Eu tinha pesadelos quando era criança e, depois de uma noite particularmente assustadora, pedi para a minha mãe se ela podia entrar comigo dentro dos meus sonhos para manter o bicho-papão afastado. Ela respondeu o mais gentilmente que foi capaz que o sono era o único lugar no qual todos nós precisávamos ir sozinhos. Fiquei amedrontado. Mas aquela constatação iria se tornar a pedra fundamental de A Hora do Pesadelo. — Wes Craven
Com certeza você já discutiu com alguém sobre qual o vilão mais assustador do cinema nos anos 1980: Freddy Krueger ou Jason Voorhees. Um ataca nos sonhos, é difícil escapar; o outro é um ser real, carne e osso, pronto pra dilacerar as vítimas. Do que você tem mais medo?
A Hora do Pesadelo, de Wes Craven, impressionou o mundo em 1984. Os fanáticos por horror enlouqueceram, as bilheterias explodiram e até mesmo os críticos de cinema mais rabugentos pareceram levemente entusiasmados com essa peça de cinema de terror sombria, distorcida e consistentemente inteligente. E só ficou mais e mais popular ao longo dos anos. Os anos se passam e a internet tem cada vez mais curiosidades e fotos sobre a produção deste filme icônico.
O livro A Hora do Pesadelo: Never Sleep Again, de Thommy Hutson, foi lançado no Brasil pela DarkSide Books em uma edição impressionante de fã para fã, e catamos 5 coisas que você provavelmente não sabia sobre A Hora do Pesadelo para compartilhar com os leitores da Macabra.
1. O TÍTULO EM PORTUGUÊS É OPORTUNISTA
A explicação para o título está em um filme anterior, responsável por uma onda de grandes fenômenos populares no terror: A Hora do Espanto. Originalmente intitulado Fright Night, tem Roddy McDowall no papel de Peter Vincent, um apresentador de sessões de clássicos do terror na TV — e seu programa se chama, justamente, “A Hora do Espanto”. O sucesso do filme, que teve sua pré-estreia no Brasil em fevereiro de 1986, sendo lançado comercialmente três meses depois, foi tão grande que a crítica passou a chamar esse fenômeno do horror redivivo de “espantomania”. A Hora do Lobisomem, A Hora do Medo, A Hora da Zona Morta, A Hora dos Mortos-Vivos, A Hora das Criaturas e, sim, A Hora do Pesadelo ganharam estes títulos para aproveitar a onda oportunista do êxito alheio.
2. FREDDY KRUEGER ERA PARA TER SIDO UM PEDÓFILO
Craven comenta que durante o tempo que estava escrevendo o filme, o julgamento de McMartin estava acontecendo sem prazo para acabar. O caso dizia respeito a alegações de abuso infantil por parte de membros da equipe de uma creche até então bem-conceituada, de propriedade da família McMartin, na comunidade litorânea de Manhattan Beach, na Califórnia. Rumores de práticas de satanismo, crueldade com animais e abuso sexual fizeram com que os pais se tornassem histéricos, levando a um julgamento carregado de alegações difíceis de ser provadas, coerção e falta de testemunhas com credibilidade. “As crianças acusaram os professores de molestá-las de forma muito sistemática e durante muitos anos”, disse Craven. À medida que o julgamento prosseguia, e com falta de provas consistentes, começaram a considerar que a coisa toda era algum tipo de elaboração psicológica por parte das crianças. No final do processo, depois de anos de investigação e um julgamento longo e dispendioso, não ocorreu nenhuma condenação e todas as acusações foram retiradas em 1990. Mesmo assim, era um momento de extrema sensibilidade à questão de molestar crianças, de qualquer maneira, particularmente sexualmente. Isso foi parte do motivo pelo qual Freddy era descrito como um abusador de crianças, e foram muitos, muitos rascunhos disso. Mas ele decidiu reduzir seu assassino pedófilo a “apenas” um assassino de crianças.
3. ENGLUND DESCREVEU CRAVEN COMO “MEIO ALMOFADINHA”
Quando foi se encontrar com Craven pela primeira vez, Englund vestiu-se da forma mais punk rock e psicótica que conseguiu, inclusive com uma barba por fazer de quatro dias, e pronto para conhecer o homem que ele achava que seria parecido com Charles Manson. Mas ele estava errado. Em vez disso, Englund viu seu provável diretor como alguém “erudito, alto, meio almofadinha, Wes Craven vestido por Ralph Lauren”, diz ele. Um tanto atordoado, o ator se recuperou e usou o inesperado em sua vantagem. “Tentei calar a boca o máximo possível, mas acho que consegui me posicionar bem”, disse no livro.
