Sabe aquele filme que te dá arrepios, mesmo quando a história não é tão obviamente assustadora? Recursos visuais como design de produção e fotografia são os culpados por esta sensação de pavor. Um dos truques amplamente utilizados nos filmes de terror (e em outros gêneros) é o emprego de cores específicas, que manipulam o espectador para o sentimento que ele deve despertar em certas cenas.
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Choque, desolação, estranheza e apreensão são apenas algumas das sensações que as cores podem provocar. Para os filmes de terror esta “manipulação do bem” (ou do mal, depende da sua interpretação) é crucial, uma vez que, assim como a comédia, este gênero causa reações extremas no público: se te assustou o filme é bom, se não causou medo você provavelmente vai achar péssimo. Não há meio termo.
Por causa desta subjetividade, diretores e produtores de terror devem jogar com todas as armas que têm à disposição para não apenas assustar, mas envolver o máximo de pessoas possível. Entender de psicologia das cores é crucial para atiçar os medos e sensações mais profundos e naturais do ser humano.
História das cores nos filmes
As cores fazem parte do cinema desde a década de 1900. Mesmo na época das produções em preto e branco, algumas técnicas rudimentares permitiam a coloração, envolvendo até películas pintadas com aquarela. Foi só pela década de 1930 que a tecnologia do Technicolor permitiu que as produções ganhassem cor de forma mais fácil e em ampla escala.
Desde o psicodélico O Mágico de Oz, de 1939, as cores já eram bem valorizadas e davam o seu recado: o fascínio pelos sapatinhos vermelhos, o alerta da estrada de tijolos amarelos e o misticismo em torno da Cidade das Esmeraldas. Isso sem contar o jogo entre o mundo real em sépia e o colorido universo de Oz, dando ainda mais magia à aventura de Dorothy.
Desde então, diferentes técnicas de coloração são aplicadas na produção de filmes. Boa parte já é concebida no design de produção e valorizada pelo diretor de fotografia. Efeitos mais dramáticos podem ser enaltecidos por meio da pós-produção, através do realce de tons específicos.
Algumas das técnicas utilizadas para esta manipulação de cores são:
Correção de cor: é o processo de alterar as cores de uma imagem de forma geral. Normalmente é feito ao balancear os níveis de preto e de branco para se alcançar uma temperatura consistente de cor ao longo de todo o filme.
Gradação de cor: neste processo a cor é digitalmente alterada ou realçada em uma imagem ou vídeo. O objetivo é atingir o impacto emocional ao qual o filme se propõe.
Filtros de lentes coloridas: são utilizados tanto para corrigir deficiências de cor ou para adicioná-las com o objetivo de atingir determinado efeito. Diferentemente da gradação de cor, os filtros coloridos não adicionam ruído a uma imagem ou vídeo.
Para muitas produções, o uso da cor deixa de ser um recurso técnico e passa a compor um personagem inteiro, contando uma história por conta própria. Um exemplo bem famoso e fácil de entender é o da trilogia Matrix: tons esverdeados são restritos aos acontecimentos dentro da Matrix, enquanto o azul predomina no mundo “real”.
Os significados e as emoções das cores
Tais conotações coloridas não foram criadas e muito menos são exclusividade do cinema. Muitas delas têm associação vinda da própria natureza (o calmo céu azul, o assustador sangue vermelho, os perigosos animais amarelos) e outras criadas por convenções sociais.
Antes de mergulharmos no uso de cores nos filmes de terror, vamos relembrar as principais associações a cada cor:
Vermelho: raiva, paixão, ira, desejo, empolgação, energia, velocidade, força, poder, calor, amor, agressão, perigo, fogo, sangue, guerra, violência.
Laranja: humor, energia, equilíbrio, calor, entusiasmo, vibrante, expansivo, extravagante.
Amarelo: desonestidade, covardia, traição, inveja, cobiça, trapaça, doença, perigo, sabedoria, conhecimento, relaxamento, felicidade, alegria, otimismo, idealismo, imaginação, esperança, luz solar, verão.
Azul: fé, espiritualidade, satisfação, lealdade, paz, tranquilidade, calma, estabilidade, harmonia, unidade, confiança, verdade, confiança, conservação, segurança, limpeza, ordem, céu, água, frio, tecnologia, depressão.
Cor-de-rosa: amor, inocência, saudável, feliz, contente, romântico, encantador, brincadeira, suave, delicado, feminino.
Roxo: erótico, realeza, nobreza, espiritualidade, cerimônia, mistério, transformação, sabedoria, elucidação, crueldade, arrogância, lamento, poder, sensibilidade, intimidade.
Preto: negativo, poder, sexualidade, sofisticação, formalidade, elegância, riqueza, mistério, medo, anonimato, descontentamento, profundidade, estilo, mal, tristeza, remorso, raiva.
Branco: positivo, amor, reverência, pureza, simplicidade, limpeza, paz, humildade, precisão, inocência, juventude, nascimento, inverno, neve, bem, estéril, casamento, morte, frio, clínico.
