Quando você pensa em horror corporal, físico, David Cronenberg provavelmente lhe salta à mente. Os filmes de terror do diretor encurralaram o mercado em horrendas e psicologicamente distorcidas transformações e colapsos do corpo humano, essa é a verdade. Mas o horror corporal existiu muito antes, com Frankenstein, de Mary Shelley, como um exemplo anterior, e o subgênero prosperou e evoluiu muito desde então. Horror é um gênero que floresce no medo do desconhecido, e esse sub-gênero macabro explora esse medo da pior maneira possível.
O horror corporal nos lembra que às vezes a morte é melhor, enquanto assistimos com desgosto as vítimas ficarem presas dentro de seus próprios corpos, à medida que estes se degeneram e se transformam em algo desconhecido, não identificado. Em um nível visceral, nos enoja porque é perturbador e grosseiro de se olhar.
Em um nível emocional, no entanto, o horror corporal incute algo mais profundo que mero medo, porque tendemos a temer perder quem somos, como pessoas. A lenta mutação de Seth Brundle no monstro-mosca em (obviamente) A Mosca nos repeliu visualmente quando seus dentes caíram e ele vomitou enzimas digestivas para conseguir se alimentar, mas sua história também evocou simpatia devido ao seu desespero de se agarrar a qualquer humanidade que ele ainda tivesse. Sua transformação estava consumindo não só corpo, mas alma.
O horror corporal como nós conhecemos atualmente realmente começou a surgir na década de 1950, com The Fly e The Blob. Ambos destaques do horror para o seu tempo, uma demonstração de efeitos práticos, e ambos acabariam sendo refeitos décadas mais tarde.
A entrada mais proeminente no horror corporal nos anos 60 foi, surpreendentemente, O Bebê de Rosemary. O clássico filme de terror de Roman Polanski explorou os medos da maternidade, e a pobre Rosemary Woodhouse (Mia Farrow) nunca teve verdadeiramente alguma autonomia sobre o próprio corpo. Seu próprio marido a drogou e a ofereceu a Satanás, e a gravidez resultante foi controlada a todo momento pelas bruxas da vizinhança. Mesmo quando o bebê Anticristo em seu ventre a estava deixando muito doente, ela nada pôde fazer.
O ano de 1977 chegou com tudo e impulsionou o terror do corpo para a frente de forma decisiva com Eraserhead, de David Lynch, The Incredible Melting Man, de William Sachs, e Rabid, de Cronenberg. Ele já havia começado sua exploração do horror corporal com Shivers de 1975, mas Rabid ampliou o escopo do horror quando a protagonista Rose, vivida por Marilyn Chambers, se viu doente por um surto de zumbis graças a um procedimento experimental que foi impelido a ela após sua queda de motocicleta.
O “Incrível Homem Derretido” seguiu o astronauta Steve West (Alex Rebar) lentamente derretendo após seu retorno à Terra, depois de uma séria exposição à radiação no espaço. Narrativamente, o filme é bastante chato, mas é memorável para o fantástico trabalho de efeitos de maquiagem de Rick Baker que torna a lenta desintegração de West tão rude. Lynch deu um toque surreal ao terror corporal com Eraserhead, quando Henry Spencer (Jack Nance) precisa aprende a cuidar e lidar com uma criança deformada. É estranho e onírico. E muito perturbador.
A idade de ouro dos efeitos práticos chegou nos anos 1980, e significou uma verdadeira explosão do horror corporal. A década também viu outra entrada no surreal, com Viagens Alucinantes, de Ken Russell. Estrelando William Hurt em seu papel de estreia, ele interpretou o Dr. Eddie Jessup, um professor que busca um plano alternativo de existência por meio de drogas e câmaras de privação. Jessup se transforma mais e mais com cada experimento nas câmaras.
