Na pequena cidade de Gatlin, em Nebraska, há um fenômeno estranho: você não encontra adultos ao andar pelas ruas, ao entrar nas construções antigas, nem mesmo ao procurar ajuda quando, acidentalmente, você atropelou alguém na rodovia. Mas existem crianças. Muitas delas, inclusive. E elas dominam a cidade, com seu culto a favor de uma entidade assustadora que reside no milharal.
É estranho pensar que a obra mais adaptada de Stephen King seja, tecnicamente, Colheita Maldita, um conto bastante curto que, na verdade, não dá tanto material assim para ser explorado repetidamente. Mas, é isso mesmo: com 9 sequências e 2 remakes, podemos dizer que essa colheita saiu um pouco do controle.
A Macabra te leva em uma viagem ao interior de Nebraska, o estado mais aterrorizante se você é um adulto e se encontra com um garotinho chamado Isaac. Pegue suas espigas de milho e venha com a gente comemorar os 40 anos de Colheita Maldita.
O conto que originou tudo
Quem poderia imaginar que um conto com menos de quarenta páginas pudesse dar início a uma franquia com nove filmes e dois remakes? Sabemos como o nome de Stephen King pode ser atrativo, e a ideia de atrelá-lo a produções cinematográficas pode ser muito rentável. Mas a franquia Colheita Maldita é realmente um ponto (muito) fora da curva.
Publicado originalmente em 1977 na revista Penthouse e, no ano seguinte, no livro de contos Sombras da Noite, “As Crianças do Milharal” apresenta o casal Burt e Vicky viajando de carro até a Califórnia para visitar o irmão de Vicky. O casal já teve dias melhores no casamento, e a tensão entre os dois só aumenta conforme eles percebem, cada vez mais, que estão perdidos no meio do estado de Nebraska. Em um momento do ápice da discussão, eles acabam atropelando um garotinho — e, para sua surpresa ainda maior, o menino estava com a garganta cortada.
Não há nada a quilômetros, mas eles encontram a cidadezinha isolada de Gatlin, que parece ter parado no tempo — literalmente, pois há uma espessa camada de poeira cobrindo todos os estabelecimentos do local, menos a Igreja. E é aqui que as coisas desandam de vez. As crianças se voltaram a uma entidade chamada de “Aquele que anda por detrás das fileiras” e assumiram o comando do local, sem adultos.
Gatlin é uma daquelas cidadezinhas que Stephen King usou mais de uma vez como cenário de suas histórias, sendo mencionada em It, A Coisa; mas é Hemingford Home, uma cidade vizinha a Gatlin, que mais aparece, sendo o lar de Mãe Abagail, em Dança da Morte, e onde ela reúne os sobreviventes da gripe do Capitão Viajante, e também é o cenário de 1922.
As adaptações cinematográficas
Antes de embarcarmos nesta viagem alucinante a essa franquia, é importante mencionar que ela nunca foi uma gigante das bilheterias. E, ao contrário de outras obras de Stephen King que logo atingiram status de “filme cult” — como é o caso até mesmo do malfadado filme Comboio do Terror —, Colheita Maldita habita um lugar bastante complexo dentro desse quase subgênero chamado “adaptações de Stephen King”.
Uma forma de avaliar o quanto a franquia estava em alta naqueles idos dos anos 1990, era saber quantos filmes tinham sido lançados no cinema — mostrando que os estúdios e produtoras tinham grandes expectativas —, e quantos foram lançados diretamente para vídeo — pois os estúdios e produtoras não tinham tantas expectativas assim. E a régua de Colheita Maldita é bem baixa, com somente dois lançamentos para as telonas.
Mas vamos entrar em detalhes mais adiante, um por um.
