As características singulares do Barrio Noir de Gabino Iglesias

Viajando por cenários sombrios e personagens complexos, Iglesias tece narrativas que exploram a alma humana com profundidade hipnotizante, criando um gênero de maneira inigualável.

Professor, escritor, imigrante e um grande fã de terror, Gabino Iglesias une essas e mais outras tantas características pessoais em suas histórias. Morando hoje em Austin, no Texas, o porto-riquenho Gabino Iglesias teve oportunidade de ouvir e conhecer histórias de muitos outros imigrantes enquanto dava aulas para pessoas sem documentação que atravessavam a fronteira em busca de um futuro melhor.

Mas foi durante a pandemia que mais um obstáculo surgiu para Iglesias. Enquanto trabalhava como professor na Universidade de Southern New Hampshire durante a noite e tentava continua como crítico literário durante o dia, a dificuldade da quarentena de COVID-19 em 2020 trouxe com ela a demissão de Iglesias. Com dificuldade para encontrar outro emprego naquele momento, ele acabou se dedicando à conclusão do livro que havia começado meses antes.

Essa experiência serviu de impulso para Iglesias terminar de escrever No Limiar do Inferno. Contando a história de Mario, um homem que, ao perder o emprego, perde também todas as bases que mantinham sua vida em funcionamento, acompanhamos as decisões e escolhas que acabam fazendo esse protagonista entrar para o mundo do crime texano, em uma missão mortal de roubar o dinheiro de um dos maiores cartéis da região. Além disso, Mario ainda tem que encarar os fantasmas do passado e as ameaças que o cercam.

O livro recebeu diversas menções nas listas de melhores do ano, além de ter conquistado diversos prêmios literários, como Bram Stoker e Shirley Jackson. No Limiar do Inferno também teve seus direitos comprados para ser adaptado ao cinema pelas mãos do o diretor cubano Alejandro Brugués.

Para conhecer melhor o autor por trás dessa obra tão visceral, ágil e brutal a Macabra reuniu algumas informações sobre Gabino Iglesias para os leitores ansiosos para conhecer seu trabalho. 

Barrio Noir

Não são todos os autores que têm a força para intitular seus trabalhos com um gênero próprio, e menos ainda são aqueles que têm o talento o suficiente para transformar isso em uma marca própria — e segurar a barra. Mas Gabino Iglesias teve.

O autor passou a chamar sua produção de “Barrio Noir”. Barrio, na língua espanhola, é como uma região da cidade, como vizinhança ou mesmo bairro. Mas, em alguns países da América do Sul e Central, também pode significar divisões administrativas que cercam as cidades, algo como os subúrbios norte-americanos. 

Barrio noir é algo só meu, o que significa que não preciso debater com aqueles que dizem que [meu trabalho] é uma coisa ou outra.

Para Iglesias, que sempre inseriu elementos de ficção especulativa em seus trabalhos, a denominação de Barrio noir foi útil para evitar que pessoas o questionassem por que há tanto terror em seus livros de crimes, e por que há tantos crimes em seus livros de terror. Em entrevista ao site Library Journal, Iglesias explica que “O barrio é a sua vizinhança, e meu trabalho traz o espanhol, fantasmas e todo o sincretismo de casa. O noite vem do fato de que é sombrio, mas pode ser rotulado como crime, mistério ou thriller”.

O termo acabou pegando. Iglesias hoje é conhecido por essa categoria de histórias que misturam sua vivência como imigrante vivendo nos Estados Unidos, com diversos elementos trazidos de suas origens latinas. Suas histórias são repletas de termos em espanhol que são facilmente reconhecidos por aqueles que conhecem a cultura da América Central e do Sul, como el chamuco e la huesuda.

A imigração

Apesar de Iglesias viver hoje em Austin, no Texas, o autor nasceu em Porto Rico, sendo ele mesmo um imigrante. Desde o começo de sua carreira, isso esteve marcado em sua literatura. Para Iglesias, é importante que essas histórias tenham voz e encontrem seus leitores. 

Este, inclusive, é um dos motivos pelos quais suas histórias possuem trechos em espanhol que não são traduzidos (nem para o inglês, nem para o português). “Eu sou um falante de inglês não nativo, então eu ponho muito do espanhol e do ‘espanglês’ nos meus livros. Eu não ofereço uma tradução de palavra por palavra. Isso deixa meus leitores que falam uma única língua desconfortáveis? Sempre. E eu gosto disso, porque os força a sentir o que os outros sentem; faz deles, brevemente, o Outro, o forasteiro, aquele que está lutando para entender.”

Os últimos anos acompanharam uma crescente onda de racismo e xenofobia sendo alimentada por governantes, o que transformou a vida de diversos imigrantes — e outros grupos tidos como minorias. Para Iglesias, é a partir da leitura que podemos encontrar essas vozes, conhecê-las, e isso é enriquecedor para a experiência social. 

Sua influência no terror

Ainda que hoje seja professor e escritor e o inglês esteja presente em sua vida de forma constante, Iglesias cresceu em Porto Rico e sua língua materna era o espanhol. Para acompanhá-lo na aventura de aprender um novo idioma, Iglesias lembra de ler contos de H.P. Lovecraft, com o dicionário na mão, fazendo o possível para entender as frases complexas do autor. Mais tarde, era com Edgar Allan Poe e Stephen King que um jovem Gabino Iglesias se divertia.

Quanto aos filmes, Gabino já deixou bem claro que é um fã convicto do gênero ao declarar que “filmes de terror ruins são melhores e mais divertidos do que filmes ruins de qualquer outro gênero”.

Nós somos obrigados a concordar com você, Gabino.

No Limiar do Inferno, primeiro livro de Iglesias a ser publicado no Brasil, está disponível em pré-venda no Site Oficial da DarkSide Books

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.