Dois anos depois recebemos O Enigma de Outro Mundo, de John Carpenter, uma obra de arte em paranoia e efeitos práticos, já que a equipe de pesquisa da Antártida é caçada por um alienígena que muda de formas e assume a aparência (pedaços de aparência muitas vezes) de suas vítimas. Scanners, Videodrome, A Mosca e Gêmeos – Mórbida Semelhança, de Cronenberg, estabeleceram firmemente o diretor como uma voz definidora no terror corporal. Mas há também uma voz mais primordial e frequentemente negligenciada que desempenhou um papel integral no horror corporal dos anos 1980: H.P. Lovecraft.
O amor de Stuart Gordon por Lovecraft produziu um horror corporal pegajoso e inesquecível na forma de Re-Animator e Do Além. Re-Animator, vagamente baseado no conto Herbert West – Reanimator, seguiu as façanhas de Herbert West, vivido por Jeffrey Combs, quando seu agente reanimador o leva a ter sérios problemas com os mortos-vivos. Do Além vê Jeffrey Combs novamente na liderança, dessa vez como Dr. Crawford Tillinghast, um sobrevivente dos experimentos de realidade alternativa do Dr. Pretorius que deram errado. A máquina de Pretorius abre o portal para um mundo alternativo que deixa os humanos em proximidade estendida para sempre transformados. O parceiro de produção de Gordon, Brian Yuzna, enfrentaria o próprio corpo de terror em Sociedade dos Amigos do Diabo, embora o horror corporal permanecesse sutil até o ato final surreal, conhecido como “desvio”.
Já Clive Barker fundiu o terror corporal com o Inferno em Hellraiser, em 1987, já que a ressurreição reversa de Frank Cotton nos forneceu toneladas de material sangrento para pesadelos. Adicione também sadomasoquismo e automutilação, adicione pregos e correntes e roupas de couro, e Hellraiser ampliará ainda mais o alcance do horror corporal.
O Japão também estava experimentando o horror corporal no final dos anos 1980, explorando testes do governo via animação em Akira e fundindo ligas metálicas na carne humana em Tetsuo: O Homem de Ferro.
Se você acha que os anos 90 foram uma terra devastada de terror corporal, então procure Braindead e Body Melt. O primeiro faz uma abordagem cômica ao surto de zumbis e o incrementa com uma quantidade insana de sangue e horror corporal. O último nos mostra moradores de uma pequena cidade sendo usados como cobaias para uma droga que causa morte dolorosa por meio de decomposição rápida. Ambos os filmes levam o horror corporal a níveis dignos de piada, mas é altamente recomendável que você mantenha o jejum enquanto assiste aos dois.
Não foi até a década seguinte, porém, que o horror corporal retornou em grande escala. Com Cabana do Inferno, Eli Roth nos deixou com medo de uma infecção com o vírus carnívoro do filme, já James Gunn injetou humor no horror corporal com Slither, e sua invasão alienígena que levou a todas as formas de mutações grotescas. Depois, há A Centopeia Humana, um filme de terror que procura ofender o universo conhecido com base na premissa; um cientista louco procura criar uma centopeia humana costurando suas vítimas sequestradas, do reto à boca.
Uma nova tendência no horror corporal começou a surgir depois; a história de horror de maioridade. Teeth, Ginger Snaps, Raw, e Blue My Mind, todos pegaram os horrores da puberdade feminina e torceram ainda mais com estranhas transformações corporais. Em Ginger Snaps, o ataque da puberdade foi representado com a infecção de licantropia que Ginger estava enfrentando, enquanto a transição para a feminilidade significava transformar-se em uma besta completamente diferente em Blue My Mind. Teeth e Raw interpretam o despertar sexual com resultados monstruosos.
O horror corporal se sobrepõe e combina muito bem com outros subgêneros de horror, e oferece mais profundidade interna do que apenas transformações externas — talvez por ter começado enraizado em medos conscientes de perder o controle de nossos próprios corpos, já que os personagens na tela perderam o controle deles por meio de mutilação, transformação ou decomposição.
Agora, isso também pode refletir nossos medos médicos, mudanças indesejadas, medos tecnológicos e até mesmo nossos medos do crescimento natural que nos levará à velhice. O que podemos dizer com certeza é que esta é apenas uma ponta do iceberg, por isso tenha medo. Tenha muito medo.
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Texto traduzido de Bloody Disgusting.