Frankenstein: as muitas vidas da obra de Mary Shelley

Frankenstein foi adaptado, reimaginado e referenciado dezenas de vezes no cinema desde que foi criado por Mary Shelley, no século XIX. Conheça algumas adaptações macabras.

Publicado em 1818 e escrito por Mary Shelley, Frankenstein é uma das obras mais importantes da literatura mundial. Muitos teóricos defendem que o livro seja o pontapé inicial para a tradição moderna de horror e ficção científica, com Shelley sendo considerada mãe de ambos os gêneros fantásticos e a Criatura como o primeiro mito dos tempos modernos.

Apesar de outras obras terem sido escritas com elementos desses gêneros, é em Frankenstein que os visualizamos tão bem elaborados e encaixados, se tornando influência fundamental para a literatura que surgiria em seguida. Na história, onde Victor Frankenstein reúne restos mortais para dar vida a uma Criatura e, assustado com o que fez, a abandona à própria sorte, levantamos diversas discussões e questionamentos sobre os limites da ciência, as possibilidades e suas responsabilidades. Assistimos, também, com horror e fascínio, a Criatura se perder no mundo, aumentar seu receio pela forma como é tratado pela humanidade, e descobrir sozinho uma forma de revidar. 

Sendo uma obra tão imponente, que causa tantos sentimentos em seus leitores, logo ela seria transformada, adaptada e utilizada como inspiração em diversos produtos derivados. Mesmo no século XIX, livro trouce novos frutos — o que começou a acontecer já em 1823, com a peça de Richard Brinsley Peake intitulada Presumption; or, the Fate of Frankenstein. Entretanto, talvez, a peça de maior sucesso adaptando o livro de Shelley tenha sido a de Peggy Webling, de 1927, encomendada por Hamilton Deane que, anos antes, havia adaptado Drácula, de Bram Stoker. Ambas as peças acabaram virando a base para os filmes de sucesso da Universal.

Celebrando esses 204 anos de Frankenstein, a Macabra reuniu algumas das adaptações mais importantes do livro — e os usos da Criatura de Frankenstein como personagem. 

Frankenstein

Frankenstein, 1910 // A primeira adaptação de Frankenstein que temos notícia foi produzida em 1910, dirigida por J. Searle Dawley, com  Augustus Phillips como Frankenstein, Mary Fuerte como Elizabeth, e Charles Ogle como a Criatura. O filme foi produzido pela companhia de Thomas Edison, a Edison Studios, e acreditou-se perdido por muitos anos, até que em 1980 uma cópia foi encontrada com um colecionador. Com dezesseis minutos de duração, o curta mudo conta com algumas mudanças em relação ao livro, principalmente no que se refere ao final e à criação da Criatura.

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Life Without Soul

Life Without Soul, 1915 // Seguido da adaptação da Edison Studios, Life Without a Soul conta uma história mais moderna de Frankenstein, onde um jovem dá vida, sem alma, à uma estátua. O jovem, chamado Dr. William Frawley, foi interpretado por William A. Cohill, e a estátua por Percy Standing. No final, tudo não passava de um sonho de Frawley, que caiu no sono lendo o livro de Mary Shelley. Dirigido por Joseph W. Smiley, hoje o filme é considerado perdido.

Frankenstein

Frankenstein, 1931 // O grande primeiro verdadeiro sucesso como adaptação cinematográfica de Frankenstein, dirigido por James Whale e protagonizado por Boris Karloff, o filme foi adaptado por John L. Balderston a partir da peça de Peggy Webling. Essa adaptação acabou sendo responsável por algumas alterações na história de Frankenstein e sua Criatura como conhecemos hoje, com situação que não estão no romance de Mary Shelley, como o final da Criatura e sua concepção visual — criada por Jack Pierce. 

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A Noiva de Frankenstein

The Bride of Frankenstein, 1935 // Considerado por muitos uma das melhores adaptações de Frankenstein — ou, ainda, um dos melhores usos da imagem da Criatura e do romance de Mary Shelley —, A Noiva do Frankenstein se tornou um dos queridinhos entre os fãs do livro. Também dirigido por Whale para os Estúdios Universal, o filme retorna com Boris Karloff como Criatura e traz Elsa Lanchester como a Noiva (além de uma participação no início como a própria Mary Shelley). Depois de A Noiva de Frankenstein vários outros filmes da Criatura foram feitos para a Universal: O Filho de Frankenstein (1939), A Alma de Frankenstein (1942), Frankenstein Encontra o Lobisomem (1943), A Mansão de Frankenstein (1944) e O Retiro de Drácula (1945). Destes, além de Karloff, Lon Chaney Jr. e Glenn Strange interpretaram a Criatura.

