Diretoras Macabras: o musical e o mitológico universo de Juliana Rojas

Conheça mais sobre o trabalho da diretora de As Boas Maneiras e Trabalhar Cansa, que explora o horror através do fantástico.

Trabalhar com mitologias conhecidas pelo público geralmente é um desafio gigantesco. Fazer isso com um filme protagonizado majoritariamente por mulheres, com questões como família, abandono, solidão e raça é ainda mais difícil. Mas, Juliana Rojas conseguiu isso em seu último longa lançado, As Boas Maneiras, e ainda inseriu um número musical no meio disso tudo. 

Juliana Rojas é montadora, diretora e roteirista, formada em Cinema pela USP. Foi ainda durante a universidade que conheceu o diretor Marco Dutra, com quem dividiria projetos por tantas vezes. Em entrevista para o site Gazeta News, Juliana afirma que sua relação com Marco Dutra é “profissional e afetuosa que precisa de cuidados, algumas concessões e a crença de que fazer um filme juntos resulta em algo diferente e mais excitante do que o filme que poderíamos fazer sozinho.”

Sua lista de trabalhos é longa. Seu primeiro curta foi Três Planos, Nove Planos, de 1999, enquanto ainda era estudante, e sua primeira parceria com Marco Dutra, ao lado de Carla Adili. Logo em seguida, no mesmo ano, os dois lançam Dancing Queen. Já em 2003, a dupla lança o curta Notívago, sobre uma mulher que precisa habitar, sozinha, a casa em que seu irmão se suicidou. No ano seguinte, em 2004, é lançado O Lençol Branco, curta sobre uma mulher que precisa enfrentar a morte de seu filho recém nascido. O curta foi selecionado para a Mostra Cinefondation do Festival de Cannes, de 2005, o que auxiliou para que ambos entrassem em um longo caminho de reconhecimento nacional e internacional. 

Juliana Rojas e Marco Dutra ainda voltariam ao festival de Cannes outras vezes com os outros curtas de sua carreira conjunta, Um Ramo em 2007 e O Duplo em 2012. Mas antes disso houveram outros trabalhos, tanto de Rojas sem Dutra quanto com contribuição compartilhada. 

Em 2005, Rojas lança o curta Nenhuma Carta para o Senhor Fernando, e em 2006 é lançado o curta A Criada. Logo após ao curta já citado Um Ramo, em 2008, é lançado Vestida, em seguida As Sombras, em 2009, e em 2010 um segmento no filme de Felipe Bragança e Marina Meliande, Desassossego.

É em 2011 que Rojas, em um novo trabalho com Dutra, lança seu primeiro filme longa metragem, Trabalhar Cansa. Uma jovem dona de casa está prestes a realizar o sonho de ter um negócio próprio e decide abrir um mercadinho no bairro em que reside com seu marido.  O problema é que seu marido acaba de ser demitido, e ambos terão que lidar com esse fato e o trabalho recém adquirido. O filme explora com elementos de horror e mistério relações familiares e de trabalho, e nos entrega uma narrativa interessante e estranha, que foge a alguns padrões do gênero que estamos acostumados. 

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Depois de seu primeiro longa, a dupla não parou, nem a carreira “solo” de Rojas. Logo em seguida, ainda em 2011, é lançado o curta Pra Eu Dormir Tranquilo. Em 2012 Dutra e Rojas lançam o já mencionado O Duplo, curta de grande sucesso, que ficou conhecido em diversos festivais e ajudou a projetar ainda mais o nome de ambos, sobre uma jovem professora de ensino fundamental, que, certo dia, durante sua aula, seus alunos veem uma pessoa igual a ela andando do outro lado da rua. Uma história interessante e enigmática sobre doppelgangers, com a excelente atuação de Sabrina Greve.