4. A FILHA DE CRAVEN INTERFERIU EM UMA CENA DE NANCY
“Tem uma cena na qual Adrienne Barbeau está correndo dos bandidos e então tropeça e cai, como praticamente todas as mulheres em qualquer filme de ação ou de terror fazem em algum momento”, disse Craven. “E então a minha filha disse ‘Sabe, só porque sou uma garota não significa que eu tenha de ser desajeitada. Você não precisa fazê-las cair assim’.” E ela estava falando sério quando olhou fixamente para o pai e deixou claro: nunca mais faça isso. Anos depois, sua filha acredita que o sentimento continua sendo verdadeiro. “Nunca entendi por que as mulheres são retratadas como fracas, pouco inteligentes e vitimizadas em vários contextos”, diz Jessica. “Nunca entendi por que as mulheres têm de ser tão azaradas. Quando eu era criança, não fazia o menor sentido para mim que uma mulher não fosse capaz de correr sem tropeçar, do jeito que qualquer homem é capaz.” Criado por uma viúva, Craven sabia que o mundo real nem sempre tinha a donzela em perigo, caindo, desmaiando ou sendo resgatada nos braços de um homem. E então ele ouviu o conselho de sua filha. “Depois disso, sempre quis muito ter jovens heroínas que não tropeçassem e caíssem”, admitiu ele, “e que seriam capazes de lutar, se fosse necessário. Heather Langenkamp tinha essa qualidade, inquestionavelmente.”
5. CHARLIE SHEEN ACHAVA QUE O ROTEIRO NÃO ERA TUDO AQUILO
O ator que quase foi escalado para o papel de Glen, de fato, foi Charlie Sheen. Ele lembra que sua relação com A Hora do Pesadelo começou – e terminou – com a leitura do roteiro, o qual não chamou muito sua atenção. “Eu não o tinha entendido direito, mas mesmo assim me encontrei com Wes”, diz o ator. “E, quando então o encontrei, eu lhe disse ‘Com o devido respeito, e como um fã do seu talento, eu não consigo imaginar esse cara vestindo um chapéu engraçado, com um rosto apodrecido, num suéter listrado e cheio de dedos metálicos; eu simplesmente não vejo isso pegando’.” O jovem ator, recém-saído de Amanhecer Violento (1984) e prestes a trabalhar em Jovens Assassinos (1985), diz: “Não estava em condições de recusar filmes, mas também não queria começar a fazer filmes dos quais não me orgulharia”. Extrapolando sua reação ao material e ao papel, Sheen afirma sucintamente: “Eu não queria ser devorado por uma cama. Eu quero dormir em uma cama. Não quero ser devorado por uma cama”. Apesar de sua reação ao material – e sua relutância em se tornar uma refeição para travesseiros, cobertores e um colchão –, dizem que Sheen pediu três mil dólares por semana. Não foi o que aconteceu, desmente o ator. “Eu não subi o meu preço para me livrar do filme, porque só me tornei ganancioso anos depois. Isso aconteceu muito mais tarde”, ele ri. “Eu só não tinha entendido, e nunca mais interpretei erradamente um roteiro.” O ator, que conversou com Depp sobre sua experiência em A Hora do Pesadelo quando os dois mais tarde atuaram em Platoon (1986), de Oliver Stone, também lembra um encontro casual com Craven anos depois, onde o assunto surgiu. “Eu disse ‘É bom vê-lo novamente, sr. Craven. Lamento por aquela coisa toda com A Hora do Pesadelo’”, lembra Sheen. “E Wes respondeu ‘Não se preocupe com isso, mas Johnny Depp lhe agradece’.”
Comece a ler agora:
Thommy Hutson escreveu e produziu documentários sobre alguns dos filmes mais importantes do cinema de terror, incluindo Sexta-Feira 13, Pânico, A Volta dos Mortos-Vivos e, é claro, A Hora do Pesadelo. Além dos documentários, é um premiado roteirista de tv, com dois especiais de Scooby-Doo no seu currículo.