interpretavam pai e filho também. Já Wolff e Milly Shapiro frequentaram o mesmo colégio, o Professional Children’s School. De certa forma, com todas essas relações e químicas entre seus colegas de elenco, isso auxiliou com que Collette e sua personagem parecessem mais deslocadas em relação aos outros.
Potências emergentes
Outros destaques em atuações brilhantes de Hereditário vão para Alex Wolff e Milly Shapiro. Interpretando, respectivamente, Peter e Charlie, os filhos da família Graham, os dois roubaram a cena em diversos momentos ao longo do filme.
Antes de Hereditário, Wolff participou de outras produções, destacando O Despertar de Um Assassino (2017), adaptação do quadrinho Meu Amigo Dahmer, de Derf Backderf, onde interpreta o próprio John ‘Derf’ Backderf; e Jumanji: Bem-Vindo à Selva (2017). Depois de Hereditário, Wolff esteve em alguns outros papéis importantes, como Amir em Pig: A Vingança (2021), com Nicolas Cage; e Trent, na idade de 15 anos, no filme Tempo (2021) de M. Night Shyamalan. Entre seus próximos projetos está A Quiet Place: Day One, previsto para 2024.
Já Shapiro fez história na Broadway antes de interpretar uma das personagens-chave de Hereditário. Estreou nos musicais em 2013, em Matilda the Musical, no papel de protagonista. Com essa estréia, ganhou o Tony Honors for Excellence in Theatre — um prêmio não competitivo para organizações e indivíduos que conquistaram extraordinários feitos pelo teatro — junto de seus colegas de elenco. Eles se tornaram o grupo mais jovem da história a receber o prêmio. Também participou da montagem off-broadway de You’re a Good Man, Charlie Brown. Em 2021, formou uma banda ao lado de Spencer Arjang, chamada AFTERxCLASS.
Uma arte à parte: as miniaturas
Impossível assistir Hereditário e não ficar impressionado com as miniaturas que a personagem de Annie trabalha. E elas são, realmente, um detalhe importante da filmagem. Conforme Annie busca uma forma de sobreviver à decadência que toma conta de sua vida, ela se debruça cada vez mais em suas pequenas construções.
Inicialmente, Steve Newburn foi contratado para fazer a maquiagem e efeitos práticos do filme, mas depois de ler o roteiro perguntou à equipe de produção quem estava responsável pelas miniaturas. No final, ele e sua equipe acabaram ficando responsáveis por essa parte também.
As miniaturas eram tão importantes para a história que alteraram o ritmo do resto da produção. A casa que serve de filmagem para as cenas com a família Graham, por exemplo, foi construída em um estúdio fechado em Utah, porque de acordo com a ideia de Aster, a casa deveria ser móvel o suficiente para que suas paredes fossem retiradas, como se ela realmente fosse um grande diorama.
Após o lançamento
Hereditário gerou burburinhos quando foi lançado. No melhor estilo ame ou odeie, alguns acreditam ser uma grande obra de terror, outros não o consideram tão bom assim. Mas é inegável seu sucesso, que conseguiu romper a bolha da audiência mais hardcore de fãs do gênero e agradar parte da crítica mais severa.
Com um orçamento limitadíssimo de 10 milhões, o filme conseguiu uma bilheteria de 82,5 milhões, o que é particularmente impressionante para o primeiro filme de um diretor. Foi o quarto filme da agora super popular A24, sendo antecedido por A Bruxa (2015), Free Fire: O Tiroteio (2016) e Ao Cair da Noite (2017).
Em relação aos prêmios, Hereditário não foi indicado em premiações consagradas da indústria do cinema, como BAFTA, Golden Globes ou Oscar. Muitos acreditam que a falta de indicações de Toni Collette por sua atuação no filme foi uma das maiores negligências dos últimos anos.
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