A talentosa mosca que pousou no Oscar e o levou para casa

A indústria do horror começou a jogar pesado a partir década de 1970, e sobre tantos filmes incríveis que pavimentaram o caminho, coube à década de oitenta construir as mentes brilhantes e inovadoras de artistas de maquiagem e efeitos como Rick Baker, Rob Bottin, Alec Gillis, Tom Woodruff Jr., Tom Savini, Stan Winston; e inúmeros outros artistas que produziram efeitos práticos inovadores e alucinantes que inauguraram a Idade de Ouro pré-CGI do Cinema — o que significava um glorioso excesso de criaturas em horror. Mais do que apenas uma maravilha técnica, as criaturas em exibição no horror dos anos 1980 significavam uma textura tangível que ainda se mantém décadas depois. De peles grotescas e viscosas a sequências brutais de transformação, não havia nada que os artistas não pudessem criar. E dentro de todos esses projetos incríveis, uma produção sempre merecerá nossa homenagem.

Quando A Mosca de David Cronenberg foi lançado, em agosto de 1986, a era dourada dos efeitos práticos já havia dominado as sequências monstruosas de transformação com filmes como Um Lobisomem Americano em Londres, Grito de Horror, O Enigma do Outro Mundo e muitos outros. E foi exatamente quando os fãs de terror pensaram que já tinham visto de tudo, que o artista de efeitos especiais de criatura Chris Walas e sua equipe começaram a criar a transição gradual de Seth Brundle para um inseto, uma criatura diferente de qualquer outra coisa já havia sido vista (sim, a mosca é um remake, mas os efeitos não podem ou devem ser comparados. O resultado foi um design de criatura e efeitos de maquiagem que imprimiram um realismo impressionante ao conto trágico de Cronenberg, e deram a Walas e Stephan DuPuis (supervisor de maquiagem) um Oscar de Melhor Maquiagem.

Chris Walas, designer de A Mosca

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A Mosca começa como um encontro entre o brilhante, porém socialmente desajeitado cientista, Seth Brundle (Jeff Goldblum) e a jornalista Veronica Quaife (Geena Davis). Ele a atrai até sua casa que já havia se transformado em um laboratório para mostrar seu projeto; um par de cúpulas de teletransporte destinado a fornecer transporte instantâneo entre os dois nichos. Seth oferece a Veronica direitos exclusivos para um artigo em troca de seu silêncio, e os dois acabam caindo em um outro processo, bastante útil para perpetuar a raça humana. Mas seu amor crescente desperta emoções igualmente humanas como ciúme, levando Seth a testar as cápsulas, sem saber que uma mosca entrou no casulo com ele. Isso inicia uma transformação lenta do homem para um híbrido de inseto, uma criatura completamente inumana.

Brundle passa por sete estágios de transformação, começando muito sutil e gradativamente crescendo grotescamente, com transições semelhantes aos estágios de crescimento dos insetos — com Walas tomando o cuidado de evitar que os efeitos tivessem qualquer familiaridade com as transformações já conhecidas de outros filmes.

O primeiro estágio era só a pele manchada de Brundle, como uma reação alérgica, que se tornava mais acentuada com crostas, verrugas e unhas caindo (já no segundo estágio). Na terceira etapa, Brundle parece mais doente, vestindo aparelhos e próteses que dão à sua cabeça uma aparência mais ampla quando seus cabelos e orelhas caem. O quarto estágio torna Brundle ainda menos reconhecível, com aparelhos faciais completos e um traje de corpo inteiro — é aqui que ele está perdendo os dentes e desenvolvendo protuberâncias que mais tarde darão lugar a pernas extras de insetos. O estágio cinco distorce a humanidade ainda mais, exigindo pelo menos quatro horas de aplicações de maquiagem. Esta etapa também introduziu uma réplica mecânica da cabeça de Brundle para estender a mandíbula e empurrar uma língua de mosca.

Estágios da transformação em A Mosca

O teatro de bonecos também preencheu a transição do quinto estágio para o sexto, uma transformação macabra da divisão da pele à medida que partes de insetos emergem, operadas via plataformas por vários membros da equipe ao mesmo tempo. O estágio seis foi o mais difícil, já que os animatrônicos envolvidos na fusão completa de homem e mosca de Brundle não significavam apenas mais partes do corpo caindo, mas também a digestão do vômito da mão e do pé de Stathis Borans (John Getz).

O estágio final foi um impressionante boneco de haste manipulado com sistemas hidráulicos, motores e cabos que levavam oito operadores por baixo do monstrengo.

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Como se isso não bastasse, Walas e sua equipe também produziram o boneco de larvas contorcendo-se para a sequência do pesadelo de Veronica, um osso saliente por meio de um acidente de braço, o babuíno virado do avesso e a inesquecível mutilação dos membros de Stathis. O vômito era uma receita secreta de DuPuis, composta de materiais comestíveis como mel, farinha e corante alimentício. Cronenberg não queria muito sangue no filme, mas o que faltava no sangue era mais do que compensado por lodo, lama e fluidos corpóreos de insetos.

A Mosca

E isso é apenas o material que sobreviveu ao corte final. Um monte de maquiagem do estágio quatro acabou no chão da sala de edição, porque Brundle em algum momento criara uma criatura gato-macaco que acabou assassinada por ele com um cano de chumbo. Compreensivelmente, foi considerado muito intenso — a cena arriscaria destruir muito da simpatia do público por Brundle. Felizmente, é fácil encontrar a sequência nas cenas deletadas no lançamento do DVD. Havia também cenas de Brundle mastigando seu próprio braço de inseto e roendo um pé humano que também já estava corrompido.

Walas, DuPuis e mais de 30 técnicos projetaram e criaram mais de duas dúzias de diferentes efeitos especiais de maquiagem, plataformas e fantoches, e só tinham cerca de três meses de planejamento de pré-produção para trabalhar. Depois que Brundle foi escalado, a equipe teve menos de um mês para conseguir que a maquiagem de Goldblum fosse projetada, moldada e personalizada para o ator.

A Mosca

Cronenberg e os atores principais imbuíram essa trágica história de amor com emoção, personagens simpáticos, trama envolvente e temas em camadas. Mas o impressionante trabalho que a equipe de Chris Walas, Inc. entregou toma muito dessa história para si e a eleva a um nível visceral. O trabalho de Walas e DuPuis é merecedor desse Oscar, afinal, eles não apenas ajudaram a tornar A Mosca um clássico eterno, mas também mostraram aos produtores e à academia que o horror corporal pode e merece ser levado à sério.

Texto traduzido e adaptado do Bloody Disgusting.

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