E se conseguíssemos pensar na morte de uma forma mais leve, como um processo natural? Uma forma de tornar isso algo comum em nossas vidas, ou algo menos doloroso, é começarmos a conversar sobre o processo da morte e sobre os rituais que acontecem após ela. Enterros, crematórios, conhecer o processo do que é feito com o corpo morto é importante para retirarmos o estigma de tabu da morte, torná-la mais aceitável em nossas vidas, já que hora ou outra passaremos por isso.
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Caitlin Doughty, em 2014, criou a Order of the Good Death, um grupo que fala sobre a morte, que facilita a conversa e tenta esclarecer os processos e rituais do morrer, fazendo com que as pessoas “tenham boas mortes”, a entendendo como uma forma natural. Doughty é ativista, agente funerária e autora de Confissões de Crematório, Para Toda a Eternidade e, o mais recente, Verdades do Além-Túmulo. Os três livros, publicados no Brasil pela Darkside Books, falam sobre a morte, com abordagens diferentes.
Em Confissões de Crematório, Doughty fala sobre sua experiência enquanto trabalhava em um crematório, como foi aprender o ofício e o estigma que as pessoas tem com ele; em Para Toda a Eternidade, fala sobre diversos rituais de enterro e passagem de países espalhados pelo mundo; e em Verdades do Além-Túmulo, Caitlin responde perguntas divertidas e perspicazes de adolescentes e crianças sobre a morte.
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Além de escrever e palestrar sobre a morte, Caitlin possui um canal no YouTube chamado Ask a Mortician, uma outra plataforma para falar sobre seu trabalho como agente funerária e tirar dúvidas dos que estão interessados no assunto e querem compreender melhor todo o processo da indústria funerária.
Estamos presos em uma lógica ocidental que diz o que devemos fazer com nossos corpos mortos de modo muito rigoroso: quando morremos, uma equipe busca o falecido, leva até um local, acontece um velório, somos enterrados ou cremados. E, no caso de locais com uma maioria que segue a religião cristã, o crematório às vezes não é uma opção, restando somente a possibilidade de um enterro convencional, dentro de um caixão, em uma cova cheia de cimento ao redor. Mas nem sempre foi assim.
Os caixões e as covas cimentadas começaram a ser desenvolvidas a partir do final do século XIX, começo do XX, quando a indústria funerária percebeu que poderia ganhar dinheiro sobre a morte. As ideias que percorreram o mundo ocidental de higienização, a vontade de delegar aos outros alguns serviços que seriam mais fáceis se tivessem certo afastamento dos parentes e amigos enlutados ajudou nesse processo. Antes disso, as pessoas morriam em suas casas, suas famílias cuidavam e limpavam seus mortos, e as enterravam.
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Mas não são todos os lugares do mundo que estão inseridos nessa lógica. Existem diversos locais onde a morte é bastante respeitada, tratada com naturalidade, e existem variados tipos de rituais que lidam com ela de outras maneiras.
No México, por exemplo, as festas de Santa Muerte são um momento para pensar sobre seus falecidos, oferecer a eles altares e oferendas daquilo que mais gostavam em vida, rezar e pedir proteção. A crença no México é que, enquanto seus parentes e amigos lembrarem de você com amor e carinho, você existirá, mesmo no pós-morte. Assim que seus amigos e parentes param de pensar em você, você deixa de existir. É uma forma bonita de “celebrar” a morte, de pensar nela como uma continuidade do que tivemos em vida.
Outro exemplo acontece em Torajas, na Indonésia. Lá, há o ritual do MaiNene, onde os mortos são desenterrados, após algum tempo de sua morte, para que sua família e seus amigos passem um tempo com eles. O processo é bastante natural, e é feita uma grande festa no dia do acontecimento. São levadas comidas, as roupas dos mortos (nesse momento meio mumificados através de um processo natural) são trocadas, é deixado dinheiro e outros tipos de oferendas. Nesse local é comum que a família passe um momento com seus mortos, logo depois da morte, deixando o corpo em casa por alguns dias (ou anos), ou no momento do ritual MaiNene. É natural também que pessoas tirem fotos com seus tios, avós, pais ou mães falecidos, coloquem neles relógios ou óculos. Parece uma grande festa, e para alguns olhares pode parecer desrespeitoso ou anti-higiênico, mas é outra forma de celebrar a morte com a naturalidade que é dela mesma: passar um tempo com sua família falecida.
Inclusive, sobre a ideia de que cadáveres são anti-higiênicos ou possuem doenças, Doughty deixa bastante claro durante suas falas, ou durante seu livro, que isso já foi discutido e negado pela ciência.
São vários os rituais que acontecem pelo mundo, que, quando os conhecemos, servem para que possamos compreender que a morte tem vários entendimentos, processos, momentos, e não precisa ser tratada da maneira dura e rigorosa que estamos acostumados. Humanizar o processo do morrer é uma forma generosa e benéfica de lidar com os mortos, e se lembrar deles com alegria pode ajudar a diminuir a dor da partida.
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Os livros de Caitlin Doughty publicados no Brasil são vendidos na Loja Oficial da DarkSide Books. Gostou de saber um pouco mais sobre o trabalho de Caitlin? Comente com a Macabra no Twitter e Instagram.