10 filmes para entender a representação negra nos filmes de terror

Ao longo das décadas, histórias de pessoas negras passaram a ser não apenas representadas, mas com poder de se tornarem representativas.

Por Milena Souza

A representação negra na arte sempre foi abordada de forma rasa. Pessoas negras eram subjugadas ou retratadas como monstruosas, inferiores, incapazes. Com as demandas sociais por visibilidade e igualdade, e a entrada de pessoas negras em várias esferas criativas da arte, estereótipos estão se rompendo, dando lugar a construções cada vez mais sólidas de personagens e histórias transformadoras.

O terror oferece um espaço representativo singular para desafiarmos as imagens negativas nos meio de comunicação, e é fato concreto que, ao longo dos anos, as pessoas negras foram estereotipadas na arte por um racismo velado que mantinha viva a imagem monstruosa do corpo negro.

O racismo estrutural tornou-se meio fácil às pessoas que não se responsabilizam por suas atitudes criminosas e, ainda, continuam a invisibilizar pessoas negras em várias esferas. 

Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror

LEIA+: A REPRESENTATIVIDADE NEGRA NA ARTE TAMBÉM LIBERTA

Em Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror , a dra Robin R. Means Coleman, professora adjunta no Departamento de Estudos da Comunicação e no Centro de Estudos Afro-Americanos e Africanos da Universidade de Michigan, leva o leitor a uma viagem cinematográfica ao longo das décadas, mostrando como a representação de pessoas negras vem evoluindo — da desconstrução de estereótipos até o protagonismo narrativo e criativo com representatividade de qualidade.

Para homenagear o trabalho exemplar da dra. Coleman no livro Horror Noire, separamos um filme de cada década para visualizar e debater a evolução da representação dos negros no cinema de gênero.

ANTES DOS ANOS 20

Nascimento de Uma Nação, filme de terror

O Nascimento de uma Nação, 1915 // O clássico filme que se tornou um dos mais polêmicos da década, dirigido e roteirizado por D.W Griffith, acompanha a história de duas famílias que são afetadas pela Guerra da Secessão (1861-1865) fazendo com que a amizade entre as duas se dilua. No período histórico da Reconstrução que o filme tomou sua verdadeira forma, retratando o nascimento da Ku Klux Klan que se posicionava como “salvadora” de uma nação prestes a ser violentada por pessoas negras. Um filme cruel e doloroso que faz parte da história da representação negra no cinema. | Veja mais filmes de terror da década de 1920.

DÉCADA DE 1930

King Kong, filme macabro dos anos 1930

King Kong, 1933 // O filme é um clássico do cinema que já ganhou muitos remakes, mas a narrativa sustenta o estereótipo do homem negro serem representados como figuras perigosas, selvagens hupersexuais que se mostravam uma ameaça considerável para os brancos. No filme, um famoso diretor de cinema não consegue uma atriz para sua próxima produção, até que encontra uma jovem pobre, mas muito bonita, a quem imediatamente dá o emprego. A equipe viaja para uma ilha desconhecida e encontram uma tribo que venera Kong, um gigantesco macaco. A atriz é sequestrada e oferecida como oferenda para Kong que se apaixona perdidamente. | Veja mais filmes de terror da década de 1930.

DÉCADA DE 1940

Bem-Amada, filme macabro dos anos 1940

A Morta-Viva, 1943 // Betsey Connell (Frances Dee) é uma jovem enfermeira canadense contratada para cuidar de Jessica Holland (Christine Gordon), a mulher de um poderoso fazendeiro das Índias Ocidentais. Ela pensa que a esposa do seu patrão sofre de um tipo de paralisia mental resultante de uma febre tropical, já que ela costuma vagar pela torre da casa sem falar nada. Para tentar ajudar a moça ela vai recorrer a um costume africano da ilha caribenha: O vodu. O filme retrata os negros como se fossem infecciosos colocando pessoas brancas em risco, criando o principal estereótipo de mulheres brancas que se tornam vítimas de homens e/ou da cultura negra. | Veja mais filmes de terror da década de 1940.

DÉCADA DE 1950

O Monstro da Lagoa Negra, filme macabro dos anos 1950

O Monstro da Lagoa Negra, 1954 // Na Amazônia brasileira, Carl Maia (Antonio Moreno), um pesquisador, fotografa o que parece ser a nadadeira de um anfíbio que talvez estivesse extinto. Mas o que ninguém nota é a presença discreta de uma criatura com o mesmo tipo de nadadeira, que está bem viva e próxima a eles. Carl viaja para mostrar sua descoberta e obter apoio financeiro, mas ao retornar com outros pesquisadores, descobre que dois funcionários deles foram mortos. Eles rumam para a Lagoa Negra, mas, lá, acham uma misteriosa criatura anfíbia, que pode ser o elo perdido entre duas espécies (uma aquática, outra terrestre). Assim como em King Kong (1933), o filme sustenta o estereótipo de pessoas negras primitivas com a mensagem de que homens brancos evoluíram e outras raças estagnaram no tempo. | Veja mais filmes de terror da década de 1950.

DÉCADA DE 1960

A Noite dos Mortos-Vivos, filme macabro dos anos 1960

A Noite dos Mortos-Vivos, 1968 // Dirigido por George A. Romero, o filme se tornou um dos maiores marcos do cinema de gênero e quebrou barreiras ao colocar um protagonista negro que não era o primeiro a morrer. Acompanhamos a história de um grupo de sobreviventes que se refugia em uma casa quando os mortos começam a despertar misteriosamente de seus túmulos. O filme ganhou um remake em 1990, também chamado A Noite dos Mortos-Vivos, e traz Tony Todd no papel do personagem Ben. | Veja mais filmes de terror da década de 1960.

