Horror é um gênero político. Seu nascimento está atrelado a isso, seu desenvolvimento comprova o mesmo a cada obra questionadora que sai. Usa-se a arte para denunciar, transformar, colaborar, desenvolver, desconstruir e subverter posturas questionáveis.
Em tempos de revolução, se educar é o básico. Na luta antirracista, todos os aliados podem colaborar de diferentes maneiras, e a união nesse momento fortalece os discursos e as narrativas que buscamos para melhorar a nossa sociedade.
O enorme sucesso de Corra! será sempre relembrado. A obra-prima de Jordan Peele lhe rendeu o Oscar de Melhor Roteiro Original e fala principalmente sobre o racismo, expondo e antecipando muitas das discussões que temos hoje.
Em tempos de pandemia, em que as pessoas precisam sair às ruas para protestar, pois não estão seguras dentro de suas próprias casas, em suas próprias ruas, em que deveriam ter direitos iguais de respostas de pessoas brancas mas são agredidos e mortos por policiais todos os dias, é necessário que prestemos atenção nas narrativas que são criadas e conheçamos a história, sobretudo, para que não continuemos cometendo erros passados.
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No que diz respeito ao horror, criadores e artistas negros sempre demonstraram o horror real de sobreviver em uma sociedade que os apaga e os silencia. O terror, como gênero, trabalha na necessidade de resposta, denúncia e crítica, dificilmente sendo dissociado da política ou do contexto em que a obra foi feita. Não é estranho, então, que tenhamos obras de pessoas não-brancas que discutem esses temas, como o racismo e o horror da vida real em sociedade.
Com a intenção de dialogar e dar visibilidade à luta, separamos alguns filmes que lançam luz em algumas questões necessárias ao momento, ou que ajudam a subverter um estereótipo criado principalmente para controle e silenciamento dessas vozes.
Além da Imaginação: Replay
Além da Imaginação, 2019 // Dirigido por Gerard McMurray e escrito por Selwyn Seyfu Hinds, o terceiro episódio da primeira temporada de Além da Imaginação, revival da série criada por Rod Serling em 1959 e produzida por Jordan Peele, conta a história de uma mãe que, em posse de uma máquina capaz de voltar no tempo, faz o possível para que um policial não assassine seu filho, que é negro.
Apesar de muitos comentários sobre o revival de Peele conter roteiros muito mastigados e uma discussão rasa, o episódio é um dos mais fortes da temporada, e traz em si uma realidade alarmante e terrível: a morte de jovens negros por policiais.
Ganja & Hess
Ganja & Hess, 1973 // Escrito e dirigido por Bill Gunn e protagonizado por Duane Jones e Marlene Clark, Ganja & Hess conta a história de Dr. Hess Green (Jones), um arqueólogo que está cuidando de uma escavação de uma antiga civilização de nome Myrtha. Hess sofre uma tentativa de assassinato de seu assistente, George (Gunn), que comete suicídio em seguida, não sem antes ferir Hess com uma lâmina pertencente a antiga civilização. Quando acorda, Hess percebe que suas feridas estão curadas, mas que agora sente uma enorme sede de sangue. Ao conhecer Ganja (Clark), esposa de seu falecido assistente, ambos iniciam um romance que pode ter consequências terríveis.
No ano de estreia do filme, quando percebeu que a crítica sequer se prestou a dar atenção a Ganja & Hess, sendo tratado com indiferença, Bill Gunn escreveu que “é horrível ser um artista negro nesse país. Se eu fosse branco, seria provavelmente chamado de “novo e diferente”. Se eu fosse europeu, Ganja & Hess poderia ser ‘aquele filme que você precisa ver’. Porque sou negro, eu não mereço nem o orgulho que um americano sente por outro americano quando descobre que um companheiro compatriota teve um filme selecionado como o único filme americano a ser exibido durante o Critic’s Week no Festival de Cannes. Nenhum crítico branco de nenhum dos grandes jornais sequer mencionou isso.”
Enquanto muitos dos filmes do período se tratavam principalmente de crimes e detetives, como o Shaft, de Gordon Parks, de 1971, a forma que Gunn encontrou de ser uma voz dentro do cinema, não estando nem no mainstream ou no cinema de revolução negra, foi dando aos seus personagens ares diferentes daqueles que eram comuns e associados a negros. Seus personagens eram, quase sempre, cultos e educados.
