As criaturas do mestre Bernie Wrightson

Com talento, dedicação e muita paixão, Bernie Wrightson ilustrou Frankenstein, um dos mais importantes clássicos do terror e da ficção científica em uma edição venerada por décadas. Conheça a carreira deste brilhante artista.

Alguns artistas deixam marcas incomparáveis na história. Com uma dedicação absoluta e um talento ímpar, Bernie Wrightson foi um dos grandes nomes dos quadrinhos, com um apetite especial pelo terror, e que influenciou vários outros artistas de sua geração e das gerações futuras.

Edição monstruosa da Macabra no formato especial 23×30

Acompanhando o lançamento monstruoso de Frankenstein: Monster Edition, a edição monstra do clássico de Mary Shelley, belamente ilustrada por Bernie Wrightson e publicada em formato especial pela Macabra em parceria com a DarkSide, pontuamos grandes momentos da carreira do artista.

Os primeiros passos de Wrightson

Wrightson começou sua carreira no jornal The Baltimore Sun, em 1966. Antes disso, porém, ele passou por uma série de processos de aprendizado e influências. Nascido em 1948, o artista teve em sua formação principalmente a inspiração vinda de outros ilustradores, como Frank Frazetta, Al Williamson, Al Dorne, Graham Ingels, Jack Davis e Howard Pyle. Outro artista decisivo para a formação de Wrightson, Jon Gnagy era apresentador de um programa de TV chamado You Are an Artist, do qual Wrightson assistia e, conta-se, aprendeu a desenhar principalmente através dele. Se voltando para questões mais técnicas, Wrightson também fez um curso por correspondência com a Famous Artists School., escola tradicional desse tipo de ensino.

Mas é impossível falar do estilo de Wrightson sem mencionar os quadrinhos da EC Comics. A Entertaining Comics foi uma editora de quadrinhos, que se especializou nos gêneros de terror, mistério, policial e crime, enquanto esteve ativa entre as décadas de 1940 e 1950. Com seu carro-chefe sendo a revista Tales from the Crypt, é notável a influência que esta teve ao longo do escopo de trabalho do artista.

Capa de uma edição de Chamber of Darkness

Depois que conheceu Frazetta em 1967, Wrightson começou a criar suas próprias histórias, e resolveu apresentá-las à DC. Em 1969, seu primeiro quadrinho, “The Man Who Murdered Himself”, foi publicado na revista House of Mystery, de número 179. Nessa mesma época, também desenhou histórias para títulos da empresa como The Witching Hour, além de outros títulos para outras editoras, como Web of Horror e, mais adiante, para a Marvel.

E foi na Marvel, inclusive, nos títulos Chamber of Darkness e Tower of Shadows, de Stan Lee, que Wrightson melhor desenvolveu suas técnicas, que se tornaram tão reconhecidas em seu trabalho. Saía um pouco de cena a arte da caneta e tinta, e entrava mais em destaque suas pinceladas, pelas quais ficou tão conhecido.

O Monstro do Pântano

O Monstro do Pântano

Um dos maiores trabalhos de Wrightson, dessa vez ao lado do escritor Len Wein, porém, foi a criação do Monstro do Pântano. Em sua primeira aparição, ainda em 1971, para a revista House of Secrets de número 92, o Monstro do Pântano aparecia em um cenário vitoriano. Sua história era a de um cientista que se transformou em uma massa de sujeira pantanosa.

O Monstro do Pântano retornaria no ano seguinte com sua própria revista em quadrinhos. Ao longo dos anos, apesar de ter tido menos destaque do que o esquadrão de ponta da DC, o Monstro do Pântano continuou conquistando fãs. Em 1982, Wes Craven dirigiu um filme baseado na história de Wein e Wrightson, protagonizado por Ray Wise e Adrienne Barbeau. O personagem voltou a encontrar os holofotes das adaptações na série de 2019, criada por Gary Dauberman e Mark Verheiden.

Outros Monstros

Na mesma época da criação do Monstro do Pântano, Bernie, ao lado do roteirista  Marv Wolfman, faria outra grande contribuição para o mundo da cultura pop. Os dois criaram para a revista Weird Mystery Tales número 1, de 1972, a primeira versão do personagem Destino, que posteriormente seria usado por Neil Gaiman em Sandman, como um dos irmãos Perpétuos.

Apresentação de Destino em Weird Mystery Tales #1

Ainda em 1972, Wrightson faria um de seus trabalhos autorais mais interessantes: Badtime Stories, com seus roteiros e suas ilustrações, era um amálgama de tudo o que o artista já havia aprendido até então (em sua tenra idade de 24 anos), misturando diversas técnicas diferentes a cada uma das histórias contadas.

