Como John Passarella transformou Halloween em livro

Confira a entrevista do autor que adaptou e expandiu Halloween 2018 em um romance assombroso.

O filme Halloween de 2018 marcou o retorno de Michael Myers e Laurie Strode à franquia, que colocou uma sombra em muitas das sequências criadas. A produção tem capítulo garantido no livro Halloween: O Legado de Michael Myers, de Dustin McNeill e Travis Mullins, publicado pela Macabra e DarkSide® Books.

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O que nem todo mundo sabe é que o filme também ganhou uma versão literária, adaptada das telonas por John Passarella. O autor, que já fez este trabalho em títulos como Buffy e Supernatural, não se limitou a apenas transcrever os eventos do filme para um livro. A obra permitiu que a história fosse expandida, incluindo cenas cortadas e dando mais camadas a muitos dos personagens.

Muitos desses momentos adicionais incluíam o nefasto dr. Sartain, que explica a Aaron e a Dana por que ele acredita (ou finge acreditar) que Michael Myers não representa mais um perigo para a sociedade: “Deixamos dois gatinhos na cela dele na noite passada e ambos permaneceram ilesos”. Passarella também expande o momento quando Sartain embarca no ônibus de transferência do Smith’s Grove — incluindo seus comentários sussurrados dirigidos a Michael.

Para Halloween: O Legado de Michael Myers, Dustin McNeill entrevistou Passarella, que comentou um pouco do processo e dos desafios da mudança de formato da obra. Trouxemos um trecho dela a seguir:

  • O roteiro, como a maioria deles, não traz tantos detalhes assim. Como você padronizou sua redação se aproximando tanto do filme?

Logo de cara, perguntei se eles tinham algumas imagens de apoio para me mandar. Eu conhecia os atores, mas não sabia como seria o visual deles no set. Talvez alguém fosse louro na vida real, mas precisasse pintar os cabelos no filme. Eu não tinha nenhuma ideia sobre isso. Já estava há algumas semanas escrevendo quando eles finalmente me deram acesso aos arquivos digitais do filme. Eram mais de 30 mil imagens do set tiradas em todos os dias da filmagem. Não estavam organizadas ou rotuladas de forma alguma. Então perdi o final de semana inteiro fazendo isso. Elas também não estavam em ordem, o que significava que eu tinha de procurar entre 10 ou 20 mil fotos para achar uma determinada cena. Lembra da parte quando o Michael entra no ônibus de transferência? É quase no comecinho do filme, mas só foi filmada bem mais tarde, o que a tornava um pouquinho difícil de achar. 

Eu já havia escrito diversas cenas antes de ganhar acesso àqueles arquivos. Uma das cenas era a de abertura no pátio do Smith’s Grove, que eu havia imaginado de um jeito completamente diferente do que aparecia no filme. Imaginei o pátio tendo muitas plantas e árvores e caminhos para que eles passeassem. Então vi o primeiro trailer e percebi que ele se parecia muito mais com um tabuleiro de xadrez gigante de concreto vermelho e branco. Daí precisei voltar e reescrever aquela cena. 

David Gordon Green, diretor
  • Os cineastas costumam se desviar do roteiro quando estão no set. Como isso afetou seu trabalho?

Foi difícil, porque eles mudaram muitas coisas durante as filmagens. A primeira vez que vi o filme foi na noite de estreia, e foi uma experiência bastante esquisita. Eu sabia o roteiro de cor, o livro de cor, e agora o filme estava passando na minha frente como uma terceira entidade. Então tudo estava colidindo dentro do meu cérebro. “Espera aí, que cena é essa? Cadê aquela outra cena? Eles mudaram esse diálogo. O que que tá acontecendo agora?”. (risos) Acho que meu livro é um pouco mais fiel ao roteiro do que o filme porque existem cenas nas quais eles meio que deram um polimento e também cenas que adicionaram. Por exemplo, no roteiro, eles têm muito mais material no baile da escola, que eu expandi ainda mais. Mas no filme, tudo acontece num piscar de olhos. Tem um plano com o DJ, alguns dançarinos, o ginásio e praticamente já acabou.

  • Quais foram algumas mudanças de diálogo que mais chamaram a sua atenção?

Eu me lembro de que as cenas com a Vicky tomando conta do Julian tinham diversos diálogos alternativos bem engraçados, mas nenhum deles estava no roteiro. A cena em que o pai e o filho estão no carro também era diferente. No filme, o garoto está falando sobre ser um bailarino. No roteiro original, eles conversavam sobre um jogo de futebol universitário, que é o que aparece no livro. Recebi um roteiro revisado mais tarde que incluía o material das refilmagens, mas não apresentava nenhuma das mudanças de diálogo. Também rolaram muitas cenas que eles cortaram do filme e que mantive no roteiro. Nenhuma delas mudava a trama, o que me faz pensar que foram cortadas por uma questão de tempo.

  • Parece que você precisou trabalhar num ritmo louco para entregar no prazo. Você via abóboras e máscaras brancas quando fechava os olhos toda noite?