I Was a Teenage Frankenstein

I Was a Teenage Frankenstein, 1957 // Lançado pela AIP (American International Pictures) logo após o sucesso de I Was a Teenage Werewolf, lançado naquele mesmo ano, o filme apresenta Professor Frankenstein (Whit Bissell) que, ansioso para ser visto como um grande cientista, cria uma Criatura (Gary Conway) a partir dos corpos de jovens mortos em um acidente de carro. O professor então faz com que sua Criatura vá atrás de um jovem bonito e popular do colégio, que possa substituir a face horrenda e desfigurada do monstro. Gary Conway reprisa seu papel como a Criatura Adolescente no filme How to Make a Monster (1958), dirigido por Herbert L. Strock, que funciona como sequência para os filmes I Was a Teenage Werewolf e I Was a Teenage Frankenstein.

A Maldição de Frankenstein

The Curse of Frankenstein, 1957 // A partir dos anos 1950, na Grã-Bretanha, a produtora Hammer Films começou a produzir filmes de terror assim como a Universal havia feito nos anos 1930. Usando também algumas clássicas histórias de monstros — entre outros temas —, Frankenstein recebeu uma nova adaptação. Dessa vez, porém, o foco maior era em Victor Frankenstein, que foi, majoritariamente, interpretado por Peter Cushing. Essa série se inicia com A Maldição de Frankenstein, onde Christopher Lee interpreta a Criatura e várias alterações são feitas em relação ao romance, e segue para seis outros filmes, todos com assuntos e Criaturas variados. Os outros filmes da Hammer que, de certa forma, são sequência de A Maldição, são: A Vingança de Frankenstein (1958), O Monstro de Frankenstein (1964), …E Frankenstein Criou a Mulher (1967), Frankenstein Tem que Ser Destruído (1969) e Frankenstein e o Monstro do Inferno (1974). Os filmes de Frankenstein da Hammer também contam com um remake de A Maldição de Frankenstein, de humor obscuro, intitulado O Horror de Frankenstein (1970).

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O Castelo de Frankenstein

Frankenstein 1970, 1958 // Filme de baixo orçamento e independente dirigido por Howard W. Koch, traz novamente Boris Karloff para uma adaptação do livro de Mary Shelley — dessa vez, entretanto, ele não interpreta a Criatura, e sim um descendente de Victor Frankenstein. Na história, o descendente dos Frankenstein aluga o castelo da família para uma produtora de filmes e, enquanto isso, mostrando que o sangue que tem nas veias é mais forte, tenta concluir as invenções grotescas de seu antepassado. A ideia de trazer novamente Frankenstein aos holofotes se deu graças ao sucesso de I Was a Teenage Frankenstein e A Maldição de Frankenstein.

Blackenstein

Blackenstein, 1973 // Aproveitando o embalo do Blaxploitation, no auge do sucesso de Blacula, foi lançado Blackenstein, dirigido por William A. Levey. No filme, Eddie (Joe De Sue), um veterano do Vietnã, perdeu os braços e as pernas. Um competente cirurgião consegue lhe dar novos membros, mas seu assistente invejoso altera as seringas contendo DNA e transforma Eddie em um assassino gigante. 

O Jovem Frankenstein

The Young Frankenstein, 1974 // Dirigido por Mel Brooks, com história e roteiro de Gene Wilder, essa comédia é levemente baseada no livro de Mary Shelley — utilizando o plot principal de um cientista louco que cria um monstro de restos mortais para provar que pode criar vida —, com diversas liberdades criativas mas, também, uma das adaptações mais queridas pelos fãs (não pela fidelidade com o romance original, mas por ser uma ótima obra de comédia). No filme, o neto de Victor retorna à Transilvânia, tentando mostrar que seu avô não era tão louco quanto todos achavam, e acaba redescobrindo a forma de reanimar um cadáver.

