Rodrigo Aragão é reconhecido por muitos amantes do gênero horror como uma espécie de guerrilheiro do cinema nacional. Empunhando a bandeira já sustentada por ícones do horror como José Mojica Marins, Rodrigo usou técnicas e inovações de baixo orçamento em seu primeiro filme, Mangue Negro (2008), que foi rodado de forma independente, e contou com a ajuda de amigos.
Nos festivais, Mangue impressionou público e críticos e abriu caminho para que o cineasta se tornasse um dos nomes nacionais mais conhecidos do gênero. A Mata Negra, quinto filme de Rodrigo, ampliou ainda mais seu estilo único que envolve chacinas, nascimentos de bebês-aves e invocações do diabo.
Uma das mais novas produções de Aragão não se trata de um filme, mas de um museu. Convidamos Rodrigo para conversar um pouco com nossos leitores macabros e dizer muito do que você precisa saber antes de visitar esse verdadeiro Museu de Monstros.
ENTREVISTA COM RODRIGO ARAGÃO
- Em uma pesquisa rápida sobre suas origens, logo conhecemos a profissão de seu pai, um mágico. Pode nos dizer até que ponto esse detalhe interferiu ou influenciou em suas escolhas profissionais? E onde exatamente nasceu esse apreço pelo horror? Consegue se lembrar?
Meu pai foi dono de cinema por décadas, mas a sala fechou antes de eu nascer. Durante a minha infância ele passava filmes antigos ao ar livre em comunidades isoladas, então tive a oportunidade de ver muitas pessoas assistindo a uma projeção pela primeira vez na vida, e isso me mostrou como trabalhar com cinema pode levar um pouco de magia a vida de muitas pessoas. Sobre o terror: para mim não há nada mais divertido que assustar as pessoas com monstros que não existem.
- Como foi sua entrada na sétima arte?
Comecei fazendo maquiagens e máscaras em casa, até ser chamado para trabalhar em um curta, em 1994. A partir daí produzi efeitos e cenários para muitas peças de teatro e curta-metragens, sempre levando o desejo de conduzir minhas próprias ideias à tela, coisa que comecei a fazer com curtas totalmente sem orçamento em 2004.
- O Museu dos Monstros de Guarapari se tornou notícia rapidamente, e claro que estamos curiosos. De onde surgiu a ideia?
Me encanta poder mostrar um pouco do trabalho que acontece atrás das câmeras. Com tantos anos de trabalho consegui juntar uma grande quantidade de bonecos, máscaras, figurinos, adereços e cenários. Então por que não montar um museu itinerante com todo esse material?
- Pelo que vimos e ouvimos, os bonecos e manequins expostos foram usados em seus filmes, pode nos contar um pouco do processo de criação das peças? Todos os personagens são idealizados por você? E entre filmes e personagens, existe algum que seja mais inesquecível? Seu bebê-monstro preferido?
Vários bonecos do museu são as peças originais que foram usadas nas filmagens, outras são réplicas que saíram da mesma forma do original. Um longo trabalho de restauração foi feito utilizando silicones e resinas para aumentar a resistência e durabilidade da peça. Acho que o mais importante foi o Saci, personagem que foi dirigido por José Mojica Marins no conto “O Saci” no longa As Fábulas Negras, último trabalho de direção do mestre brasileiro do terror.
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- Há tempos sabemos de sua coragem e senso de empreendedorismo, mas o que é mais difícil em terras tupiniquins: fazer um filme ou organizar uma exposição de horror?
Tudo é muito difícil, pois precisamos de um alto investimento e o retorno quase sempre é inferior ao orçamento, então temos que pensar na trajetória como um todo e saber que o carinho e o encanto dos fãs é o combustível que nos faz seguir em frente em um cenário tão árido.
- Como tem sido a reação do público ao visitar a mostra? Como funciona a venda de ingressos?
A reação da plateia é muito boa, o público normalmente fica surpreso ao saber que existe uma produtora capixaba que já fez seis longa-metragens e, ao ver os monstros ao vivo, eles podem assistir às cenas dos filmes usando QR codes próximos às peças.
- Falando de horror de uma maneira mais ampla, você acredita que o Brasil está no caminho para uma nova realidade nesse gênero? O que deveria ou poderia ser feito para que a produção nacional caia definitivamente nas graças do público que, como sabemos, move rios de dinheiro às produções estrangeiras?
Em 2019 foram 37 longa-metragens brasileiros de terror entre lançamentos e produção. Um número nunca visto antes. Junto com a quantidade vem a qualidade, comprovada com prêmios importantes e ótimas críticas internacionais, o que mostra que estamos no caminho certo. Tudo isso contrasta com o momento terrível que a cultura brasileira está vivendo.
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- Somos fãs de seu trabalho e não podemos deixar de falar um pouco mais do corajoso A Mata Negra. Além do regionalismo brutalmente verdadeiro em muitas cenas, é perceptível a existência de um debate político sob a superfície, que alfineta e discute o conservadorismo religioso, a (falsa) moralidade e a exclusão de minorias, assuntos que infelizmente têm saltado aos nossos olhos nos últimos anos. Essa preocupação com a realidade é uma constante em seus trabalhos? Você acredita que o horror deva nos confrontar com problemas reais através de suas alegorias e monstros em vez de puramente fantasiar?
Acho que um bom filme deve ser divertido acima de qualquer coisa, pois entreter é o objetivo primário do cinema, mas historicamente os filmes de terror refletem os medos de sua época, e vivemos tempos sombrios onde fanatismo, perseguições e censuras são uma realidade, então eles devem fazer parte da ficção.
- Rodrigo, foi um prazer sangrento tê-lo conosco, e se puder, nos conte um pouco dos coelhos que você ainda guarda na cartola. O que vem por aí? Estamos sempre sedentos por novidades!
Eu que agradeço a oportunidade de poder falar um pouco sobre terror brasileiro. Estou na pós produção de meu sexto longa-metragem, O Cemitério das Almas Perdidas, que deve ser lançado no segundo semestre de 2020. Também estou escrevendo um longa chamado Prédio Vazio, meu primeiro terror urbano, e uma série de fantasia, Contos da Lama.
Visite o Museu dos Monstros
Aberto de quarta-feira a domingo, de 14h às 19h
Rua Antônio Lira Monjardim, 705, Praia do Morro, Guarapari
Ingressos: R$ 10