DÉCADA DE 1970

Shaft, filme macabro dos anos 1970

Shaft, 1971 // Ao ser contratado por um chefão da máfia do Harlem para localizar sua filha adolescente sequestrada, o detetive John Shaft (Richard Roundtree) acaba se metendo no meio de uma guerra entre gangues e traficantes. O filme foi importante para o Blaxploitation (movimento black power da década de 1970 focado no empoderamento e visibilidade de pessoas negras) ao trazer um personagem negro como protagonista. O uso exacerbado de violência é proposital para criticar com ironia a forma como as pessoas negras eram vistas pela sociedade. | Veja mais filmes de terror da década de 1970.

DÉCADA DE 1980

O Iluminado, filme macabro dos anos 1980

O Iluminado, 1980 // Baseado na obra de Stephen King, o filme acompanha a mudança da família Torrance (Jack, Wendy e Danny) para o Hotel Overlook por conta de uma oportunidade de emprego. A fama do hotel não é das melhores, pois dizem que todas as pessoas que trabalharam na época das grandes nevascas acabaram enlouquecendo e matando suas próprias famílias. Jack não acredita nas histórias, mas com o passar do tempo Danny e Wendy começam a perceber a mudança de comportamento de Jack, que se torna um homem mais violento e instável. No filme, o único personagem negro, Dick (Scatman Duvall) se apresenta como uma figura gentil, um homem disposto a ajudar a família em tudo o que precisam. O Iluminado invoca fortemente o estereótipo do negro mágico, o “personagem com poderes sobrenaturais que não são usados para benefício próprio, mas sim a serviço de pessoas brancas” (de acordo com a própria dra. Coleman), um conceito que se repete constantemente no cinema ao longo dos anos. | Veja mais filmes de terror da década de 1980.

DÉCADA DE 1990

Candyman, filme macabro dos anos 1990

O Mistério de Candyman, 1992 // A jornalista Helen Lyle é fascinada pela lenda de Candyman. A fim de desmistificar a crença e provar que o “ser” não existe, ela decide invocá-lo. Para seu azar, Candyman retorna e dá início a uma série de assassinatos cuja culpa recai sobre ela. Em Candyman, o estereótipo do homem monstruoso que tem como alvo a mulher branca é reforçado e trabalhou-se com o medo em relação às comunidades negras, que levanta reflexões a serem desconstruídas futuramente para esses olhares marginalizados. Um dos filmes mais aterrorizantes da década de 1990, Candyman (baseado no conto de Clive Barker) vai ganhar uma nova versão ainda em 2020 com roteiro e produção de Jordan Peele, e direção de Nia DaCosta. | Veja mais filmes de terror da década de 1990.

DÉCADA DE 2000

A Chave Mestra, filme macabro dos anos 2000

A Chave Mestra, 2005 // Como em muitas vezes antes no cinema, o voodoo (e várias outras religiões de matriz africana) é associado à maldade. Em A Chave Mestra, acompanhamos a enfermeira Caroline (Kate Hudson) que se muda para uma casa em Nova Orleans a fim de cuidar de um casal com deficiência. Caroline descobre uma porta que não consegue abrir, apenas com uma chave mestra. Conforme os dias passam, a enfermeira fica ainda mais obcecada e começa a desvendar o passado sinistro daquele “simpático” casal. Religiões de matriz africana sempre foram atacadas nos filmes de terror, e mostrada de uma forma agressiva como se o verdadeiro alvo de suas práticas fossem pessoas brancas. A falta de estudo e informação sobre a religião deixou impregnada a imagem associada à maldade. | Veja mais filmes de terror da década de 2000.

DÉCADA DE 2010

Nós, filme macabro dos anos 2010

Nós, 2019 // Em um refresco empoderador na década, Jordan Peele se tornou um dos mais importantes cineastas dos anos 2010. Ganhou prêmios importantes com seus dois filmes — Corra! e Nós —, incluindo Oscar de melhor roteiro, e lutou pelo protagonismo negro na frente e atrás das câmeras, bem como seu colega Spike Lee. Tema constante em suas obras, Jordan Peele aborda desigualdade social, privilégios e de como a constante violência que a sociedade produz pode vir a se tornar a destruição da própria. Em Nós, seu marco mais recente, Adelaide (Lupita Nyong’o) e Gabe (Winston Duke) levam sua família para passar o final de semana longe do estresse da cidade, mas veem sua viagem ser interrompida por um grupo de sósias que toma a família como refém. O protagonismo negro feminino quebra todos os tipos de estereótipos criados ao longo das décadas no cinema e traz personagens empoderadas e fortes esbanjando representatividade. Além de dar visibilidade no protagonismo, é importante enaltecer o time criativo que trabalha com Jordan, repleto de profissionais negros que ocupam espaços de poder na indústria. | Veja mais filmes de terror da década de 2010.

Observar a representação negra de O Nascimento de uma Nação (1916) e compará-la ao marco cinematográfico de Nós (2019) nos faz perceber uma grande diferença nos espaços e papéis ocupados. Antes ridicularizados e vistos como monstros, completamente objetificados, agora percebe-se uma cobrança do público e da classe artística de assumir o protagonismo merecido e respeitoso, que não faz uso de estereótipos maldosos e prejudiciais. Por mais dolorosa que a trajetória seja, ela se tornou importante para que as histórias sejam representativas e não apenas representadas.

Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror

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Publicado por

Blogueira literária e estudante de Jornalismo. Apaixonada por livros de fantasia e terror psicológico, se dedica principalmente à obras que promovam a visibilidade e representatividade negra na arte.