Burke e Hare: os vendedores de cadáveres do século XIX

Em um momento em que era difícil encontrar corpos frescos para dissecar, dois homens descobriram como fazer dinheiro com o negócio sem roubar túmulos.

Se teve uma coisa que impulsionou a humanidade até hoje, além do enorme ego humano, foi a sede de conhecimento. No Ocidente, isso ganhou um novo fôlego após a Idade Média, quando não era mais crime descobrir como as coisas funcionavam. A necessidade de compreender a natureza, de testar opções e o avanço da tecnologia e que facilitava a vida de milhares de pessoas foi um desejo comum a partir da Idade Moderna.

Desde então, a humanidade não parou mais, seguiu adiante, descobriu e abusou de uma série de invenções. Mas nem sempre descobrir as coisas era algo fácil. Às vezes, você ia contra a lei para poder fazer suas experiências. É nesse contexto que surge a dupla Burke e Hare. Não porque eles foram inventores e descobridores de segredos, mas porque encontraram uma forma de lucrar em cima de cientistas e cometeram alguns crimes para isso.

Edimburgo, na Escócia, era um dos grandes polos de conhecimento médico e anatômico na Europa. Parte do conhecimento desses estudos era acumulado ali, para então seguir para outros destinos.

A sede de conhecimento era enorme, mas para que se pudesse estudar algumas coisas, como a anatomia, eram necessários cadáveres. O problema é que nem todos viam com bons olhos utilizar um corpo morto para se estudar algo, o que dificultava o trabalho dos médicos. As convenções cristãs, na verdade, achavam de uma abominação gigantesca utilizar corpos mortos para abri-los e descobrir do que o ser humano era feito.

Pode parecer estranho de se dizer isso, mas, devido a todas essas dificuldades de estudo do corpo humano, o roubo de cadáveres era algo comum no século XIX. Até o ano de 1832, no Reino Unido, quando foi assinado o Ato da Anatomia, que visava regularizar essa questão e fazer com que outros cadáveres pudessem ser utilizados para as aulas e estudos, os únicos corpos que tinham essa autorização eram os de pessoas que haviam cometido algum crime bastante grave e foram condenados a terem seus corpos “profanados” por médicos após a morte. Após o Ato, qualquer pessoa que estivesse de posse de um corpo poderia doá-lo para que fossem estudados.

A situação era tão frequente, antes do Ato, que era comum os familiares escolherem caixões de ferro, que geravam mais dificuldade de serem abertos, e um tipo de grade que envolvia o túmulo, chamada “mortsafes”.

Apesar de nem todas as direções dos colégios aceitarem muito bem que seus médicos e alunos comprassem cadáveres de ladrões, era necessário que isso fosse feito. O número de estudantes de medicina e cirurgiões cresceu entre o século XVIII e XIX, e o número de enforcamentos (que, geralmente era de onde esses corpos vinham), só diminuía. Então, roubar corpos era uma solução.

Esses ladrões de cadáveres foram chamados de ressurrecionistas, e vários foram os ressurrecionistas famosos. Mas, talvez, a dupla que mais deixou ecos para a posteridade foi Burke e Hare. O problema é que Burke e Hare não eram somente ressurrecionistas, mas também eram assassinos.

William Hare gerenciava uma pousada com sua esposa, Margaret Laird, e lá viviam também William Burke e sua amada, Helen McDougal. Certo dia, um senhor faleceu em sua cama, deixando a dívida para trás. Sem ter ninguém para pagá-la, Hare e Burke decidiram vender o corpo do homem para pagar pela hospedagem. Venderam a um cirurgião, chamado Dr. Robert Knox, por 7 libras, que era um valor bastante alto para a época.

Burke e Hare, assim como McDougal e Laird, perceberam que era uma excelente empreitada, que poderia dar bastante dinheiro a eles. O plano era, então, atrair as pessoas desacompanhadas e que não possuíam parentes ou coisa semelhante, como mendigos e prostitutas, até sua pousada e cometerem o assassinato ali, vendendo os corpos ao Dr. Knox. Como os corpos precisavam ser frescos para as aulas, eles contavam com uma vantagem: cometendo os assassinatos, eles poderiam levar o corpo na hora até Knox e receber uma boa quantia por eles. Para que não houvessem marcas nos corpos, eles assassinavam essas pessoas depois de as terem embebedado e as sufocavam com um travesseiro.

Tudo acabou depois 16 assassinatos bem-sucedidos quando dois hóspedes suspeitaram de que havia algo errado na hospedaria. Ann e James Gray acharam suspeito quando, certo dia, foram mandados para outro lugar para passar a noite, afirmando que uma das novas hóspedes era uma parente de Hare. Quando voltaram, Hare não deixava que Ann chegasse perto de uma cama onde tinha deixado um par de meias. O problema é que essa última vítima, Margaret Docherty, estava embaixo de uma pilha de palha ao lado da cama.

Os Gray foram até a polícia, que foi até a hospedaria de Hare e não encontrou nada. Entretanto, quando foram até o laboratório de Knox, reconheceram a mulher que havia estado no local na noite anterior.

