O rei da Ilha da Caveira: a história de King Kong, de 1933

Dos efeitos especiais aos debates raciais levantados posteriormente, a Macabra relembra características que transformaram King Kong, de 1933, em um dos filmes mais lembrados da Era de Ouro do cinema.

Antes de Godzilla destruir Tóquio em 1954, outro monstro gigante dominou as telas de cinemas ainda em 1933. Futuramente os monstros se encontrariam — e lutariam juntos! —, mas antes que isso acontecesse, muita coisa ainda ia acontecer com o monstrão peludo da Ilha da Caveira.

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Dirigido e produzido por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, King Kong foi um dos primeiros e mais arrebatadores sucessos do estúdio RKO, e impressionou audiências desde suas primeiras apresentações com seus efeitos especiais, criados por Willis H. O’Brien.  

A Macabra relembra algumas características que fizeram do filme tão inesquecível.

Em busca da ilha da caveira

Carl Denham (Robert Armstrong) é um cinegrafista conhecido por suas filmagens junto à vida selvagem de lugares distantes e exóticos. Buscando uma nova aventura, ele faz um trato com o Capitão Englehorn (Frank Reicher), do navio Venture, para uma nova excursão e encontra em Ann Darrow (Fay Wray) a atriz perfeita para as gravações que está prestes a fazer. Logo a jovem atrai as atenções do primeiro imediato do navio, Jack Driscoll (Bruce Cabot).

Driscoll, Darrow e Denham

A bordo do Venture, Denham conta que eles estão a caminho da Ilha da Caveira (apesar de ter ficado conhecida assim, nunca chegam a intitular a ilha com este nome no filme), um lugar nunca antes desbravado, onde ele espera encontrar uma criatura conhecida por Kong. Chegando ao local, eles encontram uma vila separada por uma enorme muralha de pedra do restante da ilha e um estranho ritual: um sacrifício da “noiva de Kong”. Ao verem Ann, os nativos afirmam que querem trocá-la por algumas de suas mulheres. Após os homens do Venture negarem a possibilidade, Ann é sequestrada e logo será enviada como próximo sacrifício para Kong.

Ao se darem conta de que Ann foi sequestrada, Denham e Driscoll partem em busca dela. Quando se aproximam da ilha, porém, percebem que Kong já está com a jovem. Denham e Driscoll decidem desbravar a ilha da caveira em busca de Ann, mas acabam encontrando diversas criaturas jurássicas. Quando finalmente recuperam Ann, o grupo também consegue capturar Kong e levá-lo a Nova York para apresentá-lo na Broadway.

Imaginamos que, daqui, a maioria das pessoas tem alguma pista do que acontece a seguir. A imagem de Kong escalando o Empire State Building é um marco no imaginário popular e segue firme até hoje como uma das maiores imagens do cinema em preto e branco.

Uma viajante de verdade

Ruth Rose (Imagem de: Wild View)

Ruth Rose nasceu em 1896, filha do dramaturgo Edward E. Rose. Desde muito cedo, já aos 14 anos, Rose começou sua carreira como atriz na Broadway. Aos 30 anos, Rose era a historiadora responsável do New York Zoological Society em uma expedição às ilhas Galápagos. Rose era membro do Departamento de Pesquisa Tropical, criado em 1910 e uma das mais importantes instituições no trabalho que hoje conhecemos como a pesquisa de biologia de campo.

Foi nesta viagem que conheceu Ernest Schoedsack, que trabalhava como cinegrafista para a excursão. Ambos se apaixonaram e se casaram em seguida, e Rose começou a acompanhar as aventuras cinematográficas de Schoedsack. A ideia para King Kong foi de Merian C. Cooper, que trouxe Edgar Wallace, o famoso escritor de mistérios e aventuras, para escrever o roteiro. Outros roteiristas passaram pelo projeto, como James Ashmore Creelman, mas foi Ruth Rose quem trouxe o ritmo necessário para que King Kong se tornasse mais dinâmico.

Rose muitas vezes não recebe o crédito necessário por seu trabalho. Depois de King Kong, Rose ainda trabalhou como roteirista nos filmes Blind Adventure (1933), Os Últimos Dias de Pompéia (1935) e Monstro de um Mundo Perdido (1949) — que ganhou um remake nos anos 1990, intitulado Poderoso Joe —, e também escreveu a adaptação e os diálogos de Ella – A Feiticeira (1935), adaptação do livro de H. Rider Haggard. Rose faleceu em 1978. 

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Efeitos especiais de arrasar

Willis O’Brien

Utilizando técnicas de stop motion, animação, pintura, retroprojeção e miniaturas, King Kong se tornou uma lenda dos efeitos especiais. O responsável pelo feito foi Willis H. O’Brien, que se tornou reconhecido por criar algumas das imagens mais famosas do cinema preto e branco — como a já mencionada cena de Kong e o Empire State Building. 

Imagens também foram pintadas, como quando a equipe do Venture chega à terra de Kong, com pinturas criadas por Henry Hillinck, Mario Larrinaga e Byron L. Crabbe. Na mesma cena, também foi utilizado o processo de retroprojeção, com imagens projetadas atrás dos atores. Mas, talvez, os efeitos especiais de Kong sejam ainda os mais impressionantes. Suas lutas contra adversários jurássicos, por exemplo, eram difíceis de realizar. Se hoje sabemos que a animação em stop motion é um processo complicadíssimo, nos anos 1930 as coisas eram ainda mais difíceis. Apenas uma das lutas, entre Kong e o Tiranossauro, levou sete semanas para ser completada. 