Colheita Maldita
Children of the Corn, 1984 // Burt (Peter Horton) e Vicky (Linda Hamilton) estão fazendo uma viagem de carro ao novo emprego de Burt, em Seattle, quando acidentalmente atropelam um garotinho próximo à cidade de Gatlin. Lá, ao buscar ajuda, eles acabam descobrindo que todos os adultos foram mortos, e a cidade, agora tomada por crianças, tem suas próprias regras — e sua própria religião, comandada por Isaac (John Franklin). Longe de serem os anjinhos inocentes que era de se esperar, as crianças, na realidade, estão prontas para pegar em armas e lidar com as coisas da forma que melhor lhes parecerem.
“Aquele que anda por detrás das fileiras” continua sendo um marco aqui na adaptação e tem papel central no desenrolar dos acontecimentos, mas as crianças ganham mais atenção, e, ao contrário do que se poderia esperar da adaptação, a mitologia por trás desses acontecimentos não é tão explorada quanto poderia. Ainda assim, muitos elementos do conto estão presentes.
Inicialmente, o próprio King foi convidado a escrever o roteiro da adaptação, que teve seus direitos comprados pela Hal Roach Studios, que optaram por chamar George Goldsmith para o trabalho. Goldsmith alterou o script de King — e os dois chegaram a discutir algumas vezes, com King afirmando que Goldsmith não conhecia o gênero do terror, e Goldsmith dizendo que King é que não conseguia visualizar a história adaptada aos cinemas. Por fim, a Hal Roach Studios vendeu os direitos da adaptação para a New World Pictures, que ficaram com o script de Goldsmith.
Se foi uma decisão acertada ou não, nunca saberemos. Mas as críticas não foram das melhores. No geral, a maioria das avaliações positivas do filme destacam os personagens de Isaac e Malachai, interpretados por John Franklin e Courtney Gains respectivamente. E, sem dúvida, os dois são aterrorizantes e, talvez, o ponto alto do filme. O filme foi dirigido por Fritz Kiersch.
Colheita Maldita 2: Os Filhos do Mal
Children of the Corn II: The Final Sacrifice, 1992 // Dois dias depois dos acontecimentos trágicos que vimos em Colheita Maldita, os adultos de Hemingford, a cidade vizinha de Gatlin, decidem adotar as pobres crianças órfãs do município, sem saberem, claro, que de inocentes eles não tem nada, e estão prontos para espalhar a palavra “dAquele que anda por detrás das fileiras”. Quem se encontra no meio deste terror é Garrett (Terence Knox) e seu filho Danny (Paul Scherrer). Garrett é jornalista e foi até a cidadezinha em Nebraska para escrever sobre o que aconteceu em Gatlin, mas logo se vê envolvido até o pescoço no objeto de sua matéria.
Assim como Jason Vai para o Inferno: A Última Sexta-Feira e A Hora do Pesadelo 6: Pesadelo Final, a Morte de Freddy tecnicamente não foram os últimos de suas respectivas franquias, “The Final Sacrifice” não foi o sacrifício final — esperto de quem criou o título em português —, e, na verdade, foi apenas o começo. A New World Pictures vendeu os direitos de Colheita Maldita para a Trans-Atlantic Pictures, que começou a produção em 1991. O filme foi dirigido por David Price e, até 2020, foi o último da franquia a ser exibido nas salas de cinema.
Colheita Maldita 3: A Colheita Urbana
Children of the Corn III: Urban Harvest, 1995 // Dois dos sobreviventes dos antigos acontecimentos de Gatlin, Eli (Daniel Cerny) e Joshua (Ron Melendez), são adotados por uma família de Chicago. Ambos não estão muito acostumados com a vida urbana, mas é Eli, o mais novo, quem tem mais problema. Certa noite, ele planta sementes de milho em um terreno nos fundos de sua casa, e “Aquele que anda por detrás das fileiras” está pronto para tomar a cidade.