Quando foram presos, em novembro de 1828, o advogado que os acusava conseguiu uma confissão de Hare, que acabou fazendo um acordo. Em janeiro de 1829, McDougal e Laird foram liberadas e saíram do país, e não se sabe da vida de ambas após os acontecimentos. Hare também foi solto, apesar da revolta de alguns conhecidos das vítimas. Burke, que fez outra confissão enquanto estava preso, foi julgado e condenado à forca dia 28 de janeiro de 1829. No dia 01 de fevereiro, foi dissecado em público pelo Professor Monro, em um anfiteatro de uma universidade.

Seu esqueleto está exposto no Anatomical Museum da Escola Médica de Edimburgo.

Hare foi solto e escoltado para fora de Edimburgo, mas reconhecido em todas as paradas. Após sair do limite do país, entretanto, não se soube mais sobre ele.

Uma rima foi feita sobre os três, Burke, Hare e Knox:

Up the close and doon the stair,
But and ben’ wi’ Burke and Hare.
Burke’s the butcher, Hare’s the thief,
Knox the boy that buys the beef.

5 filmes macabros com roubo de cadáveres

Alguns filmes, documentários e episódios de séries de TV foram baseados na figura dos dois assassinos e na tradição do roubo de cadáveres. Abaixo, listamos cinco filmes que utilizam o tema.

O Monstro da Morgue Sinistra


The Flesh and the Fiends, 1960 // Dirigido por John Gilling e protagonizado pelo grande mestre do terror Peter Cushing, o filme mostra a relação entre Dr. Knox e Burke e Hare, com Cushing sendo o próprio Dr. Knox, em outra de suas atuações impecáveis.

O Túmulo Vazio


The Body Snatcher, 1945 // Dirigido por Robert Wise, baseado em um conto de Robert Louis Stevenson e com uma das brilhantes parcerias de Boris Karloff e Bela Lugosi, o filme não se trata de Burke e Hare, mas sobre um jovem ressurrecionista que acaba perseguindo um médico e seu aluno, que lhe compravam corpos.

O Médico e Os Monstros

The Doctor and the Devils, 1985 // Dirigido por Freddie Francis, com Timothy Dalton e Jonathan Pryce, o filme não utiliza os nomes de Burke e Hare, mas se baseia em sua macabra história: dois ressurrecionistas gananciosos que não se contentam em vender corpos para um médico, como também aumentar o número de cadáveres para a venda.

Eu Vendo os Mortos

I Sell the Dead, 2008 // Feito a partir de um curta aclamado do diretor Glenn McQuaid, o filme é contado a partir do protagonista, Arthur Blake, um ressurrecionista que se encontra pronto para ser condenado por assassinato. É a partir da confissão desse homem que o filme acontece. O filme conta com Ron Perlman e Dominic Monaghan no elenco.

Burke and Hare

Burke and Hare, 2010 // Dirigido por John Landis, com um elenco pesado que inclui Simon Pegg, Andy Serkis e Tim Curry, o filme é uma comédia que conta a história dos dois ladrões e assassinos.

Bônus: Burke and Hare — In The Name of Science

Se você se interessa por um tom mais documental, que tenta demonstrar os fatos a partir de fontes e pesquisa, o primeiro episódio da série Lore, baseada no podcast de mesmo nome de Aaron Mahnke, conta a história dos dois assassinos. A série está no catálogo da Prime Video.

Medicina Macabra

E se você gosta de histórias estranhas, engraçadas ou assustadoras da história da medicina, a dica é ficar de olho no livro Medicina Macabra, primeiro lançamento do selo editorial Macabra na DarkSide Books. Enquanto pesquisava para escrever seu primeiro livro, o escritor Thomas Morris fez uma descoberta um tanto quanto… curiosa: entre dissertações cheias de linguagem técnica e textos desafiadoramente longos, pérolas divertidas e grotescas sobre casos bizarros estavam escondidas. Muitos destes relatos eram bons demais para serem esquecidos na literatura médica, e ele decidiu fazer uma seleção irresistivelmente peculiar.

Da Holanda do século XVII até a Rússia czarista, da zona rural do Canadá até um baleeiro no Pacífico, Medicina Macabra é uma reunião de casos insólitos da história da Medicina que ocorreram em um período de trezentos anos. Alguns desses relatos são angustiantes ou comoventes, outros são macabros, mas todos oferecem algo mais além do que uma boa anedota. Por mais constrangedoras que sejam as enfermidades, por mais estranhos que sejam os tratamentos, todos esses casos expressam algo sobre as crenças e a sabedoria de uma época. Remédios irremediáveis, curas extraordinárias, cirurgias que tinham tudo para dar errado, casos insólitos e lamentáveis embaraços: está tudo aqui. Medicina Macabra é feito sob medida para os darksiders de estômago forte, narrado com aquela injeção de humor que não poderia faltar. Você está pronto para dissecar essas excentricidades do passado? Você é uma pessoa macabra?

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.