Ao roubar aqueles 40 mil dólares, Marion Crane não tinha ideia da enrascada que estava se metendo. Pior do que a polícia procurando por ela foi sua decisão de parar em um hotelzinho isolado chamado Bates Motel.
Psicose, de Alfred Hitchcock, adaptado do livro de mesmo nome de Robert Bloch, é um dos maiores clássicos do terror. O filme conta a história de Marion (Janet Leigh) que, ao fugir depois de um roubo bem-sucedido, acaba encontrando um destino muito pior do que a cadeia. À primeira vista, o Bates Motel era um lugar tranquilo. Seu dono, Norman Bates (Anthony Perkins), parecia um cara simpático e até mesmo meio retraído. Mas as primeiras impressões podem enganar.
A Macabra reuniu algumas curiosidades e histórias sobre a produção de Psicose.
Obrigada, Peggy Robertson
Foi a assistente de Alfred Hitchcock que lhe contou sobre o livro de Robert Bloch, depois de ler a coluna “Criminals at Large” no jornal The New York Times, onde o jornalista Anthony Boucher fez uma review bastante positiva da obra.
Lançado em 1959 e baseado levemente no caso de Ed Gein — que morava apenas há cerca de 64 km de Bloch e preso dois anos antes do lançamento do livro —, Psicose se tornou o trabalho mais influente de Bloch. A carreira do escritor havia começado há muitos anos, escrevendo para revistas de terror como a Weird Tales, sendo influenciado por obras como as de H.P. Lovecraft. Ao longo dos anos, Bloch escreveu centenas de contos e mais de trinta livros.
A habilidade de Bloch em criar uma atmosfera de tensão, deixando pistas ao longo do texto, contribui para ele ter alcançado uma marca no mundo literário. Suas camadas de complexidade textual, os detalhes deixados para o leitor (que podem ser facilmente reconhecíveis por aqueles que já assistiram ao filme), os temas abordados e sua própria qualidade narrativa fazem de Psicose um livro atemporal, admirado por leitores novos e antigos.
Peggy Robertson era assistente de Hitchcock. Ambos se conheceram em 1948, e em 1949 Robertson auxiliou o cineasta em Sob o Signo de Capricórnio. Anos depois, nos anos 1950, Robertson foi contratada de vez por Hitchcock e passou a trabalhar com ele em tempo integral, não somente o auxiliando ao longo das produções, mas principalmente na pré-produção — encontrando histórias para que o cineasta trabalhasse. Ao ler a resenha de Boucher, Robertson viu potencial em Norman Bates.
Sucesso inesperado

