Traduzido do NY Times, matéria de Anthony Breznican
Publicada originalmente em 3 de setembro de 2019
Stephen King não continuaria no mercado se tudo que ele tivesse para vender fosse o medo. Nas suas histórias aterrorizantes sobre um palhaço assassino metamorfo, um pai homicida em um hotel assombrado ou uma super gripe que destrói a população do planeta, o escritor implacavelmente e prolífico encheu suas páginas com mensagens de força, altruísmo e esperança igualmente poderosas. Isso provavelmente é o motivo pelo qual tantos leitores, muitos que descobriram seus livros quando eram crianças, se tornaram leais por mais de 45 anos de narrativa.
O autor está prestes a fazer 72 anos enquanto publica a sua 61ª obra, O Instituto, sobre crianças que apresentam habilidades sobrenaturais e são forçadas a participarem de estudos de uma organização sombria que as descarta brutalmente quando sua utilidade se esgota. Aqueles que pensam em King primeiramente pelo horror podem ficar surpresos com o tanto de calor que tem em um livro que parece tão frio.
O conceito do livro começou há mais de duas décadas, quando King – que já escreveu personagens com poderes psíquicos similares como solitários em livros como Carrie, O Iluminado, A Incendiária e A Zona Morta — imaginou uma escola inteira cheia dessas crianças. Quando ele começou a escrever o livro em março de 2017, ele não pensou nisso como uma história de horror, mas sim como uma história de resistência. Luke, um gênio telecinético de 12 anos, Kalisha, a adolescente leitora de mentes e Avery, a canalizadora de energia de 10 anos, formando uma rebelião dentro de seu centro de detenção.
“Eu queria escrever sobre como pessoas fracas podem ser fortes”, disse King, falando no telefone de sua casa em Bangor, Maine. “Nós estamos cada um em sua ilha, e ao mesmo tempo às vezes nós podemos gritar uns com os outros e nos unir que é quando existe um senso de comunidade e empatia. Eu amo isso. Eu amo isso nas histórias.”
“Isso nunca funciona de verdade em um sermão”, ele adiciona. “Parece falso quando você diz ‘amigos fazem as coisas melhores’, mas quando você conta uma história, as pessoas entendem. Todo mundo quer ter um amigo porque isso é basicamente algo solitário, a vida.”
King reconhece que O Instituto compartilha esse tema com seu épico de 1986, It: A Coisa, que provocou um ressurgimento de adaptações de filmes e TV de seu trabalho após o sucesso de bilheteria da versão cinematográfica de 2017. A sequência, It: A Coisa — Parte 2, que adapta a metade adulta de seu romance, estreou nos cinemas dia 6 de setembro. As tramas de It: A Coisa e O Instituto são completamente diferentes, mas no centro de cada história há algo que o autor diz que importa cada vez mais para ele hoje em dia: não criar medo, mas dissipá-lo.
“Um dos desafios quando você está por aí há tanto tempo quanto eu e pensa que explorou todos os cantos da sala, é se perguntar: ‘Quais são as coisas que realmente me preocupam? Quais são as coisas com as quais eu me preocupo?’”, diz King. “Bem, eu me preocupo com amizade. Eu me preocupo com um governo que é muito grande e que tentará fazer coisas em que os fins justificam os meios. Eu me preocupo com pessoas indefesas que tentam encontrar uma maneira de se defender. Todas essas coisas estão em O Instituto.”
Ele ainda pode escrever cenas horríveis e angustiantes, mas os amigos de King dizem que notaram uma mudança em suas histórias. “Em geral, muitos dos trabalhos recentes de Steve se tornaram mais otimistas”, diz Bev Vincent, autor de The Stephen King Illustrated Companion e co-editor, com King, da antologia de contos Flight or Fright. Ele cita o livro de King do ano passado, Elevation, uma novela cômica sobre um homem que literalmente derrama o peso do mundo e começa a sumir, e A Pequena Caixa de Gwendy, a colaboração que King escreveu com o editor da Cemetery Dance, Richard Chizmar, sobre uma engenhoca que gera boa sorte ao infligir infortúnios em outros lugares.