Apesar de ser menos lembrado que seus antecessores, Colheita Maldita 3, dirigido por James D.R. Hickox, guarda alguns detalhes interessantes. Primeiramente, os efeitos de maquiagem adicionais foram criados e supervisionados Kevin Yagher, mestre nesta arte, que já participou de filmes como A Outra Face, Desventuras em Série, e fez as maquiagens de Freddy Krueger entre os filmes dois e quatro da franquia A Hora do Pesadelo. Yagher também assumiu a bomba de dirigir o filme Hellraiser IV: Herança Maldita, mas recusou ter seu nome nos créditos e utilizou o famoso título Alan Smithee no lugar. Este também foi o primeiro filme de Charlize Theron.
Colheita Maldita 4: O Encontro
Children of the Corn: The Gathering, 1996 // A estudante de medicina Grace Rhodes (Naomi Watts) retorna a sua cidadezinha natal de Grand Island, Nebraska, para cuidar de sua mãe, June (Karen Black), que tem sofrido de agorafobia e tido sonhos recorrentes em que está sendo atacada por crianças. Certa noite, os piores pesadelos de June são transformados em realidade, quando todas as crianças da cidade começam a ter febre e convulsões e, no dia seguinte, entram em uma caçada mortal aos adultos do lugar.
Dentre os filmes de Colheita Maldita lançados diretamente em vídeo, O Encontro, dirigido por Greg Spence, talvez seja um dos que mais recebeu resenhas positivas. Apesar de se afastar um pouco do elemento rural que fez tanto sentido nos três filmes anteriores, a mudança de cenário parece ter feito bem. Além disso, Watts, ao lado de Karen Black, mantém o filme funcionando.
Colheita Maldita 5: Campos do Terror
Children of the Corn V: Fields of Terror, 1998 // Um grupo de adolescentes, em uma viagem, acaba pegando uma estrada errada e se encontrando em uma cidadezinha estranha e isolada, chamada Grand Island, em Nebraska. Lá, porém, eles não recebem boas-vindas muito animadoras: a cidade é controlada por crianças órfãs do culto “dAquele que anda por detrás das fileiras”. Agora, os adolescentes precisam encontrar uma forma de sair — e rápido! — da cidade.
Dirigido por Ethan Wiley, o filme foi uma produção da Dimension Films, que detinha os direitos da franquia desde o terceiro longa. A essa altura, Colheita Maldita era apenas um eco do conto de Stephen King. Wiley, entretanto, contou em entrevistas que gostaria de recuperar alguns elementos da história original — e, novamente, “Aquele que anda por detrás das fileiras” acabou retornando aos campos isolados de Nebraska.
Colheita Maldita 666: Isaac Está de Volta
Children of the Corn 666: Isaac’s Return, 1999 // Hannah nasceu na cidadezinha de Gatlin enquanto o local já era comandado pelo culto maligno de “dAquele que anda por detrás das fileiras”. Muitos anos após deixar o local, ela retorna para tentar encontrar sua mãe. Um acidente em uma estrada acaba a levando para o hospital, onde Hannah encontra Isaac, que todos consideravam morto, em coma. Mas há algo em Hannah que pode despertar Isaac, e quando o jovem acordar, ele estará pronto para vingança.
Em franquias longas, sempre há um momento em que há a intenção de voltar ao início da história — o “onde tudo começou” —, e isso geralmente é feito trazendo de volta personagens antigos ou cenários dos primeiros filmes. Isso já fora feito com Colheita Maldita 5, de certa forma, mas é em Isaac Está de Volta que eles realmente retornaram ao princípio: com Isaac e com o município aterrorizante de Gatlin. Único filme da franquia dirigido por uma diretora — Kari Skogland, que também dirigiu episódios de séries como Penny Dreadful, O Conto de Aia e NOS4A2 —, a intenção da cineasta era fazer algo diferente dos outros longas da franquia e transformar o sexto filme em uma sequência direta ao primeiro Colheita Maldita. Mas, ainda assim, o filme não se tornou uma “sequência espiritual” ou deu início a um reboot; sendo, ainda, o sexto filme da série.