No ano seguinte, em 1973, Wrightson teve contato pela primeira vez com o filme Freaks, de Tod Browning, e acredita-se que este contato tenha sido fundamental para seus trabalhos seguintes. Conforme conta Joel Pollack no site Big Planet Comics, naquele momento era difícil assistir a uma cópia do clássico de Browning — o filme ficou na obscuridade durante anos —, e graças a um amigo eles puderam passar a cópia em uma convenção de quadrinhos naquele ano.

Badtime Stories, quadrinho completamente autoral de Wrightson que misturava técnicas em várias histórias.

Isso se torna relevante porque, no ano seguinte, Wrightson deixa a DC Comics e parte para se juntar a James Warren na companhia Warren Publishing, que publicava as revistas Eerie e Creepy — e também a famosa Famous Monsters of Filmland, editada por Forrest “Forry” J. Ackerman, que apresentava o making of de diversos filmes de horror. 

Wrightson recebeu bastante destaque trabalhando na Eerie e na Creepy. Bem como seu quadrinho autoral anterior, ele pode utilizar de várias de suas técnicas favoritas para criar seus trabalhos. Alguns dos mais famosos se tornaram a adaptação de “O Gato Preto” de Edgar Allan Poe, “Cool Air” de H.P. Lovecraft, e “Jenifer”, uma história de cerca de dez páginas, escrita por Bruce Jones e mais tarde, nos anos 2000, adaptada por Dario Argento para a série Masters of Horror.

Jenifer, de Wrightson

Nos anos seguintes, na década de 1980, Wrightson trabalhou na revista Heavy Metal, uma edição norte-americana da revista francesa Métal Hurlant, lançada originalmente por Moebius, Philippe Druillet e Jean-Pierre Dionnet. 

Frankenstein, de Mary Shelley

Um dos trabalhos mais impressionantes de Wrightson — que, em sua totalidade, a essa altura, já era extremamente deslumbrante —, foi o trabalho que fez para uma reedição de Frankenstein, de Mary Shelley.

Criatura de Frankenstein, de Wrightson

Um trabalho dedicado e apaixonado de uma das maiores obras de ficção científica e horror já produzidas, não é surpresa que o próprio Wrightson era um grande fã de Frankenstein. A ideia de desenvolver o projeto foi sua desde o início, e ele levou sete anos para concluir os desenhos minuciosos que havia imaginado. Para ele, este era considerado um “trabalho de amor”.

Wrightson queria que sua obra fosse vista, por isso ofereceu-a para a Marvel. Na época, havia um acordo com uma antiga editora, mas após seus membros decretarem falência, Wrightson preferiu oferecer a obra a outra companhia, que pudesse fazer um trabalho de venda responsável, chegando ao máximo número de pessoas possíveis. Entretanto, não foi exatamente o que aconteceu. Em entrevista dada em 1986, Wrightson afirmou que as vendas não correram da forma que ele pretendia: “Eu não queria fazer uma edição limitada naquela época. Eu queria que chegasse ao maior número de pessoas. Então o que eu fiz foi levar para a Marvel, onde chega em lojas de venda direta e vende 14 ou 15 mil cópias, e depois para. Nunca chegou às livrarias e ninguém sabe disso. (Risos) Eles estão sentados em 15 mil cópias dessas coisas em um depósito em algum lugar”.

Imagem de Frankenstein, ilustrado por Bernie Wrightson

Outra coisa que incomodou um pouco Wrightson na época do lançamento de Frankenstein eram as sugestões da editora. De início, quando apresentou o trabalho, Bernie conta que a Marvel sugeriu que a capa fosse colorida, ao que ele respondeu: “Bem, não, não, você vê — deveria ser um livro em preto e branco, e eu apenas pretendia que fosse em preto e branco”.

Não se atendo às imagens já clássicas da Criatura de Mary Shelley, como as perpetuadas por Boris Karloff e Christopher Lee, o artista preferiu conduzir seu trabalho a partir das próprias descrições dadas pela autora em sua obra original, criando assim uma nova face para este já icônico ser.

Depois da Marvel, Frankenstein foi republicado outras duas vezes, em 1994 e em 2008 — esta última lançada pela Dark Horse. Agora, Frankenstein ganha uma nova edição brasileira, com apresentação de Stephen King e todo o capricho que a Macabra e a DarkSide podem oferecer.

Stephen King

Impossível falar da carreira de Wrightson sem falar de alguém que se tornou tão frequente em seu trabalho. Ao longo dos anos seguintes a Frankenstein, o artista trabalhou em diversas obras de Stephen King — seja adaptando imagens de seus filmes, seja fazendo capas para alguns de seus livros.

