A versão de John Carpenter de O Monstro da Lagoa Negra

Garras, sangue e mortes macabras: o remake de John Carpenter de O Monstro da Lagoa Negra teria sido muito mais violento que o filme original. Saiba mais sobre o projeto cancelado.

Não é exagero dizer que o sucesso dos Monstros Clássicos da Universal é algo que tenta ser repetido ainda hoje. Ao longo dos anos, mesmo com as altas e baixas do cinema de gênero, os Monstros Clássicos permanecem sendo um fenômeno referenciado, estudado e amado de quase cem anos.

Os Monstros da Universal pelas mãos de Alex Ross.

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Antes do fiasco que ficou conhecido como Dark Universe em meados da década de 2010, o final dos anos 1980 e 1990 viram uma tentativa de reproduzir esse esplendor dos primeiros anos dos filmes de terror.

Vários cineastas de renome do período lutaram para realizar suas visões dos Monstros Clássicos. Um dos mais conhecidos e que deixa um gosto amargo na lembrança ao nos perguntarmos “como seria” é o filme de A Múmia de Clive Barker. Mas, lado a lado concorrendo pelo pódio de grandes filmes que nunca aconteceram, está a versão de John Carpenter de O Monstro da Lagoa Negra.

O clássico de Jack Arnold

Nas profundezas da selva amazônica, uma criatura de eras passadas faz morada. Um grupo de pesquisadores chega ao local procurando fósseis e acaba descobrindo, na verdade, algo vivo — que respira, tem vontades e observa, à espreita, enquanto os pesquisadores seguem desavisados de sua presença. 

O Monstro da Lagoa Negra chegou atrasado aos Monstros da Universal. Já na última leva de filmes de terror da era de ouro do estúdio, os monstros do primeiro panteão — Frankenstein, Drácula, A Noiva, A Múmia, e até mesmo o Lobisomem, que surgiu apenas nos anos 1940 — já haviam tido filhos, se encontrado em outros filmes e até feito comédia. Então, em um último impulso, surgiu um dos queridinhos do público. Hoje, a criatura de O Monstro da Lagoa Negra estampa camisetas, canecas, acessórios, e tem um verdadeiro culto ao seu redor.

Com cenas aquáticas gravadas magistralmente, uma das coisas que mais chama a atenção na criatura é seu visual anfíbio, criado por Milicent Patrick, hoje uma das mais conhecidas designers de monstros do cinema — e uma das primeiras. A história de Patrick, de apagamento e sabotagem, foi contada por Mallory O’Meara no livro A Dama e a Criatura, e o sucesso do livro só aumentou o carinho pelo filme e seu monstro.

A (primeira) tentativa de remake

Na verdade, tudo começou quase uma década antes de John Carpenter se envolver com a ideia. Em 1982, a Universal estava tirando a poeira de suas aquisições e se deparou com esse famoso filme, pensando que seria uma boa ideia trazê-lo de volta à superfície. Quem encabeçava a ideia era John Landis, conhecido por seu sucesso Um Lobisomem Americano em Londres. Landis queria que Arnold dirigisse o remake, que seria escrito por Nigel Kneale. Kneale fizera sucesso com o seriado de 1953, The Quatermass Experiment — que foi transformado em filme em 1955 pela Hammer e recebeu o nome Terror que Mata no Brasil.

Rick Baker, David Naughton e John Landis no set de Um Lobisomem Americano em Londres, 1981.

Tudo ia bem, aparentemente. Landis estava empolgado, mas o projeto foi cancelado assim que apareceu a primeira rusga entre o produtor e o estúdio. Pelo que sabemos, Landis queria gravar o filme em 3D, assim como o primeiro foi gravado. Mas a Universal bateu o pé e disse que não existia essa possibilidade. E, correm os boatos, o único motivo para que o filme não fosse gravado em 3D era o lançamento de Tubarão 3 — no original, Jaws 3D — que seria lançado em 1983. 

De acordo com o artigo “Whatever Happened to John Carpenter’s Creature From The Black Lagoon?” no site Den of Geek, ainda nos anos 1980, os nomes de Joe Dante e Mike Finnell apareceram ligados ao projeto. Dante e Finnell, como diretor e produtor respectivamente, trabalharam juntos em Gremlins (1984), Viagem Insólita (1987), Meus Vizinhos São um Terror (1989),  Pequenos Guerreiros (1998), entre outros. Aqui, também, não sabemos até onde o projeto foi adiante, se chegou a ter um roteiro ou algo parecido, mas também foi cancelado prematuramente.

John Carpenter entra na parada

No começo dos anos 1990, Carpenter já havia dirigido alguns dos maiores sucessos de sua carreira, como Halloween: A Noite do Terror (1978) e Eles Vivem (1988). Mas, alguns de seus outros filmes não foram tão bem recebidos assim, como é o caso de O Enigma de Outro Mundo (1982). Apesar de hoje ser considerado um dos maiores filmes do cineasta, O Enigma de Outro Mundo recebeu várias críticas negativas e levou anos para encontrar seu público. Muito disso se deu por se tratar de um remake de um clássico da ficção científica, O Monstro do Ártico (1951), do diretor Christian Nyby, que já tinha sua horda de fãs. 

