Adaptações macabras direto da cripta dos horrores

Conheça a história da EC Comics e o impacto definitivo nos quadrinhos e filmes antológicos de horror que tanto amamos

Com as recentes notícias da série Creepshow (produzida pela Shudder, a mesma do excelente documentário Horror Noire), incluindo a ansiedade pelo filme The Creep e a recente tentativa fracassada de reviver Tales from the Crypt para a TNT, ficou claro que antologias de terror com bases fantasmagóricas têm um poder duradouro sobre público.

Como muitos apreciadores do gênero devem saber, essas adoradas antologias devem muito aos quadrinhos de terror da EC Comics, que rapidamente alcançaram a fama após sua primeira publicação em 1950, antes de serem eliminados em um breve 1955. No entanto, esses poucos anos bastaram para influenciar para sempre o cenário do terror.

A EC Comics (originalmente Educational Comics) foi criada por Max Gaines e focada em histórias patrióticas, contos da Bíblia e fábulas de animais fofos em forma de quadrinhos. Exatamente o tipo de saída que você espera de uma empresa com um nome como “Quadrinhos Educacionais”. O problema é que no final dos anos 40, as crianças tinham se cansado e abandonado esse tipo de história em favor dos quadrinhos de super-heróis e aventura. Eis que EC Comics foi irrevogavelmente alterada em 1947, quando Max Gaines morreu em um trágico acidente de barco e seu filho William M. Gaines, então com 25 anos de idade, relutantemente assumiu o controle da empresa em declínio.

William contratou o artista Al Feldstein e descobriu que eles compartilhavam um amor comum por coisas macabras que acontecem à noite, de certa forma unindo suas memórias assustadoras de infância com os shows de terror radiofônicos que cresceram ouvindo. Como era de se esperar com mentes tão inovadoras, eles também descobriram que odiavam a atual linha de quadrinhos da empresa, o que resultou em um foco nos gêneros que os entretinham — horror e thrillers — e a mudança do nome Educational Comics para Entertaining Comics.

Em 1950, eles lançaram o Vault of Horror e Crypt of Horror, que foi renomeado para nosso idolatrado Tales from the Crypt. Neles, contos horríveis de sangue e moralidade foram introduzidos por anfitriões assustadores como Cryptkeeper, Old Witch e Vault-Keeper, que entregaram trocadilhos cheios de aliteração para apresentar suas histórias medonhas. Graças em grande parte a esses personagens, os quadrinhos de terror da EC se tornaram um sucesso imediato.

Cryptkeeper, Old Witch e Vault-Keeper na criação de Al Feldstein

Mas a década de 1950 também deu origem à palavra “adolescente” e, com isso, ao medo generalizado da delinquência juvenil por conta da independência aumentada e sem precedentes desses adolescentes. O que, é claro, levou os políticos e a elite social a procurarem uma causa-raiz para culpar. Surpresa, surpresa! Eles recaíram ao bode-expiatório usado por dez entre dez idiotas carrancudos de terno e gravata: filmes, música e histórias em quadrinhos. Na vanguarda da cruzada estava o Dr. Frederic Wertham, um psiquiatra que testemunhou que “Hitler era um novato em comparação com a indústria dos quadrinhos” no Subcomitê do Senado dos Estados Unidos sobre Delinquência Juvenil, que se concentrava nos quadrinhos de terror em particular.

Gaines falou ao comitê com lógica; dizendo que seus quadrinhos eram simples contos de moralidade que sempre viam o criminoso recebendo sua punição. Além disso, também dissertou sobre como a delinquência juvenil era uma questão muito mais complexa, influenciada por muitos fatores, e não pelos quadrinhos.

O comitê não encontrou nenhuma conexão entre quadrinhos e delinquência, mas isso não importava. O Senado pediu a autorregulação na indústria dos quadrinhos, e os distribuidores ficaram com muito medo de vender os quadrinhos de terror (algo parecido aconteceu na década de 1980, dessa vez com a música no contexto e Dee Snider, vocalista da banda Twisted Sister, sentado à frente do senado americano; mas Dee acabou com eles, e nós o agradecemos por isso!). Na década de cinquenta, o senado venceu, e a marca de terror da EC se dissipou em um piscar de olhos. Em 1956, o único traço remanescente da existência da EC Comics era o da revista Mad.

Mesmo em seu curto mandato como o rei dos quadrinhos de terror, a EC Comics inspirou muitos filmes de sucesso, séries de TV e até desenhos animados. Aqui estão algumas das produções mais conhecidas geradas pelas fábulas macabras da EC Comics.