Queen and Slim
Queen and Slim, 2020 // Dirigido por Melina Matsoukas, com roteiro de Lena Waithe a partir de história original dela em conjunto de James Frey, Queen & Slim é um filme protagonizado por Jodie Turner-Smith e Daniel Kaluuya. No filme, Queen e Slim saem para um primeiro encontro que acaba desastroso: após serem parados por um policial por uma violação de trânsito pequena, Slim acaba pegando a arma do policial em forma de defesa contra ele e atira. Marcados como criminosos pela mídia, ambos precisam fugir pois sabem o que os espera se forem pegos. Quando um vídeo do incidente acaba se tornando viral, entretanto, ambos se tornam símbolo de trauma e terror para várias pessoas pelo país.
Durante uma entrevista promovendo o filme, Matsoukas foi questionada sobre trabalhar com dois atores britânicos que talvez não tivessem contexto sobre a brutalidade policial nos Estados Unidos. A diretora discorda, e afirmou que “para mim, a brutalidade policial na América não é um problema afro-americano, é um problema negro”. A escolha da diretora para que o filme começasse em Cleveland também não foi aleatória, e ela afirma que Waithe escreveu como aquele sendo o local de início da narrativa por alguns motivos: Cleveland é um lugar com pena de morte; era a última parada da Underground Railroad, uma rede de rotas de fuga no período da escravidão, antes dos escravos chegarem ao Canadá; e foi o local onde Tamir Rice, uma criança de 12 anos afro-americana foi morta por um policial racista.
Atlantique
Atlantique, 2019 // Dirigido pela diretora francesa Mati Diop, com roteiro escrito por ela e por Olivier Demangel , o filme se passa em um subúrbio na capital do Senegal, Dacar, onde homens tem passado por maus momentos sem receber o que lhes é devido de uma construtora da região. Sem dinheiro para suas famílias, os homens decidem atravessar o mar para conseguir melhor situação de sustento. Entretanto, há um terrível acidente e todos os homens acabam morrendo em alto mar. Enquanto isso, em terra, as mulheres que eles deixaram para trás começam a ter comportamentos misteriosos durante a noite, e situações estranhas começam a acontecer.
O filme, que contém uma história de amor em seu texto, é uma grande denúncia sobre as situações absurdas de trabalho que a população enfrenta, sem receber seu pagamento a meses e tendo que atravessar o oceano para conseguir um futuro melhor. Já vimos isso nos noticiários, acompanhamos a migração de pessoas dentro e fora de países para poderem sobreviver.
Com a submissão de Diop de Atlantique no festival de Cannes, ela se tornou a primeira mulher negra a participar da competição. Diop afirmou em entrevista para o site Numéro que “minha decisão de filmar meu primeiro filme em Dakar, na língua Wolof, foi política, um tipo de ruptura”.
Contos Macabros
Tales from the Hood, 1995 // Dirigido por Rusty Cundieff e escrito por ele em parceria com Darin Scott, o filme contou com produção executiva de Spike Lee. Em Contos Macabros, um diretor de uma funerária, Mr. Simms (Clarence Williams III) conta histórias assombrosas para uma gangue de três traficantes de drogas que vão até o local comprar drogas. Todas as histórias contadas são centradas em personagens negros e apontam temas principalmente de racismo. O primeiro segmento é sobre um policial negro que acompanha a truculência policial de uma equipe branca contra um ativista negro; o segundo segmento sobre um garotinho que sofre violência em casa de seu padrasto; o terceiro segmento sobre um senador que era membro da KKK e recebeu sua vingança; o quarto sobre um rapaz negro preso em uma cela com um supremacista branco; o último segmento com ligação direta entre os rapazes que ouvem a história.
Foi somente depois de uma mudança forte no cinema norte-americano que Cundieff conseguiu retomar seu projeto. A ideia de fazer uma sequência se seguiu ao lançamento do filme em 1995, e Cundieff lutou por anos para conseguir que fosse feita. Entretanto, ele acabou partindo para a direção de séries de TV. Finalmente, em 2018, conseguiu lançar a sequência, com Spike Lee novamente como produtor.
Bones, o Anjo das Trevas
Bones, 2001 // Dirigido por Ernest Dickerson, escrito por Adam Simon e Tim Metcalfe e estrelado por Pam Grier e Snoop Dogg, muitos podem pensar que o filme se trata muito mais de uma comédia, mas não se deixem enganar, o subtexto de Bones trata de racismo e problemas raciais, assim como os outros filmes da lista. Bones era um protetor na vizinhança que vivia, até ser traído e assassinado por um policial corrupto. Vinte anos depois, sua vizinhança se tornou um ghetto e sua casa está abandonada. Quando alguns jovens acordam o espírito perturbado de Bones, mal imaginam que ele está sedento de vingança.
Dickerson também dirigiu o filme Demônios da Noite, filme derivado de Tales from the Crypt, estrelando Billy Zane e Jada Pinkett Smith, como também trabalhou no filme Faça a Coisa Certa, de 1989, de Spike Lee.
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