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A maior dessas contribuições foi com Creepshow. O filme, dirigido por George Romero, com texto de King e efeitos especiais de Tom Savini, tinha tudo a ver com o trabalho de Bernie: assim como ele, que foi amplamente influenciado pelas revistas de horror da EC Comics dos anos 1950, o trio mais assustador dos anos 1980 também encontrou inspiração nesses quadrinhos. Além disso, também eram leitores frequentes da Eerie e da Creepy. Todas as artes internas do quadrinho foram feitas por Bernie, e coloridas por sua esposa na época, Michelle Wrightson.

Uma das ilustrações de A Hora do Lobisomem, de Stephen King, feita por Wrightson

Além disso, o artista também trabalhou com King ilustrando a edição original de A Hora do Lobisomem, e as capas da edição revisada de A Dança da Morte — lançada nos anos 1990 —, e do quinto livro de A Torre Negra, Lobos de Calla.

Nos cinemas e na TV

Além de seus trabalhos nos quadrinhos — e, para além do terror, Wrightson teve uma vasta produções com super-heróis, como Batman e Homem Aranha —, o artista também trabalhou ao lado de alguns cineastas para trazerem seus filmes à vida. 

Arte conceitual de Bernie Wrightson para Os Caça-Fantasmas (1984)
Arte conceitual de Bernie Wrightson para Os Caça-Fantasmas (1984)

Na área da arte conceitual, Bernie Wrightson fez trabalhos para Os Caça-Fantasmas (1984, dir. Ivan Reitman), Prova Final (1998, dir. Robert Rodriguez), Terra dos Mortos (2005, dir. George Romero), O Nevoeiro (2007, dir. Frank Darabont), entre outros.

Legado

A contribuição de Bernie Wrightson foi absoluta para o universo dos quadrinhos e para o gênero do terror. Seu nome irá ecoar como um dos grandes artistas, e suas obras serão para sempre lembradas por sua dedicação, competência artística e um talento absurdo. E, não por acaso, outros grandes mestres reconhecem em Wrightson um dos maiores artistas de todos os tempos.

Bernie ganhou diversos prêmios, entre eles o Prêmio Especial de Reconhecimento do  Prêmio Inkwell, o Prêmio H.P. Lovecraft  em 2007, e diversos Prêmios Shazam por Monstro do Pântano

Na ocasião de seu falecimento, vários nomes ilustres vieram à público, através de plataformas como o twitter, prestar suas condolências. Guillermo del Toro, cineasta reconhecido por seus trabalhos na fantasia sombria e no terror, afirmou na época que ficaria sem postar nada na rede social por vinte e quatro horas, “para honrar a memória do maior artista gótico de todos os tempos”. 

Stephen King, que trabalhou frequentemente com o artista ao longo dos anos, escreveu “RIP Bernie Wrightson, um bom amigo e um grande colaborador. Eu irei sentir saudades”.

Edgar Wright, cineasta responsável por Noite Passada em Soho, Todo Mundo Quase Morto, Scott Pilgrim e tantos outros, escreveu em memória ao artista: “RIP Bernie Wrightson, rei dos monstros. Eu, junto de inúmeros outros, tentei pintar da minha imaginação por causa de sua arte”.

Neil Gaiman, um dos maiores nomes da literatura de fantasia e criador de Sandman, escreveu que “Bernie Wrightson foi o primeiro artista de quadrinhos cujo trabalho eu amei. Estranhamente, eu não vou prantear o artista. Eu vou lamentar o homem adorável que contava piadas ruins”.

Greg Nicotero, veterano na indústria do terror com seus efeitos especiais, homenageou Bernie Wrightson em The Walking Dead, dando um dos zumbis da série um rosto parecido com o do artista em 2015. Em 2017, na ocasião de sua morte, Nicotero fez uma postagem em seu instagram: “Um verdadeiro gênio e um querido amigo faleceu esta noite. Generoso. Talentoso. Engraçado. Seu legado e sua verdadeira amizade viverão para sempre”.

E Bernie continua a ser lembrado e celebrado como merece. Na DarkSide, Creepshow, a HQ que adapta o filme de 1982 de George Romero e Stephen King, abriu as portas para outro dos maiores trabalhos do artista.

Com um cuidado especial, a Macabra, em conjunto com a DarkSide, traz para o público brasileiro o clássico Frankenstein ilustrado e adaptado por Bernie Wrightson. Com toda a maestria que somente um dos maiores artistas poderia dedicar ao seu trabalho, aliado ao carinho que nutrimos por esse gênio do terror, a edição conta com apresentação de Stephen King.

Frankenstein: Monster Edition, de Mary Shelley e Bernie Wrightson, já está disponível em pré-venda no Site Oficial da DarkSide Books.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.