Casa dos Horrores do Dr. Terror

Casa dos Horrores do Dr. Terror (Dr. Terror’s House of Horrors, 1965)
Dr. Terror’s House of Horrors, 1965 // Na primeira de muitas antologias de horror da Amicus Productions, o escritor e produtor Milton Subotsky estava tentando seguir os passos de sucesso da antologia de 1945, Dead of Night, mas a influência da EC Comics é clara. A trama apresenta Peter Cushing como Dr. Schreck, que usa cartas de tarô para contar o destino de cinco estranhos a bordo de um trem. As histórias flertam com vodu, lobisomens, plantas assassinas, vampiros e uma mão desencarnada. Anos depois, em 1997, algo semelhante originaria A Maldição de Quicksilver, com contos de Stephen King e Clive Barker, e a presença divertidíssima de Christopher Lloyd.

Contos do Além

Contos do Além (Tales from the Crypt, 1972)
Tales from the Crypt, 1972 // Subotsky finalmente persuadiu Max Rosenberg, sócio da Amicus, a adquirir os direitos da EC Comics de Tales from the Crypt, que veio com uma cláusula de proprietário dos direitos autorais Gaines — ele manteve a aprovação do roteiro. O resultado é uma antologia de maior orçamento da Amicus Production, com cada um dos cinco segmentos ressuscitando um conto de The Haunt of Fear e Tales from the Crypt. O cenário envolve um grupo de turistas perdidos nas catacumbas até que eles se deparam com o Guardião da Cripta, que conta a história de como eles vão morrer.

A Cripta dos Sonhos

A Cripta dos Sonhos (The Vault of Horror, 1973)
The Vault of Horror, 1973 // Seguindo os contos de Tales from the Crypt veio a antologia The Vault of Horror, também da Amicus Productions, que infelizmente não teve o mesmo impacto que seu antecessor. A produção envolve cinco homens presos em um prédio de escritórios que decidem passar o tempo compartilhando pesadelos. A maioria das histórias é retirada dos quadrinhos Tales from the Crypt, mas a quinto vem de Shock SuspenStories.

Creepshow e Creepshow 2

Creepshow (1982)
Creepshow, 1982; Creepshow 2, 1987 // E chegamos aos nossos amados George A. Romero e Stephen King, com histórias escritas por King para o filme ou adaptadas dos contos existentes de King, embora o estilo e a influência sejam claramente uma homenagem à EC Comics. Ambos os filmes seguem um formato de história em quadrinhos; Creepshow vê seu jovem protagonista sendo duramente repreendido por ler quadrinhos de terror, o que traz o horripilante Creep até sua janela, para ajudá-lo em sua vingança.

Créditos finais de Creepshow 2 (1987)

A versão do Creep em Creepshow 2 é muito diferente na aparência, embora seu propósito permaneça o mesmo — girar os fios do carma de maneira horrível e ajudar o protagonista em sua vingança. Os dois longas assumem a ousada e colorida estética dos quadrinhos e usam sequências de animação para entrelaçar ainda mais o filme com sua inspiração gráfica. Em outras palavras, esses filmes usam suas as influências da EC por baixo (e por cima) dos panos. De forma mais reveladora, o quadro final de Creepshow 2, após os créditos finais terem sido feitos, faz uma referência direta à própria “coisa bizarra” que condenou a EC Comics — a guerra aos quadrinhos associada a delinquência juvenil.

Contos da Cripta

Contos da Cripta (Tales from the Crypt, 1989-1996)
Tales from the Crypt, 1989-1996 // Durante sete anos, a HBO publicou 93 episódios de terror baseados em The Haunt of Fear, The Vault of Horror, Crime SuspenStories, Shock SuspenStories, e Two-Fisted Tales. Trazendo o círculo completo da EC Comics, o canal premium fez com que as adaptações desses contos pudessem ser livres de censura, permitindo a expressão explícita, nudez e violência. Impulsionado por um cadáver animado e brincalhão, Cryptkeeper (dublado por John Kassir e trazido à vida por muitos operadores de marionetes), Contos da Cripta se tornou uma série extremamente popular que deu lugar a um desenho animado voltado para crianças, filmes derivados de Demon Knight, Bordello of Blood e Ritual, séries de rádio, programas de jogos, álbuns e muito mais.

BÔNUS: Mulher Nota 1000

Mulher Nota 1000 (Weird Science, 1985)
Weird Science, 1985 // Não, não é de forma alguma uma produção de horror, mas o amado John Hughes, nos anos 80, dirigiu uma comédia de ficção científica sobre dois nerds adolescentes que mudam suas vidas quando tentam criar (literalmente) a mulher perfeita. A adaptação cinematográfica incorporou-se à memória da cultura pop e chegou inclusive a gerar uma série de TV (bem estranha por sinal…). O enredo é baseado na EC Comics Weird Science, ou seja, na edição cinco de Made of the Future de Al Feldstein. Então, embora não seja tecnicamente horror (apesar de Chet ter sido transformado em um monstro-bosta hehehe), incluímos na lista para mostrar o quão difundido o gênero da EC Comics se tornou para as gerações futuras, mesmo fora do reino do terror.

Texto traduzido do site Bloody Disgusting.

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