Antes do terror na literatura e no audiovisual, o gênero existia e era passado adiante através da contação de histórias, através da oralidade. Para se contar uma boa história é necessário que haja, de alguma forma, uma interação com a sua audiência. É importante que quem está contando a história saiba narrar aquele acontecimento ou ficção.
As histórias de terror, desde aquelas contadas oralmente e a literatura até os filmes modernos, funcionam com uma série de recursos para fazer a audiência reagir.
O jumpscare, nada mais é, do que um desses recursos. O suspense que paira no ar e aguarda. Como naquelas brincadeiras de criança, quando alguém está contando uma história de terror e um amiguinho puxa o pé do outro.

Nos últimos anos, porém, o jumpscare ficou um pouco saturado na indústria audiovisual do terror. Não é incomum se deparar com os fãs dizendo “não gostei desse filme, ele tem muito jumpscare”, ou “típico filme pra dar sustinho”.
Mas, afinal de contas, o recurso foi tão utilizado que está esgotado ou os fãs têm procurado outra coisa no terror? Vem com a Macabra tentar desvendar esse mistério.
Por que o jumpscare é (ou deveria ser) tão efetivo
Quando tomamos um susto, temos algumas reações imeadiatas: podemos tentar fugir, paralisar, ou até mesmo tentar reagir e lutar. Descrito em 1915 por Walter Bradford Cannon, e inicialmente chamado de “resposta de luta ou fuga” [fight-or-flight response], esse instinto surge quando se percebe alguma coisa prejudicial prestes a acontecer, ou ataque ou ameaça à sobrevivência.
De certa forma, a técnica do jumpscare fala diretamente com esse instinto. Os saltinhos e gritinhos quando nos assustamos conversam com essa ideia. O que nos impede de correr quando algo salta na tela é a percepção racional de que estamos seguros naquele espaço, e apesar de sentirmos medo, nos mantemos nas cadeiras — mas quantas vezes já não vimos pessoas correndo com um susto? Aquelas antigas pegadinhas no início da internet, com um fantasma surgindo repentinamente na tela do computador devem ter feito muitos amigos seus fugirem, nós sabemos.
A explicação para reagirmos assim está no nosso cérebro. De acordo com a explicação mais didática, “a medula adrenal produz uma cascata hormonal que resulta na secreção de catecolaminas, especialmente norepinefrina e epinefrina. Os hormônios estrogênio, testosterona e cortisol, bem como os neurotransmissores dopamina e serotonina, também afetam a forma como os organismos reagem ao estresse”. Ou seja, tem muita química envolvida na simples reação a um susto.
O jumpscare no audiovisual: o início
Apesar de ser uma técnica tão comum usada nos filmes e séries de terror hoje, o jumpscare teve seu primeiro representante (que sobreviveu aos filmes perdidos) em 1925, com a adaptação de O Fantasma da Ópera protagonizada por Lon Chaney. Em uma cena bastante icônica, que costuma ser reproduzida à exaustão pela internet, quando o Fantasma retira sua máscara e mostra sua verdadeira face para a pobre Christine Daae, há um susto em cena que é repassado ao espectador.

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A interação entre a cena de jumpscare e a resposta do espectador pode ser construída de várias formas. Hoje, a música crescente é um dos grandes aliados nessa técnica, mas O Fantasma da Ópera é um filme mudo, que não teve música sincronizada. Algumas sessões foram sonorizadas ao vivo, e houve uma versão, de 1930, em que a música foi adicionada, mas se perdeu em um incêndio. O que sabemos é que foi um susto muito eficaz, e alguns documentos da época nos mostram que pessoas saíram do cinema assustadas.
Apesar desse susto surpresa em O Fantasma da Ópera, o período clássico dos monstros da Universal que sucedeu a ele não chegou a ter grandes jumpscares. A técnica retornou, até onde podemos rastrear, em 1940, com Sangue de Pantera, de Jacques Tourneur — incluindo, também, um jumpscare falso, que se tornou também muito comum nos filmes mais recentes do gênero.