Apesar de hoje ser considerado um dos maiores sucessos do terror, Psicose nasceu sendo bem malvisto pelo seu estúdio de origem, a Paramount. Quando recomendaram o roteiro para que os executivos do estúdio analisassem, eles não gostaram nadinha da ideia de um filme ser feito a partir daquilo.
Mas, é claro, se dependêssemos de executivos para os filmes de terror saírem do papel, não teríamos muitos filmes de terror por aí. Foi o próprio Hitchcock quem comprou os direitos do livro para adaptá-lo pela soma de $9,500 na época. Reza a lenda que Hitchcock pediu a Robertson que comprasse todos os livros que encontrasse disponível, para que ninguém soubesse o final do filme e todos fossem pegos de surpresa.
Ainda assim, a Paramount não queria dar o braço a torcer. Mesmo com as propostas de baixo orçamento de Hitchcock para a filmagem e o apoio de sua equipe em Alfred Hitchcock Presents, a série que o cineasta apresentava, os executivos estavam resolutos em não levarem o projeto adiante. Hitchcock se ofereceu para financiar o filme, utilizar sua equipe e realizar a gravação nos estúdios da Universal, contanto que a Paramount distribuísse. Abrindo mão de seus honorários e ficando com 60% de participação do negativo do filme, o cineasta conseguiu fechar o acordo.
A construção do roteiro
A primeira versão da adaptação do roteiro surgiu pelas mãos de James P. Cavanagh, que também escrevia para a série Alfred Hitchcock Presents. Exatamente por causa de sua experiência anterior com o seriado, o roteiro de Cavanagh parecia um pouco como um conto de terror para a TV na opinião de Hitchcock.
Joseph Stefano era um cara relativamente novo no meio dos roteiros, mas Hitchcock acabou aceitando marcar um encontro com ele, o que levou Stefano a ser contratado para escrever o roteiro de Psicose. Algumas coisas foram removidas do livro, como o interesse de Norman pelo oculto e pela pornografia, e algumas coisas foram “esticadas” — a personagem Marion, por exemplo, ocupa pouco da história origina; em vez de começar o livro apresentando Norman, Hitchcock e Stefano se preocuparam em apresentar Marion, com Norman fazendo a sua primeira aparição somente por volta dos vinte minutos.
Não é só uma cena, é A cena
Uma das cenas mais conhecidas na história do terror — e do cinema, não precisamos ficar acanhados —, é a cena do chuveiro. Marion encontra seu destino fatal ali, em um último momento relaxante depois de tudo que tem passado. Uma cena tão icônica teria suas discussões, mas essa é também uma das cenas mais discutidas no meio cinéfilo (e não cinéfilo).
Sua produção, inclusive, é alvo de debate. Hitchcock apresentou ao menos duas versões enquanto vivo sobre quantas tomadas e quantas câmeras haviam lá: para Truffaut, na famosa entrevista entre os dois cineasta, Hitchcock afirmou que havia setenta e cinco configurações de câmera para quarenta e cinco minutos de gravação; em outras entrevistas, o número alterado ia para setenta e oito pedaços de filme. Até mesmo um documentário foi feito sobre a cena, intitulado 78/52: Hitchcock’s Shower Scene e dirigido por Alexandre O. Philippe.
Além das discussões que envolvem a produção da cena, há também quem acredite que ela é a maior cena de suspense já gravada, tendo se tornado referência quando se pensa nesse sentimento em um filme. A cena também já foi incansavelmente parodiada em filmes e séries de TV, e, de acordo com entrevistas do cineasta, foi um dos motivos de Hitchcock ter pensado em gravar o filme em preto e branco (além, claro, de economizar dinheiro).
Uma localização poderosa
A casa de Norman e sua mãe já vivem sem pagar IPTU na mente dos fãs de terror. A construção do hotel e da casinha acima na colina foi cenário de um brutal assassinato (tá, alguns assassinatos, se contarmos a série lançada posteriormente) e permanece ecoando na mente dos aficionados.
Mas você sabia que aquele lugar já abrigou um outro personagem pra lá de especial dos filmes de terror? O estúdio onde a casa dos Bates se encontra — e que ainda existe, de pé, sem ter sido demolido — no famoso lote da Universal também abrigou os cenários de O Fantasma da Ópera do mestre das mil faces, Lon Chaney! É ou não é uma herança de responsa?
Proibida a entrada após o início do filme
Hitchcock estava levando realmente a série a intenção de manter o filme sob segredo em todas as circunstâncias. Assim que chegaram para gravar nos primeiros dias de filmagem, a equipe foi obrigada a prometer que nada sairia dali. Até mesmo cópias dos livros de Bloch foram compradas para tentar evitar ao máximo que alguma coisa vazasse. Entrevistas não foram cedidas, cópias para críticos não foram permitidas.
Para fechar com chave de ouro as tentativas de Hitchcock de fazer surpresa, foram posicionados diversos anúncios de papelão nas entradas dos cinemas, avisando que o gerente daquelas salas havia sido instruído, sob risco de vida, de que ninguém entrasse depois que o filme começasse. A jogada de marketing certamente funciona, e várias pessoas foram (ainda mais) atraídas para os cinemas após esses avisos.
Um sucesso instantâneo
Todo esse segredo e mistério em cima do filme deu resultado: com algumas críticas mornas em um primeiro momento, logo Psicose se tornou um fenômeno. Quebrou recordes de bilheteria na Ásia, na América do Sul, em países da Europa como a França, e, claro, nos Estados Unidos. Em 1960, Psicose ficou entre os primeiros em bilheteria, conseguindo um valor na casa dos 32 milhões de dólares. Nada mal para um filme que custou menos de 1 milhão!
Ao longo dos anos o interesse pelo filme só cresceu. Psicose já teve alguns relançamentos no cinema, edições especiais em DVD, Blu-Ray, VHS, e tudo mais que era possível. É, com certeza, um dos filmes mais bem avaliados dentro do terror. Foi indicado em quatro categorias do Oscar, entre elas Melhor Diretor e Melhor Atriz (Coadjuvante, para Janet Leigh, o que poderia estragar um pouco a surpresa); Leigh ganhou como Melhor Atriz Coadjuvante no Golden Globes.
Sequências, remakes…
Psicose teve três sequências que continuariam a contar a história de Norman Bates, com Anthony Perkins interpretando o personagem em todas as sequências, que incluíram: Psicose 2 (1983), Psicose 3 (1986, que foi dirigido pelo próprio Perkins) e Psicose 4: A Revelação (1990), um filme feito diretamente para a TV.

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Outro filme para TV foi feito em 1987, intitulado Bates Motel, escrito e dirigido por Richard Rothstein, que conta a história de um homem que, ao ser “colega de quarto” de Bates no hospital psiquiátrico, acaba comprando o hotel depois de sair de lá. Perkins não teve relação com esse filme.

Houve um remake de Psicose dirigido por Gus Van Sant em 1998, que contou com Vince Vaughn como Norman, Julianne Moore como Lila e Anne Heche como Marion. O filme não se saiu muito bem com a crítica ou a bilheteria, sendo praticamente uma regravação de cena a cena do longa original, com a diferença de ser gravado a cores.

Uma das obras mais bem-sucedidas a se inspirar no universo criado por Bloch e Hitchcock, porém, foi Bates Motel, série que foi exibida entre 2013 e 2017, que se debruçava sobre a história de Norman antes da morte de sua mãe, Norma. Norma foi interpretada por Vera Farmiga, e Norman por Freddie Highmore. A série contou com cinquenta episódios, divididos entre cinco temporadas.

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