Verde: cura, calmante, perseverança, tenacidade, autoconsciência, orgulho, natureza imutável, meio-ambiente, saudável, sorte, renovação, juventude, vigor, primavera, generosidade, fertilidade, inveja, ciúmes, inexperiência.
Marrom: materialismo, sensação, terra, casa, espaços abertos, confiabilidade, conforto, persistência, estabilidade, simplicidade.
Prateado: riquezas, glamour, distinto, terrestre, natural, lustroso, elegante, tecnológico.
Dourado: precioso, riqueza, extravagância, calor, tesouros, prosperidade, grandeza.
Isso vale para cinema, publicidade, decoração de ambientes, definição de marcas e outras áreas. Sabendo destes significados dá pra entender um pouco melhor os nossos sentimentos em relação a filmes, lugares e várias outras situações.
Conheça o Macabratone e o uso das cores nos filmes de terror
Se você acompanha o nosso Instagram (se ainda não, aproveita o link https://www.instagram.com/macabratv) já deve ter visto alguns dos tons que formam o Macabratone, o pantone macabro dos filmes de terror. Conheça um pouco mais sobre estes tons assustadores e exemplos de filmes em que eles são empregados:
Sangue fresco
Associado rapidamente à violência, o tom vermelho facilita a identificação do público com o perigo e, consequentemente, com o terror. O vermelho tem o poder de deixar plateias tensas, esperando que o pior aconteça. Associada instintivamente ao sangue, esta cor se tornou uma convenção clássica para filmes de terror, principalmente aqueles guiados pela violência. Exemplos: Twin Peaks, Carrie, a Estranha, Suspiria, Nós, O Iluminado, It: A Coisa.
Black Phillip
Filmes de terror em preto e branco eram a única opção nos primórdios do cinema, mas hoje esta escolha já dá uma mensagem sobre o que o filme quer transmitir. A filmagem em preto e branco permite explorar diferentes texturas e principalmente o balanço de luz e sombra, deixando tudo com um ar um pouco mais fúnebre. Fortes referências do cinema preto e branco vêm da época do Expressionismo Alemão, que pesava nos contrastes, e no Cinema Noir, com seus plots de investigação que envolviam ambientes sombrios. Filmes de terror em preto e branco ou cores pouco saturadas evocam introspecção e dão um ar naturalmente pesado à história. Exemplos: O Gabinete do Dr. Caligari, Psicose, Frankenstein, O Farol, A Bruxa.
White Folk Horror
Se o preto representa algo negativo, o branco necessariamente indica algo bom, certo? Não nos filmes de terror. O uso do branco tem algumas finalidades aqui: alertar para perigos escondidos, como um lobo na pele de uma ovelha. Ele é frequentemente utilizado para a vestimenta de cultos, contraste da luz do sol, neve em ambientes traiçoeiros e ambientes hospitalares, por exemplo. O branco também é uma ótima solução para aumentar o contraste com o sangue, dando a ideia de que algo puro foi maculado pela violência. Exemplos: Midsommar: O Mal não espera a noite, Dexter, Piquenique na Montanha Misteriosa, O Homem de Palha, Colheita Maldita, Laranja Mecânica.
Verde Exorcista
Apesar de possuir várias conotações positivas, o verde nos filmes de terror indica ameaça, normalmente envolvendo forças sobrenaturais ou seres alienígenas. Até a Disney já usa a associação da cor verde para os momentos em que seus vilões planejam algo tenebroso, como em O Rei Leão, A Bela Adormecida e A Princesa e o Sapo. O verde também pode estar associado à inveja e a venenos. Exemplos: O Bebê de Rosemary, O Exorcista, Alien: O Oitavo Passageiro, Beetlejuice.
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Azul Poltergeist
O azul é uma cor que evoca uma atmosfera obscura, fria e desolada. Costuma ser usado tanto para cenas diurnas como para as noturnas, representando uma suposta luz bruxuleante do luar. A cor ainda representa melancolia e pode estar associada ao mundo espiritual, como assombrações, por exemplo. Exemplos: O Chamado, Atividade Paranormal, Jogos Mortais, A Hora do Pesadelo, Nós, O Enigma de Outro Mundo, Poltergeist.
Terra Bacurau
O tom laranja dos filmes de terror pode indicar tanto uma conotação ao sol, fogo e calor (que transforma tudo em cinzas), como um alerta aos personagens que entram em mundos e situações além de sua compreensão. Em tons mais amarelados, ajuda na desolação dos ambientes áridos e desertos, onde nenhum tipo de ajuda deve chegar tão cedo. Em alguns casos, os tons quentes servem de contraste aos mais frios, indicando que o pior já passou ao final de um filme. Exemplos: O Iluminado, Bacurau, Hereditário, O Labirinto do Fauno, A Freira.
Dark Mojica
Homenagem da Macabra ao cineasta brasileiro José Mojica Marins, conhecido como Zé do Caixão. O roteirista, produtor, ator e diretor de cinema foi pioneiro do gênero de terror no Brasil e criou uma marca própria em suas produções de filme B.
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