Carpenter recuperou seu prestígio em Hollywood principalmente após aceitar trabalhar em Memórias de um Homem Invisível. O próprio Chevy Chase, astro principal do filme, pensou em Carpenter como diretor. Mas o filme parecia desastroso: dois diretores de renome, Ivan Reitman e Richard Donner, haviam negado a direção de Memórias… anteriormente.

Memórias de um Homem Invisível, 1992.

Roteiros começaram a pipocar em sua mesa, e ele estava trabalhando na ideia de um filme de ação com a Cher. Como conta o artigo no Den of Geek, Carpenter esteve em uma reunião com o presidente da Universal na época, Tom Pollock, que lhe ofereceu qualquer filme que estivesse dentro dos direitos da Universal para que Carpenter trabalhasse. Carpenter, pelo que disse em entrevistas, pensou direto em um remake do clássico de Jack Arnold. 

Para esse remake, o cineasta convidou o roteirista Bill Phillips, que já havia trabalhado com Carpenter na adaptação de Stephen King para as telas em Christine, o Carro Assassino. Carpenter chamou também a lenda dos efeitos especiais, Rick Baker. Parece o filme dos sonhos, não é?

Rick Baker aplicando as maquiagens em Michael Jackson para o videoclipe Thriller.

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Mas a maldição que toma conta da vida de vários cineastas assolou Carpenter. Memórias de um Homem Invisível não foi o sucesso que o estúdio esperava — mas foi um filme difícil e não tão querido assim que os próprios diretores que recusaram o projeto já imaginavam. Isso jogou um balde de água fria no remake tão aguardado pelo cineasta, e acabou fazendo com que a Universal suspendesse a produção. 

O que sabemos sobre o remake

Em 2019, depois de 27 anos do projeto ter ido por água abaixo, Austin Hill, do site Universal Monsters Universe, conseguiu colocar as mãos no roteiro de Bill Phillips. Escrito pelo roteirista e datado de 8 de maio de 1992, o documento é um primeiro rascunho do que poderia ter vindo a ser o remake de Carpenter.

O Monstro da Lagoa Negra, 1954, dirigido por Jack Arnold

Hill não divulga o roteiro completo em seu artigo, mas nos dá uma noção do que aconteceria no filme. Para começar, a equipe seria composta de nove pessoas: Pete Hazard, 51 anos, e antagonista principal; Abel Gonzales, 32, e herói da trama; Cirri Thompson, 29, que assumiria o papel de Kay de chamar a atenção da Criatura e se compadecer de sua situação (diferente do filme original); Jake Hayman, 47; Jean-Claude Gaston, 30, o primeiro mergulhador a desaparecer; Adolpho Palminteri, 35; Bobby Whittaker, 27; Hector Ramirez, 40, local, responsável por se lembrar das lendas e histórias amazônicas; e Mary Peirson, 49.

John Carpenter. Ao fundo, podemos ver uma estatueta da Criatura de O Monstro da Lagoa Negra, criada por Rick Baker como protótipo para o remake do cineasta.

Outro ponto que chama a atenção de Hill e ele nos conta em seu texto é que o filme seria classificado como R — que, nos Estados Unidos, significa que só pode ser visto por pessoas abaixo dos 17 acompanhados pelos pais. Isso, principalmente, por causa da quantidade de sangue que o filme teria. Dos nove personagens listados, sete seriam mortos pela Criatura de formas extremamente sangrentas, que incluíam decapitação, garras afiadas nos rostos e pescoços, coluna e rosto esmagados, e até um deixado quase morto para que piranhas terminassem o serviço.

O Monstro da Lagoa Negra, 1954, dirigido por Jack Arnold

O rascunho teria cerca de 118 páginas, e ajuda a construir uma história bem coesa, de acordo com Hill. Além disso, teríamos vários detalhes sobre a história da Criatura, seu povo, e até uma construção de três pirâmides com hieróglifos nas profundezas da Lagoa Negra. Muito da questão ambiental (em 1992!) sobre a Amazônia também surge ao longo da história, o que, sem dúvida, é bastante interessante.

E, para completar, podemos contemplar como teria sido a visão de Rick Baker para a Criatura de O Monstro da Lagoa Negra. A imagem foi divulgada pelo estúdio Tom Spina Design no instagram e no Twitter este mês, mas já havia sido recuperada em meados de 2019.

*

Teria sido um baita de um remake. Com enormes diferenças para o filme original, infelizmente podemos apenas sonhar com o que teria acontecido.

Nós não tivemos o remake de John Carpenter mas, algumas décadas mais tarde, ganharíamos a visão de Guillermo del Toro para seu filme do coração em A Forma da Água, uma homenagem pra lá de especial para o filme de Jack Arnold.

E você, teria gostado de assistir ao remake de John Carpenter? Comente este post com a Macabra no Twitter e Instagram.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.