(risos) Quando estou com um prazo desses, procuro viver o livro enquanto estou escrevendo. Quando escrevo sem um prazo, tenho tendência a procrastinar um pouco mais. Halloween meio que ganhou vida na minha cabeça enquanto eu o adaptava. De repente, meu trabalho se tornou bastante real, uma vez que comecei a ver as imagens dos atores naquelas cenas. Isso se tornou pessoal pra mim. Eu terminava de escrever uma cena de morte e então sentia um pouco de luto como se alguém realmente tivesse morrido. Foi estranho. 

Na minha opinião, o primeiro Halloween é um filme de terror bastante direto. Ele se foca mais no suspense e no medo. O novo Halloween, por causa da maneira como foi editado, parece mais um thriller com menos apego a esses momentos de suspense. Não dá pra chegar a essa conclusão lendo o roteiro, que é tudo o que eu tinha pra trabalhar. Então, tentei escrever suspense no livro sempre que podia. Acho que deixou o clima do livro um pouquinho diferente do filme. 

Também incluí algumas mortes no meu livro que não foram parar nas telas de cinema. Lembra a cena em que Michael mata a mulher com o machado? Aquilo acontece fora de cena, e mesmo fora da página, no roteiro, mas vi como uma oportunidade de expansão naquele momento. Fiz algo parecido com a morte do Dave, que também aparece no livro, mas não no filme. No filme, eles apenas encontram seu cadáver.

Sua protagonista precisa agir, não reagir. Então é ótimo ter uma mulher que não está esperando por um homem que a venha salvar. A Laurie é uma grande personagem, nesse sentido.

  • Michael Myers é um personagem único, quase um não personagem, diriam alguns. Seu livro inteiro é no pretérito — exceto pelas cenas com o Michael. Fale um pouco sobre essa abordagem.

Quis tratar Michael como se estivesse sempre no momento, sem pensar muito à frente ou sobre o que tinha acabado de acontecer. Então, sempre que redijo cenas do seu ponto de vista, eu escrevo no tempo presente, porque acho que ele aproveita cada momento como único. Ele não é o tipo de cara que se arrepende ou que reflete sobre o seu próprio trabalho. Não é um planejador. Você também não quer entregar muito com um personagem desse tipo. Ele é aquilo que faz. Com qualquer outro assassino, você poderia querer abordar suas motivações, mas não com ele. Não existe um diálogo interno acontecendo ali.

  • O novo Halloween apaga a conexão fraterna entre a Laurie e o Michael, que havia sido um ponto de virada de trama significativo na sequência. Como você enxerga essa mudança?

Com o Michael, acho que o terror fica mais forte quando é mais nebuloso, sem estar conectado a nada. Quando assisto ao original, só vejo o Michael se fixando na Laurie após ela dar uma passada na casa dele. Não enxergo isso como se ele estivesse tentando matar sua irmãzinha. Posso ver por que o John Carpenter gostaria de mudar isso. Talvez ele não queira que as pessoas se sintam seguras, tipo: “Ah, ele só está indo atrás dela porque ela é sua parente”. Acho que o John poderia querer que o Michael fosse uma ameaça mais existencial, onde pudesse ameaçar qualquer pessoa. Ele não é só o pior pesadelo da Laurie, ele poderia ser o pior pesadelo de qualquer um. Mas, em geral, Hollywood quer uma explicação para tudo. Não gostam de perguntas sem respostas.

  • Por falar em fixação, no novo filme a Laurie parece estar convencida de que Michael ainda é obcecado por ela. Mas ele não parece estar, parece? Nunca faz nenhum esforço para segui-la.

Percebi isso. É quase como se a fixação fosse exclusivamente por parte da Laurie nessa história. O mesmo pode ser dito do Sartain, que é o motivo de ele tentar entregar Michael na porta da casa dela. Talvez seja apenas ilusão deles que Michael tenha uma fixação a respeito da Laurie. Sei que o roteiro passou por diversas revisões. Então eu teria a curiosidade de ver se os tratamentos iniciais lidavam com o assunto de maneira diferente. É um assunto interessante.

  • No Halloween original e nas continuações que se seguiram, a garota final é geralmente salva no último instante por um homem. No novo Halloween, Laurie não está contando com a ajuda de ninguém. Ela está pronta para salvar a si mesma. Como você vê essa atualização do arquétipo da garota final?

Acho que é uma boa tendência que estamos vendo. Sua protagonista precisa agir, não reagir. Então é ótimo ter uma mulher que não está esperando por um homem que a venha salvar. A Laurie é uma grande personagem, nesse sentido. Eu meio que senti uma vibe meio Sarah Connor em O Exterminador do Futuro 2 no roteiro, quase como se ela fosse uma referência para a atualização do papel. Acho que funciona muito bem. É ótimo ver a Laurie assumir as rédeas da sua vida neste filme.

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Esta entrevista completa e muitas outras estão sobre todos os filmes da franquia estão em Halloween: O Legado de Michael Myers. Comente este post com a Macabra no Twitter e Instagram.

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Renunciei à vida mundana para me dedicar às artes da trevas. No meu cálice nunca falta vinho ungido e protejo minha casa com gatos que afastam os espíritos traiçoeiros. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.