Em outubro de 1994, três jovens embarcaram em uma emocionante viagem para gravar um documentário sobre a lenda da Bruxa de Blair. A viagem os leva à cidade de Burkittsville, antiga Blair, onde eles realizam uma série de entrevistas e em seguida vão acampar na floresta. Tudo o que encontraram dos jovens foram suas câmeras.
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A Bruxa de Blair, um dos maiores fenômenos do found footage, causou furor quando foi lançado em 1999. Com um roteiro simples — e basicamente improvisado —, mas um trabalho de marketing de primeira linha, o filme logo estava entre os mais comentados nos círculos de terror, algo que se mantém ainda hoje, vinte e cinco anos depois.
se agarre bem à sua câmera e confira algumas curiosidades sobre A Bruxa de Blair.
Um projeto de estudantes
Apesar de ter sido lançado em 1999, as ideias iniciais para A Bruxa de Blair começaram em meados de 1993, quando Daniel Myrick e Eduardo Sánchez eram ainda estudantes na Universidade da Flórida Central. Os dois se uniram a Gregg Hale, Robin Cowie e Michael Monello e criaram a Haxan Films, inspirados pelo famoso documentário sobre bruxaria de Benjamin Christensen de 1922. Para o grupo de jovens, os documentários com essa pegada sobrenatural eram muito mais aterrorizantes que os filmes de terror em si.
Com um roteiro de apenas trinta e cinco páginas, o grupo começou as audições em 1996. A ideia era que o roteiro funcionasse apenas como um guia, levando em consideração que a maior parte do texto dos atores é improvisada.
Um baita trabalho de improvisação
Quando dizemos que parte das cenas seriam improvisadas, podemos pensar em algo parecido com o O Que Fazemos nas Sombras, por exemplo, que também utilizou um pouco disso. A diferença é que Taika Waititi e Jemaine Clement estiveram realmente ali, em cena, talvez direcionando um pouco os outros atores. O que aconteceu com A Bruxa de Blair, entretanto, foi completamente diferente.
A começar pela audição. Em entrevista durante um painel na Comic Con de 1999, Heather Donahue, uma das protagonistas do filme, conta que, durante a audição, não houve teste de cena, leitura fria ou nada disso. Quando chegou ao local que deveria fazer seu teste, havia uma placa avisando que era um filme com improviso e, em vez de receber um texto, Heather recebeu uma pergunta dos diretores: “Você cumpriu sete anos de uma sentença de nove anos. Por que deveríamos deixá-lo em liberdade condicional?”. Provavelmente sua resposta foi satisfatória, já que ela ganhou o papel.
Durante as filmagens, as coisas não foram muito diferentes. O roteiro que os atores tinham eram entregues a eles na própria floresta, em caixinhas de plásticos — daquelas utilizadas para guardar filmes de câmera, redondas e pequenas —, posicionadas em pontos definidos pelos diretores por GPS — isso em 1999! Os atores eram direcionados a partir desses comandos, mas que não davam muitas instruções: eram estruturas básicas, das quais eles utilizariam para construir seus personagens e suas histórias.
Construção da mitologia
Apesar da grande etapa de improvisação, havia uma história por trás, da qual os atores tinham conhecimento, e que foi criada pela dupla Myrick e Sánchez. Como é de se imaginar pelo conteúdo do filme, histórias sobre bruxaria foram utilizadas para criar a mitologia geral por trás do conteúdo do filme. Na história, a Bruxa de Blair é o fantasma de Elly Kedward, uma mulher acusada de bruxaria na cidade de Blair em 1785. Os julgamentos de Salem, bem como a peça de Arthur Miller de 1953, As Bruxas de Salem (no título original The Crucible), foram fundamentais para a dupla de criadores construírem a mitologia da produção.
Dois detalhes curiosos dessa etapa também estão na elaboração de dois nomes que aparecem entre os personagens, que são quase anagramas de nomes reais. Elly Kedward, por exemplo, foi retirado de Edward Kelley, um místico do século XVI, enquanto Rustin Parr, o assassino de crianças ficcional dos anos 1940 que aparece no filme, vem, um pouco mais distante, do nome de Rasputin.
Outras influências relacionadas aos documentários envolvendo histórias sobrenaturais foram os documentários Eram os Deuses Astronautas, de 1970, e o docudrama The Legend of Boggy Creek, de 1972, além da série In Search of…, série documental que ficou em exibição de 1977 a 1982. No que tange ao gênero do terror, Myrick e Sánchez se inspiraram em filmes como A Profecia, O Iluminado, Tubarão e Alien, o Oitavo Passageiro — e, se pensarmos bem, todos eles com um grande senso de paranoia e suspense crescente que atinge em cheio o espectador.
Após as filmagens
A Bruxa de Blair foi um filme com orçamento bastante baixo, estimando-se algo entre 500 ou 750 mil dólares. A filmagem principal, entretanto, foi orçada em 60 mil dólares — o restante veio com a pós-produção. Além disso, a pós-produção foi, também, o período mais longo gasto com o filme, levando cerca de oito meses para ser finalizada — enquanto as filmagens levaram cerca de oito dias.