Frankenstein, o Monstro das Trevas

Frankenstein Unbound, 1990 // Dirigido por Roger Corman e adaptado do livro de Brian Aldiss, acompanhamos a criação de uma grande arma, que deveria ser segura para seres humanos, mas que acaba trazendo uma série de acontecimentos estranhos, dentre eles desaparecimentos e pulos temporais. Um deles, do próprio cientista que criou a arma (John Hurt), acaba o levando de 2031 até a Suíça de 1817, onde Victor Frankenstein (Raúl Juliá) está tentando dar vida à sua Criatura (Nick Brimble). 

Frankenstein de Mary Shelley

Frankenstein, 1994 // Uma das adaptações mais próximas do livro de Mary Shelley, dirigida por Kenneth Branagh, com roteiro de Steph Lady e Frank Darabont. O filme conta com Branagh como Victor Frankenstein, Robert De Niro como a Criatura e Helena Bonham Carter como Elizabeth. 

Frankenstein: Entre Anjos e Demônios

I, Frankenstein, 2014 // Não exatamente uma adaptação do livro de Shelley, mas como uma reimaginação de uma sequência, acompanhamos a Criatura, agora nomeada Adam, depois da morte de Victor. Adam foi salvo por uma gárgula após ser atacado por um demônio. Ao ser levado a uma cripta que funciona como esconderijo para as gárgulas, Adam descobre que há uma guerra entre as criaturas e demônios. Dirigido por Stuart Beattie, conta com Aaron Eckhart como Adam. 

Frankenstein

Frankenstein, 2015 // Com uma roupagem moderna, a história se passa nos dias atuais e é contada a partir da perspectiva da Criatura, também chamada Adam (Xavier Samuel). No filme, depois de ser criado e abandonado por um casal excêntrico de cientistas, Adam precisa sobreviver sozinho no mundo, onde só recebe dor e violência. Dirigido e escrito por Bernard Rose. 

Algumas outras aparições de Frankenstein

A Criatura de Frankenstein se tornou um dos “monstros” mais queridos do terror. Extremamente popular, fez aparições em diversas produções, crossovers e afins, dos mais variados gêneros, aos mais diversos temas e situações. Em Van Helsing: O Caçador de Monstros (2004), a mesma ciência utilizada para dar vida à Criatura (Shuler Hensley) é utilizada por Drácula (Richard Roxburgh) para dar vida a seus filhos. Enquanto isso, a Criatura é protegida por Van Helsing (Hugh Jackman).

Na série de filmes de animação Hotel Transilvânia (2012), Frank (com a voz de Kevin James), é amigo de Drácula (Adam Sandler) e dos outros monstros clássicos.

No clássico dos anos 1980 Deu a Louca nos Monstros (1987), enquanto as crianças se tentam se defender dos monstros clássicos para salvar a cidade, elas se unem à amigável Criatura de Frankenstein. E em Penny Dreadful (2014-2016), a Criatura ganhou uma profundidade filosófica que a transformou em uma das melhores adaptações do personagem até então.

Criatura e criador na série Penny Dreadful

As duas famílias mais amadas do terror também tiveram suas versões da Criatura de Frankenstein. Em The Munsters, Herman é uma figura que se assemelha muito ao estilo da Criatura do filme de 1931. No filme de Rob Zombie, de 2022, as origens de Herman incluem sua criação pelo cientista Dr. Wolfgang. Já em A Família Addams, desde sua concepção como cartum, o mordomo da casa dos Addams, Tropeço na versão brasileira, é bastante parecida com a ideia geral de Criatura. 

Mas não para por aí. Não podemos deixar de mencionar que, em The Rock Horror Picture Show (1975), o trabalho do icônico Dr. Frank-N-Furter (Tim Curry) é nitidamente um aceno ao trabalho criar vida de Victor Frankenstein, que encontramos no livro de Shelley.

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Frankenstein em casa

Frankenstein está presente em peso na Casa da Caveira. O livro de Mary Shelley foi publicado em 2017 pela DarkSide Books com diversos extras especiais, incluindo outros contos da autora. Para aqueles curiosos em conhecer melhor a vida de Mary Shelley, a biografia dupla Mulheres Extraordinárias: as Criadoras e a Criatura, contando a vida de Shelley e sua mãe, Mary Wollstonecraft, foi escrita por Charlotte Gordon e é um excelente mergulho na vida de duas revolucionárias que dividiam o mesmo sangue. Já Ela e o Monstro, de Linda Bailey, é a versão ricamente ilustrada por Júlia Sardà sobre a história de história de como Mary Shelley descobriu sua Criatura — um livro perfeito para apresentar Frankenstein para as crianças de uma forma mágica.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.