As influências de P. Djèlí Clark em Ring Shout: Grito de Liberdade

De Beyoncé e Madeleine L'Engle a Lovecraft e Lupe Fiasco. Para escrever Ring Shout: Grito de Liberdade, P. Djèlí Clark levou muitos anos e passou por muitas influências.

Escrever ficção pautada na realidade é um desafio. Diferente da não ficção, que se atém aos fatos, e da ficção, que tem sua liberdade garantida, quando se escolhe trabalhar com uma obra de ficção com elementos e eventos reais há sempre o questionamento “até onde podemos ir com esse assunto?”.

Em Ring Shout: Grito de Liberdade, P. Djèlí Clark se utiliza de um cenário muito real para contar sua história. Após a Primeira Guerra Mundial, a Ku Klux Klan teve um retorno assustador na América do Norte. É a partir desse traço de realidade — e se inspirando em reportagens e textos de época —, que surge no autor a necessidade de contar os acontecimentos que se passam em seu livro.

Mas qual caminho P. Djèlí Clark percorreu para montar o que se tornaria essa história? Quais foram as inspirações e de onde ele retirou todos os detalhes que fizeram de Ring Shout o grande sucesso que se tornou?

Na história, acompanhamos Maryse Boudreaux, uma mulher negra que se reúne com um grupo para lutar contra os monstros de capuzes brancos que têm assustado e assassinado a população não-branca. Em um mundo histórico alternativo, Maryse e suas companheiras de caçada, Sadie e Cordy, são responsáveis pela resistência contra os Klu Kluxes. Com uma espada mágica e diversas histórias guardadas em sua memória de sua infância, Maryse se prepara para um enorme desafio conforme a Klan aumenta de tamanho e de poder.

As inspirações utilizadas em Ring Shout

A pesquisa histórica, um dos trabalhos que P. Djèlí Clark realiza quando não está escrevendo ficção, foi de extrema importância para a construção de Ring Shout. Em entrevista, ao ser perguntado de onde tirou inspiração para escrever o livro, Clark menciona que a ideia começou a se formar com partes separadas. Ao ler narrativas de antigos escravizados em 1930, de quando a Klan retornou, e como eles utilizavam termos monstruosos para tratar da organização criminosa, ele percebeu que havia algo ali que poderia ser interessante, que havia uma noção de membros da Klan como criaturas monstruosas. 

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Então vieram as leituras sobre os ring shouts (cantos antigos da população afro-americana e utilizada por escravizados nas plantações), e também as histórias sobre os Doutores Noturnos (criaturas folclóricas afro-americanas pautadas em uma dose de realidade) e todos esses elementos acabaram se unindo posteriormente no livro que hoje temos em mãos. Mas isso não aconteceu de uma hora para outra. De início, Clark não imaginou que reunir todo esse conteúdo pudesse dar certo.

A coisa começou a tomar forma somente quinze anos depois, quando ele quis criar uma fantasia sulista.

 “Eu descobri que tinha os monstros, a magia, e tudo que eu iria precisar, logo ali, olhando para mim. Alguns vídeos da Beyoncé, memórias de livros da Madeleine L’Engle, Toni Morrison, e algumas músicas de Lupe Fiasco depois, eu tinha uma história.”

Mas é também necessário mencionar as inspirações que levaram Clark a querer subverter e desconstruir certas imagens. Entre estas, estão o filme O Nascimento de uma Nação e a literatura de Lovecraft. 

O Nascimento de uma Nação, filme de 1915 e dirigido por D. W. Griffith, desenvolveu um importante papel negativo na — já prejudicada e imersa em preconceitos — sociedade afro-americana. No período em que foi lançado, o filme se tornou um símbolo a favor da supremacia branca, e deu forças aos grupos da KKK. No livro de Clark, o filme desempenha um papel semelhante, e ainda mais literal, em relação aos poderes concedidos à organização.

Os monstros apresentados por Clark em seu livro invocam também algo saído diretamente do horror cósmico de Lovecraft. Sobre isso, Clark acredita que, independentemente se alguém leu ou não algo do autor, a cultura pop está mergulhada em referências sobre ele, como tentáculos de alguma criatura que navega através desses conceitos utilizados em séries, filmes e outros livros. 

Então, o que você pode fazer com isso? Como você pode utilizar esses tentáculos? Para Clark, a resposta é clara: “Pessoas marginalizadas têm ingerido coisas problemáticas na Ficção Científica e na Fantasia, de elfos negros para baixo, e amado isso através de nossos dentes cerrados desde sempre. Isso não é algo novo para nós. Então, quando nós somos afortunados o suficiente para ter a chance de mudar o roteiro, de usar esses mesmos tentáculos a partir de diferentes perspectivas, nós as pegamos. E eu acho que tem um monte de leitores, que consomem o gênero com todo o tipo de experiência, que falam com alívio: ‘finalmente!’.”

Ring Shout: Grito de Liberdade é um livro potente e cercado de referências históricas, elementos culturais afro-americanos e personagens envolventes, mesclado com a magia e o terror sobrenatural e monstruoso, equilibrados perfeitamente com a narrativa ágil e fluida de P. Djèlí Clark. 

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O livro já está disponível na Loja Oficial da DarkSide Books. Comente este post com a Macabra no Twitter e Instagram.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.