“Elas tiveram finais felizes. Elas tinham pontos de vista otimistas sobre a humanidade, tanto indivíduos quanto grupos de pessoas, mesmo quando havia alguns idiotas na mistura”, diz Vincent. “Ele está amadurecendo seu ponto de vista do mundo ou isso sempre esteve em seus livros? Em última análise, talvez haja uma perspectiva positiva da humanidade subjacente a tudo.”
Atualmente, King está menos apaixonado por suas histórias mais sombrias, como Cemitério Maldito. Quando os diretores do remake da primavera passada estavam planejando uma cena final para o filme, ele propôs uma idéia que poupava o personagem jovem que matou no romance original (eles não fizeram isso).
Embora ele geralmente mantenha distância das adaptações de seu trabalho, ele está abrindo uma exceção com A História de Lisey, de 2006 — uma história de amor sobrenatural sobre uma mulher se restabelecendo após a morte do marido — e ele está escrevendo todos os episódios da série da Apple TV produzida por J.J. Abrams e que estrelará Julianne Moore. Para a próxima adaptação da CBS All Access de sua saga sobre o fim do mundo, A Dança da Morte, ele escreveu um novo final que soa como um felizes para sempre para os dois sobreviventes do apocalipse. “Existia há anos”, diz ele melancolicamente. “Eu sempre quis descobrir o que aconteceu com Stu e Frannie quando eles voltaram.”
Tudo o que posso dizer é que escrevi na Era Trump. Eu senti cada vez mais a sensação de que pessoas fracas, desprovidas de privilégios e pessoas que não são o padrão americano branco estão sendo marginalizadas. — Stephen King
Chizmar vê muitos de seus amigos e colaboradores nas crianças de O Instituto. “Acho que Steve é uma criança grande”, diz ele. “Você tem adultos com poder, crianças que representam o bem e a inocência e eles se unem para recuperar esse poder. Agora ele é avô e dedicou o livro aos três netos, e acho que ele tem um pouco de cinismo pelos homens mais velhos, mas é esperançoso quanto aos jovens.”
Por um tempo, King considerou tornar os vilões de o O Instituto o mesmo grupo que caçou o pirocinético Charlie McGee em A Incendiária, dos anos 1980.
“Pensei no começo: ‘Bem, eu vou fazer eles serem A Oficina, eles que estão prendendo essas crianças'”, diz ele. “Mas então pensei: ‘Não, eu realmente não quero que isso seja um acordo do governo’.” Em vez disso, ele decidiu que os antagonistas deveriam ser fanáticos do capital privado.
Então, quando King se aproximou da conclusão do livro no verão passado, as coisas ficaram estranhas. Os acontecimentos gerais de O Instituto começaram a se assemelhar ao que estava acontecendo na vida real: Crianças, buscando asilo na fronteira, estavam sendo removidas de seus pais sob a política de separação familiar do governo. “Tudo o que posso dizer é que escrevi na Era Trump. Eu senti cada vez mais a sensação de que pessoas fracas, desprovidas de privilégios e pessoas que não são o padrão americano branco estão sendo marginalizadas”, diz King. “E em algum momento durante o trabalho no livro, Trump realmente começou a prender as crianças.” Pelo menos sete crianças morreram sob custódia da imigração desde que a política foi exercida. “Isso foi assustador para mim, porque era realmente como eu estava escrevendo”, King diz. “Mas eu não quero que você diga que isso estava na minha mente quando eu escrevi o livro, porque eu não sou uma pessoa que quer escrever alegorias como A Revolução dos Bichos ou 1984.”
Como qualquer um dos 5.4 milhões de seguidores de King no Twitter podem atestar, ele prefere guardar suas opiniões para as mídias sociais. Os romances são um lugar para explorar a natureza humana, não os eventos atuais. “Mas se você diz a verdade sobre como as pessoas se comportam, às vezes você descobre que a vida realmente imita a arte”, diz ele. “Eu acho que, neste caso, isso realmente aconteceu.”
King não afirma ter habilidades psíquicas ou ter visões do futuro, mas pode possuir um poder extra-sensorial que parece estar em falta: empatia.