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Nas décadas seguintes, a técnica passou a ser mais utilizada, tanto nos filmes de ameaças nucleares dos anos 1950 quanto no marketing agressivo de William Castle em 1960 e 1970. Nesse meio-tempo, porém, surgiu um filme que utilizou a técnica de forma magistral, transformando para sempre a história do terror.
A cena do chuveiro

Robert Bloch, considerado um dos grandes talentos do suspense e do horror, publicou sua obra mais famosa em 1959. Apenas um ano depois, um dos grandes nomes do cinema adaptaria Psicose para os cinemas, trazendo ainda mais atenção a Bloch e guiando os filmes de terror a um outro patamar.
A história de Norman Bates e sua relação complicada com sua mãe se tornou um clássico instantâneo, em partes pelos esforços de Hitchcock para que ninguém estragasse as surpresas que seriam encontradas ao longo do filme e, em uma parte maior ainda, exatamente por causa dessas surpresas.


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A famosa cena do chuveiro é um momento de tensão aterrorizante e muito bem construído, e muito disso se deve à música composta por Bernard Herrmann. Enquanto Marion está no chuveiro, acompanhamos uma sombra chegar lentamente conforme a música aumenta, e ao público só resta, indefesos, acompanhar o destino de Marion se concretizar. Apesar de termos uma noção do que vem a seguir, ainda somos pegos de surpresa.
O jumpscare pós-Hitchcock
Para muitos críticos, foi Psicose, de Hitchcock, que deu o início para o jumpscare que conhecemos hoje, e, que de certa forma, até mesmo aguardamos. Mas, nos idos de 1960 e 1970, a técnica ainda era eficaz e pegava mesmo a audiência no pulo.

Temos algumas técnicas que foram utilizadas exaustivamente nos anos do terror pós-Hitchcock. Nos anos seguintes a Psicose, filmes como Repulsa ao Sexo, de Roman Polanski, também conseguiram criar climas de tensão enervantes em algumas cenas. Em Repulsa ao Sexo, temos o que muitos consideram o primeiro jumpscare “por espelho” — aquele que, quando um personagem está de frente para um espelho ou uma cobertura espelhada que se encontra em uma porta (na maioria das vezes em um armário de banheiro), quando ele abre e fecha a porta, vê um outro personagem atrás dele, se assustando e assustando os espectadores.

Ainda nessas duas décadas, outro jumpscare que ficou famoso e logo seria reproduzido exaustivamente é o de final de Carrie, de Brian de Palma, primeira adaptação de um livro de Stephen King. Cheio de cenas icônicas, o final de Carrie tem um lugar especial na história do jumpscare.
O desgaste do jumpscare
Foi nos anos 1980 que o jumpscare e o falso jumpscare alcançaram os maiores níveis de aproveitamento — e de saturação. O slasher trouxe um aproveitamento massivo dessa técnica, com cada filme tendo muitos momentos de sustos repentinos. Mas, conforme bem sabemos, quanto mais sustos, menos sustos.

A utilização desenfreada da técnica continuou pelas próximas décadas, conforme os subgêneros da moda mudavam e se transformavam. Agora, nas décadas de 2010 e 2020, não é raro encontrar fãs de filmes de terror preocupados com a quantidade de jumpscare em alguns filmes — até mesmo querendo saber anteriormente onde estão esses sustos. Foi assim que surgiu o site Where’s the jump?, que reúne, com a ajuda de voluntários, uma lista de filmes e onde estão os jumpscare em cada um.

Conforme o gênero do terror se transformou, a mentalidade das pessoas que o assistem também. É um processo alinhado com o processo histórico como um todo: as pessoas, e a forma com que usufruem daquilo que está à disposição delas, muda, e não há o que fazer quanto a isso. Talvez hoje o público goste mais de histórias focadas no enredo, que não apelem tanto para o medo pelo medo, aquele dos sustos e pulos, e sim pelo medo mais subjetivo de cada um. Talvez a técnica tenha encontrado um beco sem saída, mas consiga se reinventar. Ou, na verdade, o público atual queira emoções profundas alinhadas ao sentimento de medo e dos sustos que o jumpscare traz quando é bem inserido na cena.
Só vamos ter certeza conforme assistimos mais filmes e conhecemos novas produções.
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