Kleber Mendonça Filho é um dos grandes cineastas brasileiros da atualidade. Conhecido principalmente por seus longas lançados desde o começo da década de 2010, como O Som ao Redor (2013), Aquarius (2016) e, mais recentemente, Bacurau (2019) e Retratos Fantasmas (2023), o diretor, assim como a maioria dos cineastas de sua geração, começou sua carreira dirigindo curtas.
Um deles, em especial, chama a atenção pela construção de clima de suspense e horror inevitáveis. Vinil Verde, lançado em 2004, tem apenas 13 minutos, mas consegue deixar o espectador arrepiado e curioso com o que pode acontecer a seguir.
A Macabra comemora a carreira de Kleber Mendonça Filho relembrando Vinil Verde em comemoração aos vinte anos de seu lançamento.
A carreira de Kleber Mendonça Filho
Nascido em Recife em 1968, essa é uma das características mais marcantes do cineasta, que utiliza com frequência a cidade como cenário de suas obras. Kleber Mendonça se formou em jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), se tornando, posteriormente, crítico de cinema. De acordo com o site Instituto de Cinema, ainda em 1998, foi escritor no site CinemaScópio, o primeiro site voltado ao cinema de Pernambuco. Ainda naquele ano, se tornou coordenador de cinema na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), onde trabalhou até 2016.
Ainda nos anos 1990, Kleber Mendonça Filho escreveu e dirigiu seus primeiros curtas, Homem de Projeção e Casa de Imagem, ambos documentários de 1992. Nos anos seguintes, escreveu e dirigiu os curtas Paz a Esta Casa (1994), Lixo nos Canais (1995) e Enjaulado (1997). Em 2002, com roteiro de Daniel Bandeira, dirigiu o curta A Menina do Algodão. Depois do reconhecimento recebido com Vinil Verde, de 2004, Kleber Mendonça escreveu e dirigiu outros curtas, inclusive o aclamado Recife Frio (2009), um documentário falso sobre uma estranha mudança climática em Recife, e o longa Crítico (2008), documentário que reúne cerca de setenta críticos e cineastas debatendo suas profissões e as interferências entre ambos.

Apesar de já ter se tornado conhecido com os curtas e documentários, foi nos anos 2010 que o nome de Kleber Mendonça Filho começou a reverberar com mais força entre os fãs de cinema. O Som ao Redor, apresentado pela primeira vez no Festival de Roterdã em 2012 e em cinemas brasileiros em 2013, foi o escolhido daquele ano para representar o Brasil na disputa pelo Oscar. Mesmo tendo ficado fora da pré-seleção, isso garantiu ainda mais visibilidade para o título. Em 2015, foi escolhido pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

Conforme os anos se passaram, a popularidade de Kleber Mendonça Filho cresceu. Seu próximo longa, Aquarius, foi exibido no Festival de Cannes em maio de 2016, sendo apresentado em Gramado naquele ano, com estreia no circuito nacional em setembro, entrando na lista de uma das melhores estreias nos cinemas de 2016. Em seguida, Kleber Mendonça Filho brilhou com Bacurau, filme de 2019, que conquistou o público nacional e internacional de cinema de gênero, presente, inclusive, em listas de melhores filmes latino-americanos de horror e afins em sites internacionais.
Nós somos as luvas verdes, a gente vem te pegar
Apesar de Bacurau ter sido o grande fenômeno de aproximação de Kleber Mendonça Filho com os fãs de terror, o cineasta já havia flertado com o gênero e seus semelhantes — como o suspense — em incursões passadas, como O Som ao Redor e, claro, Vinil Verde, um curta que cria tensão desde o começo e impede que o espectador retire os olhos da tela. São 13 minutos em que tudo pode acontecer.
Escrito em conjunto com Bohdana Smyrnova, cineasta independente ucraniana, Vinil Verde reconta uma fábula infantil russa sobre uma garotinha que, ao não seguir os conselhos de sua mãe sobre qual tipo de luva comprar para se manter aquecida no inverno, acaba atraindo à sua casa diversas tragédias.
Na história do curta, Mãe (Verônica Alves) acorda todos dias a Filha (Gabriela Souza) — assim mesmo, sem nomes. Certo dia, ela lhe dá um presente especial: uma caixa com uma coleção de vinis e um tocador de discos. A Mãe diz a Filha que ela pode ouvir todos os discos quantas vezes quiser, menos o vinil verde. Mas, como crianças geralmente são curiosas, assim que a Mãe sai para trabalhar, deixando a Filha sozinha, ela vai até o quarto e ouve o vinil verde.

Naquela noite, ao voltar do trabalho, a Mãe volta sem um braço. E é aí que os níveis mais fortes de suspense começam a surgir e crescer, até o final e a conclusão dessa jornada.
O sentimento de estranheza que vai nos acompanhar por todo o curta já nos é entregue logo nos primeiros segundos: produzido em 35mm, não vemos exatamente um vídeo, e sim uma montagem com fotografias “stills” reproduzidas uma após a outra. O que dá movimento à imagem é exatamente a forma como as fotografias foram reunidas.

A narração de Ivan Soares e as músicas de Silvério Pessoa, que acompanham as imagens sendo reproduzidas uma atrás da outra, ajudam a incrementar o tom de suspense. Nós tememos o que pode vir a seguir, e o encerramento da trama não decepciona. Uma fábula contada através do horror (e curiosidade) infantil, Vinil Verde é um curta para lá de estranho e eficiente, que conquistou diversos prêmios — como Melhor direção, Melhor Montagem e Prêmio da Crítica no Festival de Brasília —, que merece ser revisitado e relembrado dentre os sucessos de Kleber Mendonça Filho.
Vinil Verde e Doze Macacos: uma origem em comum
Uma das características mais marcantes do curta Vinil Verde, que é sua composição a partir de fotos, também o liga a outra obra, o clássico de ficção científica Os 12 Macacos, de Terry Gilliam. Ambos compartilham um ponto de origem em comum: o curta-metragem La Jetée, de Chris Marker.

LEIA+: O FUTURO É APENAS HISTÓRIA: CURIOSIDADES DE OS 12 MACACOS
Em Lá Jetée, acompanhamos um homem que faz uma espécie de viagem no tempo utilizando fotos reunidas em um filme através da fotomontagem — o mesmo estilo de reunião de fotos transformada em sequência que Vinil Verde utiliza. O estilo foi utilizado por Kleber Mendonça Filho pensando justamente no trabalho feito pelo cineasta e fotógrafo Chris Marker.

LEIA+: CONHEÇA A NOVELIZAÇÃO DO CLÁSSICO DE TERRY GILLIAM ESCRITA POR DE ELIZABETH HAND
Enquanto se distanciam em relação a seus temas e a forma como fazem essa homenagem — Os 12 Macacos, de Gilliam, utiliza uma filmagem convencional, mas o tema se aproxima de La Jetée, enquanto Vinil Verde se distancia, mas se aproxima em relação ao estilo de montagem —, ambos partem de um mesmo local para contar histórias tão diferentes.
*
E você, já assistiu Vinil Verde, do Kleber Mendonça Filho? Qual a produção favorita do cineasta? Comente com a Macabra no Twitter e Instagram.