Uma jovem mulher que utiliza de poderes naturais e sobrenaturais para conquistar o que quer — e o que ela quer, acima de tudo, é ser amada. Em The Love Witch, filme de 2016, escrito, dirigido e produzido por Anna Biller, a bruxaria aparece como uma parceira controversa para a protagonista da história.
Esqueçam as mulheres que vivem isoladas em cabanas, afastadas da sociedade. Elaine Parks (Samantha Robinson) é uma bruxa moderna, disposta a utilizar a magia para atingir seus objetivos — principalmente quando o assunto é o amor de um homem. Elaine está se recuperando de um relacionamento que não deu certo e acabou tragicamente quando se muda para uma nova cidadezinha, onde acaba se apaixonando novamente.
É a partir da magia que Elaine inicia e termina seus relacionamentos — seus feitiços enlouquecem os homens e eles ficam tão apaixonados por Elaine que morrem. Mas por que? E o que isso nos diz sobre sua magia?
De início, algo que nos chama a atenção em The Love Witch é o período que Biller escolheu para a história de Elaine. A estética escolhida pela cineasta é a dos anos 1970, desde as cores até o figurino, cenário, trilha sonora e a maquiagem dos personagens.
Elaine costuma usar um delineado bem marcado e sombras cintilantes, como a clássica sombra azul-bebê da personagem. Os cenários e roupas de Elaine possuem muitas cores em tons pastel, com luzes caleidoscópicas. Há algo de clássico e gótico em The Love Witch, que nos lembra os grandes filmes do período — cadeiras e mesas, portas e janelas que poderiam estar em algum filme de Vincent Price, da Hammer, de Roger Corman. O visual parece tão carregado de nostalgia da década de 1970 que muitos espectadores a compararam a Lana Del Rey, que aposta em uma estética semelhante à escolhida por Biller para seu longa.
Escolhas de diretores e cineastas dificilmente são feitas sem propósito. O fato de The Love Witch carregar na estética dessa década tão facilmente reconhecível traz uma série de questões e temos que considerar algumas coisas para compreender as decisões de Anna Biller. A escolha da diretora não foi somente estética.
Os anos 1960 e 1970 foram décadas agitadas. A política, a cultura, a sociedade eram âmbitos com relações efervescentes. O auge do movimento hippie, a realidade da guerra do Vietnã, a luta pelos direitos civis de pessoas negras, a segunda onda do movimento feminista… todos esses assuntos atuaram juntos durante esse período. O clima era de debate e discussão constantes, de disputas de poderes e disputas de narrativas.
Para nós, enquanto pensamos em The Love Witch, é o último ponto um dos mais relevantes ao filme. Elaine é uma mulher submissa aos seus amores. É uma bruxa poderosa, mas foi abusada psicologicamente por todos os homens que estiveram ao seu redor. Inclusive seu marido, que morreu em “condições estranhas”. Elaine então foi acolhida por um grupo de bruxos para se encontrar. Enquanto Elaine parece uma mulher independente, ela está constantemente na busca por um homem a quem possa agradar.
Em oposição direta a Elaine temos a personagem Trish (Laura Waddell), uma corretora de imóveis, cuja preocupação é por si mesma. Trish é casada e tem um homem razoável a seu lado, que a ama por quem ela é, e Elaine não consegue compreender essa situação — tudo que Elaine conheceu foram homens que tentaram dominá-la, diminuí-la ou subjugá-la. Em uma conversa entre as duas, Elaine chega a dizer que uma mulher deveria fazer tudo que um homem desejasse, para ser cada vez melhor vista por ele, ao que Trish questiona Elaine: e nós, mulheres? O que fazemos por nós?
Outro personagem importante em The Love Witch é o próprio líder do culto de Elaine, Gahan (Jared Sanford). Enquanto tenta ensinar a busca do amor próprio e da dominação dos poderes naturais através de poções e rituais para Elaine, Gahan também a mantém sob certo poder. Em sua iniciação, Elaine chega a ser abusada pelo mestre. É importante lembrar que, nessa época, cultos não eram uma novidade, e um homem que mantinha jovens mulheres iludidas sob suas asas eram facilmente encontrados — o que pode ser visto na vida real, com a Família Manson, e o que pode ser percebido na ficção com alguns filmes, como Maus Momentos no Hotel Royale, filme de 2018 que também evoca a década de 1970 para contar sua história.
É como se os personagens principais de The Love Witch fossem representações de um discurso relacionado às mulheres no período, com o acréscimo da bruxaria, que também é um assunto que vem à tona nas décadas de 1960 e 1970. A religião wicca passa por uma grande guinada, estudos sobre bruxaria retornam com força total, e compreender esse fenômeno se tornou importante para as áreas da história e da antropologia graças ao interesse de uma parte da população por ele.
The Love Witch nos traz uma visão interessante sobre poder, magia, sedução e dependência psicológica feminina. Mesmo que Elaine seja poderosa, ela é dependente e submissa aos homens, e espera poder agradá-los, a todos, esperando que eles a amem de volta. Mas seu poder funciona às vezes bem demais — eles morrem por ela, literalmente. Anna Biller nos entrega um filme esteticamente incrível, sarcástico, e com uma discussão importante sobre poder e responsabilidade. Utilizar a magia para que alguém a ame, sem que ela própria se amasse, fez com que Elaine não reconhecesse outros tipos de amores.
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