Já parou para pensar em quem é responsável por limpar uma cena de crime? Ou como se faz a limpeza de locais contaminados por substâncias químicas e biológicas perigosas à saúde? Muitas vezes não percebemos que, após um evento traumático, como uma morte em casa, a vida precisa continuar. Quem convivia com a pessoa falecida, assim como os vizinhos, precisam seguir em frente. Mas quem é encarregado de lidar com esse “depois”?
A limpeza de locais que passaram por situações traumáticas, conhecida como “trauma cleaning”, é uma área que recebe pouca atenção, mas desempenha um papel de extrema importância. Além de ser fundamental para o trabalho da polícia científica, com a qual frequentemente colabora, essa atividade também beneficia outras partes da sociedade. Por exemplo, o serviço de “trauma cleaning” pode ser indispensável para ajudar pessoas com transtornos de acumulação ou que sofrem de condições que as impedem de manter suas casas limpas. Seja na sociedade, no renascimento ou no luto, os “trauma cleaners” estão agindo e transformando as cenas traumáticas.
No livro Nem Tudo Que Resta é Lixo, de Sarah Krasnostein, nos aprofundamos no tema do trauma cleaning enquanto acompanhamos a vida de Sandra Pankhurst, palestrante, ativista e empresária do ramo da limpeza. Ao mesmo tempo que acompanhamos Sandra lidar com o caos da vida de outras pessoas, também vemos a força e a batalha que ela mesma lutou ao longo de sua vida para se encontrar e pertencer.
A Macabra te conta um pouco mais sobre esse tipo de limpeza especial e te apresenta à Sandra Pankhurst.
O que é “trauma cleaning”
Trauma cleaning, ou a limpeza de cenas de crime, é a limpeza feita após um crime ou um trauma de outro tipo ter acontecido em um local e que deixou sangue, fluidos e outros materiais potencialmente perigosos para a saúde para trás. Se uma pessoa sofreu uma overdose, por exemplo, pode ser necessário chamar um agente de trauma cleaning para efetuar a limpeza.
Geralmente essas limpezas são feitas por pessoas especializadas. Por se tratarem de fluidos que muitas vezes podem ser contamináveis, é necessário que haja um cuidado especial no manejo e descarte. Quem se interessa pelo assunto e quer se especializar neste tipo de limpeza precisa passar por uma série de cursos e compreender várias diretrizes, que podem variar de país para país, para poder ingressar na área. Na maioria das vezes, essas diretrizes têm a ver com as diretrizes de risco biológico utilizadas em cada território.
No Brasil
Pode parecer distante da nossa realidade, mas no Brasil também temos serviços de limpeza de cenas de crime. Algumas mais voltadas ao trabalho ao lado da polícia científica — a polícia forense, responsável por perícias criminalísticas e médico-legais —, outras que se apresentam em diversas funções, como desinfecção hospitalar e veterinária, entre outras.
No site de uma delas, a Attuale, encontramos alguns requisitos, além dos cursos e da preparação especializada, para que as pessoas trabalhem nesse tipo de serviço, como compaixão, energia, compromisso, integridade e extrema atenção aos detalhes. Pode parecer estranho que essas sejam as qualidades procuradas para o trabalho, mas faz muito sentido quando nos lembramos que esse tipo de limpeza é realizado após um evento traumático. Vidas de pessoas podem ter sido perdidas nesses locais, e é com famílias enlutadas que os trabalhadores terão que lidar em certos momentos.
No caso de limpeza com acumuladores, as coisas são ainda mais delicadas. Muitas dessas pessoas passaram por momentos complexos e estão frágeis e vulneráveis. Nesse sentido, a compaixão e o comprometimento são mais importantes do que se você tem um estômago forte. No Brasil, a Biodecon é especializada em limpeza extrema de casas de acumuladores compulsivos (hoarding) e elabora esses pontos em seu website.
Nem Tudo Que Resta é Lixo
Sandra Pankhurst foi e fez muitas coisas ao longo de sua vida. Nasceu um garoto que tinha problemas em casa, cujos pais não lhe davam o afeto básico. Quando cresceu, transitou entre ser pai e drag queen ao longo de alguns anos até que finalmente partiu em rumo do que realmente queria ser, iniciando uma nova era como paciente de redesignação de gênero. Sandra enfrentou uma longa jornada até finalmente se inserir neste trabalho.
Ao contar a história de Sandra ao mundo, Sarah Krasnostein também nos mostra como é o dia a dia de uma pessoa que trabalha com a limpeza de cenas onde ocorreram traumas. De certa forma, em Nem Tudo Que Resta é Lixo, ambos os assuntos estão ligados de forma direta: é dando ordem ao caos de outras pessoas que Sandra sentia que estava fazendo algo a mais para o mundo. Não é apenas um ganha-pão, é um trabalho que exige uma profunda empatia e sentimentos calorosos para com outros seres humanos, como paciência e compreensão, e Sandra, a quem esses sentimentos foram tão negados, encontrou uma forma de dá-los às pessoas.
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Não é, de forma alguma, um trabalho elegante. Mas a limpeza de cenas de crime e de locais onde ocorreram eventos traumáticos é uma parte importante do processo de retomada da normalidade quando coisas horríveis acontecem, ou de tentar ajudar aqueles que se consideram perdidos há muito tempo.
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