Após O Duplo, Rojas se aventura com musicais, algo que se tornaria comum em sua carreira dali em diante, e em 2013 lança o filme para TV A Ópera do Cemitério. Ainda em 2013, com Dutra, lança outro musical, dessa vez um curta que se mistura com sci-fi chamado Nascemos Hoje, Quando o Céu Estava Carregado de Ferro e Veneno. A obra é bastante interessante e experimental. Em 2013, Rojas lança um curta documentário sobre a professora e pesquisadora brasileira Márcia Barbosa, para uma série de cinco episódios chamada A Origem da Inspiração, em que cada episódio fala sobre um pesquisador brasileiro inspirador em uma iniciativa da Petrobrás. Ao lado dos diretores João Marcos de Almeida, Caetano Gotardo e Sergio Silva, também em 2013 lança o curta Desculpa, Dona Madama

É em 2014 que Rojas lança seu primeiro longa “solo”. Em uma mistura de musical com elementos de horror, Sinfonia da Necrópole é um trabalho divertido sobre um rapaz, Deodato, vivido por Eduardo Gomes, que começa um trabalho como coveiro após se mudar para a grande São Paulo e não encontrar outro serviço. Quando Jaqueline, interpretada por Luciana Paes, chega com a ideia de reestruturação do cemitério, o rapaz acaba não sendo muito a favor. Para que essa reestruturação aconteça, é necessário trocar os corpos dos mortos de lugar, e Deodato percebe que há algo de errado nisso. 

É após Sinfonia da Necrópole que Rojas lança com Dutra As Boas Maneiras, um filme que foi elogiado pela crítica nacional e internacional e trabalha alguns elementos mitológicos e queridos ao gênero do terror de uma forma nova e sensível. 

Ana, interpretada por Marjorie Estiano, uma jovem grávida, se muda para a metrópole após ficar grávida, e contrata Clara, vivida por Isabél Zuaa, para a ajudar antes e depois do nascimento do filho. Mas Ana tem um segredo, e o que nasce dela não é humano. A relação de Ana e Clara é só o começo de um conto de fadas com elementos de horror. A partir dessa inserção de Clara em contato com o desconhecido, o filme acaba se desenvolvendo e lidando com questões familiares e sociais, além das muitas dificuldades de se lidar com algo que é diferente. 

Uma narrativa sensível, bem produzida e bem trabalhada, com cenas que funcionam e contam uma história interessante, com escolhas corajosas e feitas com as mãos de uma diretora habilidosa e que não costumamos assistir em um filme de horror. 

Juliana Rojas também está envolvida em outros projetos, como escritora nas séries 3% e em dois episódios da nova série da Netflix, Boca a Boca. Também é diretora em outros dois episódios de Boca a Boca, de dois episódios da série Terrores Urbanos e de um episódio da série O Som e o Tempo.

Em todos os trabalhos de Rojas podemos encontrar elementos fantásticos, principalmente os elementos de horror. O medo, desespero, aflição, o desconforto que causa o desconhecimento sobre o outro, são forças comuns que atuam dentro de seus curtas e seus longas. Mesmo aqueles que apelam mais para a fantasia propriamente dita, ainda é possível encontrar alguma característica da narrativa de horror. Ao conhecer Dutra, ainda na faculdade, como conta em entrevista ao site Mulheres do Cinema Brasileiro, Rojas conta como ambos tinham afinidade com o cinema de terror, e que isso fez com que se iniciasse a longa parceria, que deu tão certo. 

Seus filmes foram exibidos dentro e fora do Brasil, e receberam prêmios por onde passaram, como consta no site Itaú Cultural. Trabalhar Cansa, esteve na seleção para a mostra Un Certain Regard, do Festival de Cannes, em 2011; Sinfonia da Necrópole recebeu o prêmio do júri de Melhor Filme no Festival de Cinema de Gramado em 2014; As Boas Maneiras, seu último longa lançado, recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival Internacional de Cinema de Locarno, na Suíça, em 2017, dentre outras seleções e indicações. 

E não somente seus longas receberam prêmios e participaram de festivais. Em 2011 o curta Para Eu Dormir Tranquilo ganhou os prêmios Cachaça Cinema Clube e CTAv, do Festival Internacional de Curtas de São Paulo; O Duplo, em 2012, recebeu os prêmios da Associação Brasileira de Críticos de Cinema, do Canal Brasil no Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo (Kinoforum) e o CTAv; e A Passagem do Cometa recebeu o destaque 10+ do público no Kinoforum e o prêmio de Melhor Roteiro no Festival Kinoarte de Cinema.

Juliana Rojas é um dos nomes de destaque dos últimos anos do cinema de horror. Ao lado de diretoras como Gabriela Amaral Almeida, Monica Demes, Anita Rocha da Silveira, seu trabalho mantém o horror fresco, trazendo questões e problemas atuais para pensarmos a sociedade. 

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.