Rawhead Rex: altos e (muitos) baixos de uma produção macabra

Da falta do subtexto sexual ao desinteresse da produção de transformar o monstrengo em algo realmente assustador, entenda por que Clive Barker odiou o filme de "Rawhead Rex".

O cinema provavelmente foi o primeiro ponto de contato de muitos fãs de terror com Clive Barker. Algumas de suas histórias se tornaram verdadeiros clássicos do gênero, como Hellraiser e O Mistério de Candyman e abrindo portas  — ou melhor, livros — para que mais leitores conhecessem sua icônica obra.

LEIA+: AS ADAPTAÇÕES MACABRAS DAS OBRAS DE CLIVE BARKER

Porém, uma das adaptações pouco conhecidas do mestre do terror acaba passando despercebida para aqueles menos aficionados. Trata-se de Monster – A Ressurreição do Mal, nome bizarramente traduzido do original Rawhead Rex, mesmo título do conto que faz parte de Livros de Sangue vol. 3, recentemente publicado pelo selo Macabra da DarkSide® Books.

No original, um vilarejo no interior da Inglaterra se torna um sanguinário cenário de destruição após um demônio ser despertado acidentalmente. É um dos contos mais viscerais e caóticos de Barker, descrevendo em detalhes os horrores causados pela criatura em uma trama que não indica qualquer esperança para o fim da matança.

A história foi transposta para as telonas em 1986 com roteiro do próprio Clive Barker e direção de George Pavlou (se você nunca ouviu esse nome não se sinta culpado, a filmografia dele é bem esparsa mesmo). O cenário passou do interior da Inglaterra para o da Irlanda — possivelmente porque era mais barato filmar na ilha vizinha.

Da sátira sexual ao trash barato

Com amargos 25% no Rotten Tomatoes e nota 5.2 no IMDb, o longa acabou se perdendo em meio ao esquecimento de produções trash dos anos 1986, não tendo qualidade suficiente para um triunfante retorno como cult. Sim, ele é só ruim mesmo.

Apesar do roteiro de Clive Barker ter tentado se manter bem fiel ao seu conto, o tom da história mudou completamente. Enquanto “Rawhead Rex” é uma sátira brutal parcialmente narrada do ponto de vista do monstro, Monster – A Ressurreição do Mal não tem nada de aterrorizante.

LEIA+: LIVROS DE SANGUE: A POESIA ESCRITA NA CARNE POR CLIVE BARKER

Boa parte disso se deve ao fato de a fórmula ter sido reduzida para um filme genérico sobre um monstro à solta. Sim, o original também tem disso, mas a paródia acabou ficando mais cômica do que assustadora, principalmente pela incapacidade de criarem um monstro tão repugnante quanto aquele concebido e narrado por Barker.

A mente de Barker é conhecida por conjurar algumas das criações mais bizarras e perturbadoras do terror — algo que aquele aspecto meio besta de filme B de Monster funciona praticamente como uma antítese. O principal motivo é a preguiça da direção de ao menos tentar dar uma melhorada naquela textura artificial da fantasia de Rawhead Rex. Mas não foi apenas isso que deixou Barker pistola.

O longa foi lançado no ápice de uma era em que filmes de terror estavam sendo banidos na Grã-Bretanha. Ou seja, muitos dos produtores e investidores envolvidos no projeto morriam de medo de uma possível censura. O resultado? Todos os elementos mais viscerais, tão característicos de Clive Barker, ficaram de fora. Para piorar, o escritor disse que quase não foi consultado para as decisões criativas após ter entregue o rascunho do roteiro e nem ao menos pisou no set de filmagem. 

Mas o que doeu mesmo para Barker foi a perda do elemento satírico da trama, conforme relatou à revista Nexus em 1987: “Histórias sobre monstros à solta são sobre o princípio fálico. Homens grandes aterrorizando mulheres… Mas a piada só funciona se você entender o subtexto. Do contrário, é só esse monstro idiota correndo por aí”. O autor acrescenta que não conseguiu fazer com que os envolvidos na produção entendessem que a história tinha um fundo sexual

Outros motivos que deixaram o escritor aborrecido com o longa envolvem as atuações e a caracterização de Rawhead Rex, que se parece mais com um ogro do que com a criatura fálica que ele havia descrito no conto.

Foi justamente essa revolta que fez com que ele se envolvesse muito mais na produção de Hellraiser: Renascido do Inferno. Com seu próximo projeto, Clive Barker provou que é possível transpor o terror de sua psicologia macabra dos livros para as telas de um jeito que não apenas seja fiel na teoria, mas que realmente honre o material original.

LEIA+: WES CRAVEN E CLIVE BARKER FALAM SOBRE HORROR E SEXUALIDADE

*

Contestação moral, dor, erotismo e o mais puro hedonismo submerso em litros de sangue. Obra máxima de Clive Barker, o terceiro volume de Livros de Sangue já está disponível na Loja Oficial da DarkSide Books. Comente este post com a Macabra no Twitter e Instagram.

Compartilhe:
pin it
Publicado por

Renunciei à vida mundana para me dedicar às artes da trevas. No meu cálice nunca falta vinho ungido e protejo minha casa com gatos que afastam os espíritos traiçoeiros. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.