Além de King Kong, O’Brien também foi responsável pelos efeitos especiais em O Mundo Perdido (1925), O Escorpião Negro (1957) e, ao lado da mesma equipe de King Kong, em Monstro de um Mundo Perdido (1949), pelo qual ele ganhou o Oscar na categoria de Melhores Efeitos Especiais. O’Brien teve um protégé enquanto trabalhou na indústria cinematográfica, que trabalhou com ele em alguns filmes posteriores: ninguém menos que Ray Harryhausen.

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Legado

Além de ter sido um estouro com suas saídas criativas para dar vida a um macaco gigante e ter ganhado uma sequência no mesmo ano de seu lançamento, com O Filho de King Kong (1933), King Kong acabou se tornando um clássico duradouro na cultura popular, sendo referenciado em diversos outros filmes, séries e animações, além de ter ganhado uma série de remakes.

O primeiro remake real do filme foi King Kong (1976). Mas, antes disso, em 1961, o produtor Herman Cohen pagou 25 mil dólares para utilizar o nome Kong e fez o filme Konga. Com algumas poucas semelhanças com o filme de 1933, o filme de 1961 não é tão lembrado quanto seu antecessor. 

King Kong Contra Godzilla (1993)

Dois anos depois, em 1963, foi a primeira vez que Kong se encontrou com o kaiju japonês de maior sucesso do mundo. King Kong Contra Godzilla foi dirigido por Ishirō Honda, com efeitos especiais de Eiji Tsuburaya e produzido pela própria Toho, a casa de Godzilla. O filme contou com a segunda maior bilheteria japonesa nos cinemas e foi feito a partir de uma ideia de Willis O’Brien, que havia pensado em uma batalha de Kong contra uma Criatura de Frankenstein gigante.

Em 1976, o primeiro remake oficial de King Kong foi feito. Com direção de John Guillermin e protagonizado por Charles Grodin, Jeff Bridges e Jessica Lange, essa nova incursão à ilha da Caveira foi mais bem sucedida. O filme ganhou uma sequência, King Kong 2, em 1986,

O segundo remake oficial saiu em 2005, e talvez seja o mais lembrado pelos fãs. Dirigido por Peter Jackson, o filme teve Naomi Watts, Jack Black e Adrien Brody no elenco. Não teve sequências, mas provavelmente abriu um pouco mais as portas para o que viria ser a junção definitiva de Kong e Godzilla no Ocidente alguns anos mais tarde.

Kong: A Ilha da Caveira (2017)

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Em 2017 foi lançado Kong: A Ilha da Caveira, o segundo filme lançado dentro do que hoje chamamos de Monsterverse, a união ocidental dessas duas franquias clássicas. Dirigido por Jordan Vogt-Roberts, contou com Tom Hiddleston, Samuel L. Jackson e Brie Larson. Podemos dizer, dentro desse universo que, o filme é uma sequência de Godzilla (2014), e é seguido por Godzilla II: Rei dos Monstros (2019), Godzilla vs. Kong (2021) e Godzilla e Kong: O Novo Império (2024), 

Os debates raciais em King Kong

Schoedsack havia trabalhado em aventuras que envolviam os primatas anteriormente, em Chang (1927) e Rango (1931), o primeiro ao lado de Merian C. Cooper, com quem dividiu a direção de King Kong. A curiosidade com “regiões exóticas” e povos desconhecidos chegara ao cinema e fez com que uma série de filmes bastante problemáticos fossem produzidos. Isso porque, na grande maioria das vezes, não havia o mínimo de base para a produção dessas histórias.

Talvez o caso mais bizarro tenha sido Ingagi, filme de 1930 dirigido por William Campbell e lançado como um falso documentário, que trazia cenas absurdas sobre primatas e humanos nativos de regiões afastadas dos grandes centros brancos daquele período. Em 1930, Ingagi foi um sucesso no cinema e, apesar de não ser citado diretamente como uma possível inspiração para Kong, é sabido que a RKO somente autorizou a produção do filme pelo sucesso de Ingagi. Além disso, o mesmo ritual de sacrifício dos nativos em King Kong pode ser observado em Ingagi, ao escolherem uma mulher para ser a “noiva” do animal.

No livro Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror, a dra. Robin R. Means Coleman afirma que “De forma significativa, é a sexualidade da mulher negra — e não o romance negro ou o amor — que captura a imaginação e a atenção dos criadores de imagens durante o ciclo do terror da década de 1930”. Sobre Ingagi, Coleman comenta sobre a visão deturpada do filme: “Enquanto salvam a vida da mulher negra e matam o animal, os homens, e, consequentemente, a plateia do filme, são levados a crer que a mulher não foi livrada apenas de ser espancada e/ou devorada pelo animal. Em vez disso, ela foi poupada de um encontro altamente erótico com a bestialidade”.

A diferença é que a jovem salva em King Kong é Ann, uma mulher branca. Mas, quando chegam à ilha de Kong, é uma mulher nativa quem está pronta para se tornar uma vítima. Coleman argumenta que “Se Ingagi fez com que o público considerasse os costumes sexuais repulsivos das mulheres negras, então King Kong estendeu o ataque metafórico aos homens negros por meio das imagens de um grande gorila negro perseguindo uma mulher branca”. Em um misto de complexo de salvador branco e uma disseminação errônea de como viviam pessoas não brancas em nações distantes, King Kong e Ingagi acabam tendo problemas muito semelhantes, e isso deve ser considerado ao pensarmos em obras do passado.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.