No total, foram vinte horas de gravação, cortadas e transformadas em um longa-metragem de 81 minutos. Algumas cenas ainda foram aumentadas posteriormente, depois das primeiras exibições — e depois de sua estreia muito bem-sucedida em Sundance, em janeiro de 1999 —, quando a Artisan Entertainment comprou os direitos de distribuição de A Bruxa de Blair. As cenas adicionadas, uma entrevistas no início do filme e um trecho sobre a história de Parr, trouxeram mais contexto ao final sob a justificativa que, apesar de ser assustador, algumas pessoas da audiência acharam o final enigmático demais. A intenção da Artisan era alterar o final, mas Myrick e Sánchez não aceitaram a proposta.
A jogada de marketing
A Bruxa de Blair ficou conhecido como um dos melhores marketings já feitos na história do terror. Tido como o primeiro filme a usar amplamente a internet como forma de divulgação, um site foi criado contendo pistas e entrevistas sobre o desaparecimento dos jovens da equipe de produção de um documentário. Estamos falando de uma época em que checar esse tipo de informação não era tão simples, e apesar de o filme ter estreado naquele ano em Sundance — o site entrou no ar em junho de 1999 —, ele ainda não tinha sido comentado tão abertamente.
O rumor que os atores realmente tinham desaparecido também ajudou a aumentar a curiosidade. No painel de 1999 da Comic Con, Heather Donahue ganha os cumprimentos da plateia por ainda estar viva, quando um dos espectadores comenta que é bom vê-la com vida no palco.
Mas essa história de que a lenda da Bruxa de Blair era real não foi apenas criada para a divulgação do filme. Membros da produção também caíram na “pegadinha”. Em 2016, Ben Rock, o designer de produção do filme, escreveu um texto dividido em oito partes sobre o making of de A Bruxa de Blair para o site Dread Central. Contando um pouco sobre sua experiência na produção, Rock também conta como acabou fazendo parte do grupo. Seu amigo, Gregg Hale, contou a ele sobre a misteriosa lenda da Bruxa de Blair, e sobre como um grupo de jovens fazendo um documentário sobre ela havia desaparecido. Isso aconteceu em 1996, três anos antes do filme ser lançado, e ao menos um ano antes da produção começar.
As coisas não pararam por aí. Ainda em Sundance, cartazes com as fotos dos membros da “equipe de documentário” — Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael C. Williams — afirmavam que eles estavam perdidos. No ano após o lançamento, o próprio site do IMDb continha, em frente ao nome dos atores, que eles estavam “desaparecidos, dados como mortos”.
Sequências
Depois do sucesso colossal de sua estreia e dos burburinhos causados pelo marketing do filme, A Bruxa de Blair logo se tornou um clássico instantâneo, conquistando logo uma sequência. Mas, para a tristeza dos fãs que se apaixonaram pelo projeto de Myrick e Sánchez, as coisas esfriaram bastante. Perdendo o charme do found footage, O Livro das Sombras: Bruxa de Blair 2 foi lançado em 2000, com direção de Joe Berlinger, e acompanha a história de um grupo de jovens que vai até Burkittsville explorar a lenda da Bruxa de Blair.
Entre A Bruxa de Blair e O Livro das Sombras, entretanto, foram feitos dois especiais para a televisão. O primeiro, lançado ainda em 1999 e intitulado Curse of the Blair Witch, era um documentário falso sobre os membros desaparecidos da equipe do filme original e algumas entrevistas sobre a lenda; o segundo, Shadow of the Blair Witch, lançado em 2000, é um documentário (também falso) que alega que o filme Livro das Sombras é um filme feito por Hollywood, mas que conta uma história real, e mostra a inspiração por trás da produção.
O marketing de dizer que o segundo filme se baseava em uma história real não deu tão certo quanto da primeira vez. O filme rapidamente foi deixado de lado, e os documentários falsos também são pouco citados na mitologia geral de A Bruxa de Blair.
Em 2016, um novo filme sobre a lenda da Bruxa de Blair foi lançado. Intitulado Bruxa de Blair, dirigido por Adam Wingard, o filme se concentrava em James, irmão de Heather — a jovem desaparecida no filme original — e um grupo de amigos que vão até a floresta procurar respostas. Talvez uma das primeiras “sequências espirituais” que marcaram os últimos anos, revivendo franquias dos anos 1980 e 1990, Bruxa de Blair não chamou tanto a atenção quanto seu filme original, mas recebeu mais críticas positivas que Livro das Sombras.
Além disso, livros, quadrinhos e jogos de videogame foram lançados sobre o longa. Paródias apareciam em diversas mídias e, ainda hoje, A Bruxa de Blair é considerado um dos grandes filmes de found footage já feitos.
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Não sabemos o que o futuro aguarda para a franquia Bruxa de Blair. Myrick e Sánchez já expressaram a vontade de fazer uma série de TV sobre o tema, mas não sabemos muitas informações sobre o projeto.
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