Colheita Maldita 7: A Revelação
Children of the Corn: Revelation, 2001 // Quando Jamie Lowell (Claudette Mink) tenta falar com sua avó e não consegue de forma alguma, ela acaba indo até Omaha, em Nebraska, para descobrir o que está acontecendo. Quando chega ao apartamento, porém, o que encontra é uma notificação de despejo e duas crianças estranhas. Conforme tenta entender o que está acontecendo, as coisas se tornam ainda mais perturbadoras quando Jamie descobre o passado de sua avó e compreende que corre sério perigo.
Dirigido por Guy Magar, o filme era, originalmente, para ser um remake. Não temos certeza onde as coisas desandaram, mas, a essa altura, até “Aquele que anda por detrás das fileiras” deveria ter desistido de tentar montar um novo culto.
Colheita Maldita: Gênesis
Children of the Corn: Genesis, 2011 // Quando Allie (Kelen Coleman) e Tim (Tim Rock) sofrem um acidente em uma estrada de um lugar isolado, logo ficam preocupados. Ao conseguirem um lugar para usar um telefone e passar a noite, eles são informados pelo dono do local que devem partir imediatamente pela manhã, e não devem se intrometer onde não são chamados. Porém, quando descobrem uma criança presa, se sentem na obrigação de ajudá-la. E é aí que os problemas de verdade começam.
Dirigido por Joel Soisson, o filme teve sua produção apressada pela Dimension Films, que estava prestes a perder os direitos de Colheita Maldita, sendo o antecessor de Gênesis, A Revelação, lançado dez anos antes. O filme não é muito digno de nota, e deve ter sido um pouco triste aos fãs que um longa chamado “Gênesis” não era, em si, a história de origem desse culto estranhíssimo.
Colheita Maldita: Fugitivos
Children of the Corn: Runaway, 2018 // Ruth (Marci Miller) é uma jovem grávida que consegue escapar de um culto de crianças assassinas. Vivendo anonimamente por dez anos, tentando poupar seu filho dos horrores pelos quais passou, ela sente que algo está atrás e que jamais poderá descansar. Ela terá que confrontar esse mal ou abrir mão de sua criança.
Dirigido por John Gulager, Joel Soisson, diretor do filme anterior, retorna nesta sequência como roteirista. Outra característica que ambos compartilham é que, novamente, a Dimension estava prestes a perder os direitos de Colheita Maldita e apressou a produção de Fugitivos. Dessa vez, não adiantou de muita coisa, já que o próximo filme, um remake do original, foi feito pela RLJE Films e pelo serviço de streaming Shudder.
Os remakes
A Colheita Maldita
Children of the Corn, 2009 // Dirigido por Donald P. Borchers, o remake teve produção da Fox e exibição pelo canal Syfy — se você está há um tempo na internet e tinha acesso ao canal, sabe que algumas das produções mais antigas do Syfy não eram exatamente conhecidas por sua qualidade. Borchers queria que seu filme se aproximasse mais do conto original do que os filmes que a Dimension estava produzindo, e tentou até mesmo que King se unisse a ele na produção. Seu sonho não se tornou realidade, e King, através de seu advogado, disse simplesmente que não tinha interesse em participar disso. Aliás, mais de uma vez King afirmou que estaria muito bem sem todas essas sequências de Colheita Maldita. Mas, quando Borchers enviou o DVD para King, ele lhe agradeceu por ter incluído seu nome nos créditos.
Children of the Corn
Children of the Corn, 2020 // Projeto produzido pela RLJE Films e o Shudder, teve direção de Kurt Wimmer e, apesar do nome, se distancia muito da obra original — mais ainda do que as incontáveis sequências da Dimension. Se passando em uma pequena comunidade rural chamada Rylstone, o filme conta a história principalmente de duas jovens, Eden (Kate Moyer) e Boleyn (Elena Kampouris). Eden é a responsável pela entidade no milharal, e quem acaba eliminando os adultos da cidade, enquanto Boleyn é sua antagonista.
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Ufa. É realmente uma franquia e tanto. E você, já assistiu a todos os filmes da série Colheita Maldita? Comente com a Macabra no Twitter e Instagram.